Discurso no Senado Federal

ANALISE DE RELATORIO DO BANCO MUNDIAL QUE CONSTA O EMPOBRECIMENTO DOS PAISES EMERGENTES. REPUDIO A PRESSÃO DOS ESTADOS UNIDOS PARA QUE PAISES DO TERCEIRO MUNDO NÃO ADOTEM A UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS PELA DENOMINAÇÃO GENERICA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SAUDE.:
  • ANALISE DE RELATORIO DO BANCO MUNDIAL QUE CONSTA O EMPOBRECIMENTO DOS PAISES EMERGENTES. REPUDIO A PRESSÃO DOS ESTADOS UNIDOS PARA QUE PAISES DO TERCEIRO MUNDO NÃO ADOTEM A UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS PELA DENOMINAÇÃO GENERICA.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/1999 - Página 24587
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, DADOS, ESTATISTICA, AUTORIA, BANCO MUNDIAL, CRESCIMENTO, EMPOBRECIMENTO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, PAIS, TERCEIRO MUNDO, MOTIVO, INEFICACIA, LIBERALISMO, ECONOMIA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), INTERVENÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PAIS, TERCEIRO MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, COAÇÃO, PERMANENCIA, NOME COMERCIAL, MEDICAMENTOS.
  • CRITICA, AL GORE, VICE-PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MOTIVO, LOBBY, PERMANENCIA, NOME COMERCIAL, MEDICAMENTOS, PAIS, TERCEIRO MUNDO, SOLICITAÇÃO, RESPOSTA, GOVERNO FEDERAL, DEFESA, INTERESSE, BRASIL.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Banco Mundial torna público um levantamento estatístico de profunda gravidade para os países do Terceiro Mundo e, eu diria, para a consciência universal, em que conclui que a receita neoliberal não está dando certo. O empobrecimento dos países ditos emergentes e do Terceiro Mundo é uma realidade indiscutível e inegável. A pobreza do Planeta aumenta de um bilhão e duzentos milhões para um bilhão e quinhentos milhões de habitantes após todas as decisões de fortalecimento das teses neoliberais: as teses da presença do Estado mínimo, de arrocho ao funcionalismo público dos países emergentes, de austero controle de caixa, de investimentos equivocados feitos pelos países de Primeiro Mundo e de uma política de juros perversa e sem qualquer conseqüência que pudesse trazer o mínimo benefício para a construção do desenvolvimento humano.  

Em pronunciamento recente, fiz uma referência à revista The Economist do dia 14 de agosto de 1999, que publicou um levantamento indicando que, das crianças que morrem antes de completar cinco anos de idade, 98% estão no mundo subdesenvolvido; do total de pessoas que possuem HIV positivo, 95% vivem nos países pobres; dos US$56 bilhões que são gastos em pesquisa sobre saúde, apenas US$5 bilhões se destinam a doenças que afetam os povos de baixa renda. O mais lamentável, Sr. Presidente, é que, desses US$5 bilhões, menos de US$250 milhões vão para a produção de vacinas que evitem as doenças. Esses são dados estarrecedores.  

No mesmo pronunciamento, lembrei que o eminente Senador francês Robert Badinter declarou ao jornal Le Monde , no Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, no mundo, diariamente trinta e cinco mil crianças morrem de fome ou de doenças evitáveis ligadas à subnutrição, em função da perversidade de um modelo sócio-econômico e político que tem sido imposto pelos grandes países aos povos do Terceiro Mundo.  

Recentemente, denunciei que, na África, países como o Zimbábue, a África do Sul, a Etiópia, o Zaire e outros estão próximos de apresentar 30% de sua população infectada pelo vírus da AIDS e com possibilidade real de morte nos próximos dez anos.  

Agora, o Banco Mundial alerta, assume e reconhece que já existe um bilhão e quinhentos milhões de habitantes vivendo com renda inferior a US$1,00 diário.  

Na sexta-feira passada, denunciei a pressão e o boicote que a Abifarma, a Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas, fazia aos médicos brasileiros, alertando que seriam responsáveis por agravos à saúde humana causados pela prescrição dos remédios genéricos. Todos sabem que, tecnicamente, em todos os países onde ocorreu - África do Sul, Nova Zelândia, Tailândia e Argentina -, a aplicação dos medicamentos genéricos redundou numa redução de custo da ordem de 40%. Todos têm conhecimento da impossibilidade de as famílias brasileiras comprarem medicamentos pelos preços atuais. A diferença de preço entre medicamentos pode ser exorbitante, de até 600%, quando se tratam de nomes comerciais, conforme denunciou o jornal Folha de S.Paulo

Na segunda-feira, dia 13 de setembro, o jornal Correio Braziliense publicou uma matéria de enorme importância, intitulada "A Força do Império", que, parece-me, mereceria uma resposta do Governo brasileiro, de modo muito especial do Ministério da Saúde, pois fala de uma intervenção clara, antiética, deselegante e perversa do governo americano. O Vice-Presidente dos Estados Unidos, Sr. Al Gore, afirma claramente haver uma pressão dura para que países de Terceiro Mundo não adotem a prática e a utilização de genéricos, porque isso fere uma relação comercial, na sua visão, saudável, com o governo americano.  

Faço questão de ler essa matéria do Sr. Ken Silverstein, transcrita do jornal The Nation , por sua importância e gravidade, e até em reconhecimento à ação do jornal Correio Braziliense, que a publicou:  

O Vice-Presidente dos Estados Unidos, Al Gore, foi alvo de duros protestos por ter tentado obrigar a África do Sul a proibir a produção de drogas genéricas mais baratas para tratar a imensa população soropositiva do país. Mas os esforços de Gore representam apenas um entre dezenas de exemplos do uso de intimidação, pelos Estados Unidos, para influenciar as políticas de saúde do Terceiro Mundo.  

Nos últimos anos, o escritório do United States Trade Representative - USRT, encarregado de promover os interesses comerciais norte-americanos no exterior, virou um virtual apêndice do setor farmacêutico. Um de seus recursos principais tem sido a ameaça de sanções comerciais para desencorajar o uso de remédios genéricos no exterior, especialmente nos países pobres.  

É uma política particularmente cruel porque os medicamentos respondem por até 60% do orçamento terceiro-mundista para Saúde. "Nos velhos tempos, o governo dos Estados Unidos tornava o mundo um lugar seguro para a empresa petrolífera Standard Oil", afirma Jamie Love, do Centro para o Estudo do Direito Responsável. "Hoje, ele o torna um lugar seguro para as empresas de remédios."  

O USTR ameaçou impor sanções comerciais a pelo menos sete países, caso eles permitissem a fabricação doméstica de substitutos genéricos para a droga anti-cancerígena Taxol. A Bristol-Meyers Squibb - conhecida no mundo político como uma fonte generosa de contribuições eleitorais, com doações de US$560 mil na última campanha - também recrutou os esforços de Gore.  

O Vice-Presidente dos Estados Unidos pressionou pessoalmente as autoridades sul-africanas para barrar os remédios genéricos. O país de Nelson Mandela, entretanto, resiste. Também a Tailândia sentiu a força da USTR, que ameaça impor sanções caso o país aprove uma lei exigindo que os nomes de substitutos genéricos seja incluído nas embalagens dos remédios de marca. (O Brasil aprovou recentemente legislação semelhante - de autoria do Deputado Eduardo Jorge.)  

A Argentina chegou a ser punida por permitir que seu setor farmacêutico se opusesse aos norte-americanos a respeito da proteção de patentes e direito de propriedade intelectual dos fabricantes internacionais de medicamentos. "Suas firmas continuam a trabalhar agressivamente para frustrar nossas tentativas", dizia um relatório elaborado pela USTR em 1997 para justificar aumento das tarifas impostas a Buenos Aires.  

Os Estados Unidos ainda tentam tornar ilegal a importação paralela, pela qual países vasculham distribuidores do mundo inteiro em busca do melhor preço, ao invés de recorrer sempre ao representante local das empresas farmacêuticas multinacionais. Como as empresas cobram preços diferentes de país a país, a importação paralela pode reduzir drasticamente os gastos de um governo com remédios.  

Os números são reveladores. Em 1995, uma quantidade idêntica do antibiótico Amoxil, da SmithKline Beecham, custava US$8 no Paquistão, US$14 no Canadá, US$36 nos Estados Unidos, US$40 na Indonésia e US$60 na Alemanha.  

Há anos, o USTR está em guerra com a Nova Zelândia por causa da importação paralela. Em 1996, o Embaixador dos Estados Unidos, Josiah Beeman, ameaçou o país com "conseqüências severas" depois que o governo local acabou com uma série de restrições a essa prática.  

A Primeira-Ministra neozelandesa, Jenny Shipley, respondeu: "Não aceitamos ordens sobre como administrar nosso País".  

Em 1983, a Guatemala tentou controlar as táticas agressivas de marketing das multinacionais com uma Lei de Saúde Infantil que bania as imagens de crianças das embalagens de remédios pediátricos. A Gerber, hoje uma subsidiária da Novartis, denunciou a lei como uma restrição comercial ilegal, insistindo no "direito" de vender seus produtos com a imagem de um bebê nas embalagens.  

"Uma criança gorda, saudável, de olhos azuis e traços ocidentais é uma estratégia de marketing perfeita para a Gerber", disse a consultora legal da Unicef, Leah Marguilles, à revista Corporate Crime Reporter , em uma reportagem sobre o caso. "Ela seduz a mãe a usar o remédio".  

Apoiada pela USTR, a empresa recusou-se a cumprir a lei. Sob forte pressão, a Suprema Corte guatemalteca decidiu, em 1996, que a Lei de Saúde Infantil, que proibia a utilização de propaganda para seduzir e para fazer comprar medicamento mais caro com o nome comercial, não poderia ser aplicada a produtos importados. E o bebê Gerber continua sorrindo feliz nas prateleiras da Guatemala."  

Sr. Presidente, trata-se, a meu ver, de uma agressão à consciência, ao direito dos países e à autodeterminação dos povos. Não posso entender que o nosso País sofra esse tipo de pressão do Vice-Presidente dos Estados Unidos, principalmente porque se trata de um assunto de nossa estrita responsabilidade técnica e ética. O Brasil não deve subserviência a esse tipo de pressão, indesejável e perversa. O correto seria a implantação de uma política, na área de saúde, com plena autonomia, consciência ética e com senso de prioridade. De fato, uma política voltada para os interesses de nossa população.  

É lamentável verificarmos, segundo dados estatísticos, que 98% da mortalidade infantil ocorra nos países do Terceiro Mundo. Aí vem o Vice-Presidente dos Estados Unidos impor-nos normas segundo as quais o nome comercial, que apresenta diferença de preço de até 600% em relação ao genérico, deva ser preferido. Isso apenas permitirá a permanência do lucro e da ganância das multinacionais dos medicamentos, que chegam a acumular uma receita anual de US$12 bilhões.  

Entendo que o nosso País, além de dar uma resposta a esse tipo de intromissão, deve também rever suas teses neoliberais, da presença do Estado mínimo. O Governo foi obrigado a extinguir a Central de Medicamentos, a nossa indústria de produção de medicamentos, que, em decorrência de erros organizacionais, erros na área de custos, de investimento científico, tornou-se inviável. No entanto, pelo menos, tínhamos uma unidade de produção de medicamentos que permitia uma cesta básica de consumo de remédios para a população pobre deste País.

 

Sr. Presidente, entendo que a perversidade e a ganância das multinacionais não podem interferir na soberania de um país, tampouco na sua busca pelo desenvolvimento científico e na sua capacidade de ter independência, para eleger prioridades. O Ministério da Saúde, a meu ver, tem a responsabilidade de dar uma resposta a essa tentativa de intervenção, de intromissão do Vice-Presidente dos Estados Unidos, que está atuando como um verdadeiro testa-de-ferro das multinacionais de medicamentos, ao mesmo tempo em que deve agir contra a Abifarma.  

Ressalto a responsabilidade que tem o Conselho Federal de Medicina em não permitir a pressão sobre a consciência do profissional médico deste País quando fizer opção por um medicamento de baixo custo, pois assim determina e estimula o Código de Ética Médica, carta soberana de proteção à dignidade do exercício profissional da Medicina. Entendo que a alternativa que o Governo brasileiro tem, diante do relatório do Banco Mundial que mostra o aumento do empobrecimento, apesar da receita internacional do neoliberalismo, da presença do Estado mínimo, é a de fortalecer os laboratórios de produção estatal de medicamentos não no sentido da competitividade, de torná-los empresas de interesse comercial e fins lucrativos, mas no sentido de entender que o sofrimento das pessoas pobres deste País não pode ter como barreira o não-acesso à compra de medicamentos.  

Sr. Presidente, posso entender o fato de que é da mais absoluta prioridade do Governo estimular a produção de medicamentos do Laboratório Biomanguinhos - já produz insumos - para que se torne um grande centro de produção de medicamentos, juntamente com o Instituto Butantã, em São Paulo. Assim, estaremos garantindo uma cesta básica de medicamentos contra as principais doenças que atingem o pobre, permitindo-lhe, sem que ele se sinta humilhado, o acesso ao medicamento necessário. Aliás, tenho tratado desse assunto com bastante responsabilidade. Apresentarei dois projetos de lei nesse sentido.  

Espero sinceramente que a propaganda que tenta agredir a consciência do brasileiro dizendo que um remédio com nome comercial é diferente de um genérico não faça parte da prática antiética que tem ocorrido neste País, por força da ganância do lucro internacional, perverso, que nos torna cada dia mais pobres.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/1999 - Página 24587