Discurso no Senado Federal

ANALISE DE RELATORIO DO BANCO MUNDIAL SOBRE OS EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO NO AUMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NOS PAISES EMERGENTES.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • ANALISE DE RELATORIO DO BANCO MUNDIAL SOBRE OS EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO NO AUMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NOS PAISES EMERGENTES.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 23/09/1999 - Página 24891
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, MUNDO, COMENTARIO, RELATORIO, BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), BANCO MUNDIAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), COMISSÃO ECONOMICA PARA A AMERICA LATINA (CEPAL), REDUÇÃO, QUALIDADE DE VIDA, TERCEIRO MUNDO, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JOSE FIORI, PROFESSOR, CRITICA, GOVERNO, MODERNIZAÇÃO, ESTADO, LIBERALISMO, INFERIORIDADE, RESULTADO.
  • COMENTARIO, NEGOCIAÇÃO, BRASIL, COMERCIO EXTERIOR, AGRICULTURA, CRITICA, PROTECIONISMO, PAIS, PRIMEIRO MUNDO, EXPECTATIVA, ACORDO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC).
  • GRAVIDADE, AUMENTO, POPULAÇÃO, SITUAÇÃO, MISERIA, MUNDO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Imprensa, nesses últimos dias, trouxe-nos, pelos menos de três fontes diferentes, informações e análises que chamam a atenção para a gravidade do problema que estamos vivendo: a implantação desse novo modelo econômico mundial, que tem recebido diversas denominações, sendo mais conhecido como globalização. No fundo, a globalização representa um esmaecimento da força dos Estados nacionais, integração das diferentes economias do mundo, profunda reestruturação dos sistemas de produção e conseqüentemente de emprego. Enfim, uma grande mudança está se processando em todo o mundo.  

O que diz o Relatório do Banco Mundial? O que diz o relatório anual da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento - Unctad, cujo Secretário-Geral é o Embaixador Rubens Ricupero, brasileiro, ex-Ministro da Fazenda do Brasil? O que diz a CEPAL, a Comissão de Estudos Para a América Latina? Mais ou menos simultaneamente, ou com diferenças de datas muito próximas, esses relatórios foram divulgados, e a Imprensa noticiou largamente os principais dados, mostrando-nos claramente que, não obstante um grande, um gigantesco, um enorme esforço nessa direção feito por países como o Brasil, as condições de vida das populações têm-se agravado. Não se reduziu, pelo contrário, há sinais de que aumenta o fosso entre os chamados países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento e os países ricos.  

As próprias instituições multilaterais parece que se dão conta de que o seu receituário não produziu exatamente os efeitos esperados. Ou seja, o sonhado desenvolvimento ainda não foi agora que chegou a esses países.  

Há números relevantes. A Folha de S. Paulo , por exemplo, de quinta-feira, 16 de setembro, noticiando o relatório do BIRD, Banco Mundial, diz, na manchete:  

"Abertura Não Reduz Pobreza, diz BIRD".  

O Relatório do Banco Mundial afirma que 1,5 bilhão de pessoas vivem com menos de US$1 por dia".  

E há, dentre outros pontos abordados pelo relatório, a crítica sobre a liberdade de capitais. Quer dizer, esse fluxo acelerado, rápido, livre de capitais; a questão da concentração de renda que permanece renitentemente - ou seja, mesmo países que têm conseguido crescer alguma coisa o fazem com concentração de renda, portanto, a distância entre as pessoas mais pobres e as mais ricas continua aumentando, bem como a distância entre os países mais ricos e os mais pobres - tudo isso nos deve servir como um sinal de alarme.  

Na Folha de S. Paulo de ontem há uma entrevista de um cientista político ou economista, Professor Fiori - não me recordo agora do seu nome completo -...  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) (Fora do microfone) -José Fiori.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Professor José Fiori - socorre-me aqui o Senador Jefferson Péres -, que faz uma afirmação muito interessante, que gravei:  

"O Governo não é prisioneiro do que deixou de fazer; ele é prisioneiro do que fez".  

É evidente que ele tem uma postura francamente oposicionista e apresenta, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo , de segunda-feira, alguns conceitos e críticas sobre o Governo do Presidente Fernando Henrique com os quais discordo. Ele insiste na exaustão desse modelo que não conseguiu dar os resultados esperados. O esforço na direção daquilo que se chama modernização, para reduzir o tamanho do Estado, integrar o País na economia internacional e inseri-lo num sistema altamente competitivo, como parece ser o que estamos vivendo no momento, não produziu os resultados esperados. Mas diz ele que o Governo é prisioneiro não do que deixou de fazer – refere-se às reformas –, mas do que fez.  

Concordo plenamente com o seu comentário quando diz que nunca um Congresso deu tanto a um Presidente como este. Nós, congressistas brasileiros, da Legislatura passada e desta, promovemos profundas alterações no sistema constitucional e legal do País, para permitir esse ajuste que se pretende dar no Estado brasileiro, na nossa economia e na nossa integração com os demais países. Mas agora são essas instituições, que eram propagandistas, que mais receitavam essas reformas estão revendo esses conceitos.  

É de se notar que, em alguns casos, o Brasil fez um esforço enorme, como, por exemplo, na chamada Lei de Patentes. Na Rodada do Uruguai, relativamente ao comércio internacional – Uruguai Round –, fizemos um esforço enorme para nos adaptarmos, mas esbarramos nas fronteiras dos subsídios, por exemplo, dos países europeus em relação à agricultura.  

Há alguns dias, tive a notícia de que estão fazendo um enorme esforço na fruticultura. Recentemente, uma delegação de produtores e dirigentes governamentais ou empresariais do Ceará fez uma visita a Israel, numa grande feira de agronegócios. Entrará em vigor brevemente uma série de exigências dos países importadores – países europeus, sobretudo – para a importação de frutas sem qualquer relação com a produção de frutas. Por exemplo, se houver febre aftosa, também não se aceitará a importação de frutas. Entretanto, a aftosa é uma doença do gado. São artifícios e argumentos especiosos para tirar completamente a nossa capacidade de exportar, de produzir, de criar renda, de desenvolver o País. Há ainda o caso dos Estados Unidos nas questões relativas ao aço e ao suco de laranja.  

Trata-se de regras criadas para facilitar a competição, para acabar com o protecionismo. No entanto, esses organismos a que me referi voltam a dizer que o maior mal é o protecionismo dos países ricos, que, sob os mais diferentes argumentos, criam barreiras não-tarifárias para a entrada de nossos produtos nos seus mercados.  

Haverá brevemente a Rodada do Milênio, que rediscutirá o acordo na Organização Internacional do Comércio. Os ministros da agricultura dos países da União Européia já declararam que os subsídios para os seus produtos agrícolas são imprescindíveis e que não abrem mão dele. É hora de se perguntar qual a nossa posição, o que devemos fazer diante dessa situação. É preciso que os nossos países se unam e elevem as suas vozes nos fóruns internacionais para manifestar claramente a sua insatisfação com esse estado de coisas.  

Os dados de alguns desses relatórios a que me referi deixam muito claro que a nossa situação, adotando exclusivamente essas políticas liberais, tende a se deteriorar. Com relação ao número de pessoas pobres: "A quantidade de pessoas vivendo com menos de US$1.00 por dia passou de 1,2 bilhão, em 1987, para 1,5 bilhão hoje". Em 12 anos, mais 300 milhões de pessoas passaram a viver com menos de US$2.00 por dia ou menos. Trata-se de uma situação de pobreza crescente. Os mecanismos de mercado, as propostas econômicas de liberação da economia e de redução do tamanho do Estado, o fim do intervencionismo estatal, tudo isso ainda não deu o resultado que se desejava e, muito pelo contrário, parece estar agravando os problemas.  

O próprio Presidente do Banco Mundial James Wolfensohn disse, numa declaração em Washington, que as desigualdades sociais são o principal problema da América Latina. Se essas desigualdades não são atenuadas e ainda se agravam, essa política não nos serve. É preciso refletir sobre elas e sobre os efeitos extremamente nefastos que estão produzindo nas nossas economias.  

Lembra ainda o relatório do Banco Mundial que, "se essas tendências permanecerem, em 2015, haverá 1,9 bilhão de habitantes vivendo com menos de US$1.00 por dia". Há um crescimento desse exército de pobres ou de miseráveis no mundo todo. Segundo o Banco Mundial, de 4,4 bilhões de pessoas que vivem em países em desenvolvimento, cerca de 60% não têm acesso a condições básicas de saneamento, um terço não sabe o que é água limpa, 25% não tem moradia adequada, 20% não têm acesso a serviço médico, e, entre as crianças, 20% não completam cinco anos de escolaridade nem se alimentam de modo adequado. O Banco Mundial alerta que as reações protecionistas são cada vez mais intensas, especialmente nos países industrializados.  

O número de processos contra o dumping ou contra práticas comerciais consideradas desleais por produtores domésticos tem aumentado desde os anos 80. Para o Banco Mundial, no futuro, será cada vez mais difícil manter o apoio às reformas liberais. As dificuldades são previstas para os próximos 25 anos.  

Há necessidade de se adotar providências que possam reverter esse quadro, inclusive no contexto da economia global. Basta guardarmos esse dado que citei falando sobre o aumento, nesses anos todos, do número de pessoas que vivem com menos de US$1.00 por dia, o que é alarmante se considerarmos os números absolutos que acabei de me referir e que estão muito bem evidenciados no gráfico impresso no jornal Folha de S.Paulo . Para se ter uma idéia, na América Latina e no Caribe, são respectivamente 91milhões e 110 milhões de pessoas vivendo nessa situação; e assim por diante, nos diferentes continentes.  

Sr. Presidente, o próprio jornal O Estado de S.Paulo , um arauto do liberalismo econômico, um intransigente defensor de todas essas reformas, diz, em editorial do dia 22:  

"A abertura de mercados tem beneficiado principalmente as economias do Primeiro Mundo. A expansão comercial provavelmente continuará. É indispensável, portanto, fazer da próxima negociação mundial de comércio" - quer dizer, essa oportunidade que vamos ter na rodada do milênio para o acordo geral da Organização Mundial de Comércio - "com lançamento programado para novembro, uma oportunidade a mais de apoio ao desenvolvimento.  

Esta é a recomendação apresentada pelo próprio Banco Mundial em relatório divulgado no dia 16. É também o ponto de vista oficial da Organização das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctat). Até agora, porém, há pouca esperança - talvez nenhuma - de se ter maior equilíbrio como resultado da próxima rodada, a do Milênio".  

Continua o editorial:  

(...) "Na década de 90" - como assinalou o Embaixador Rubens Ricupero, que é o Secretário-Geral da Unctad - "o déficit comercial dos países em desenvolvimento foi maior, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), do que nos anos 70. O aumento foi de 3 pontos percentuais. Ao mesmo tempo, as taxas de crescimento econômico desses países, na mesma comparação, declinaram em média 2 pontos".

 

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Ouço V. Exª com muito prazer.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Lúcio Alcântara, quero apenas externar a minha admiração e o meu respeito por V. Exª pelo pronunciamento faz, que - penso - envolve todos os setores da sociedade, o perfil ideológico, de compromisso e de nacionalismo que o nosso País tem a enfrentar como desafio de futuro, sobre qual relação tem sido estabelecida entre os grandes países chamados e os países em desenvolvimento. Não posso imaginar que o Banco Mundial possa soltar esses dados estatísticos que V. Exª apresenta e que aponta um agravamento claro da realidade social e ao mesmo tempo nós nos depararmos com um país que diz amém para uma política tão violenta e tão nociva ao setor social. Penso que é hora de uma reflexão profunda, diante de um pronunciamento como o que V. Exª faz, de todo o setor político do Brasil, de toda a classe política para dizer o que estamos fazendo aqui, a serviço de quem estamos. Não posso imaginar, Senador Lúcio Alcântara, na situação dos medicamentos agora, a menos de quinze dias, o Vice-Presidente dos Estados Unidos ter lançado publicamente uma restrição e uma ameaça aos países do Terceiro Mundo que estariam adotando os genéricos como alternativa de atender ao consumo de sua população. Nós, da área da saúde, sabemos que há uma diferença de preço para o consumidor de até 600% de um produto para o outro em uma drogaria. Isso ocorre porque a cobiça, a ganância, o marketing está se fazendo presente na hora de uma relação comercial, e não se estabelece aquilo que é a prioridade da sociedade, aquilo que é a necessidade da população pobre deste país, como no caso de medicamentos. V. Exª aborda muito bem a situação da agricultura que também se envolve, da área de metalurgia. Mas eu posso imaginar que quando se trata de consumo de primeira necessidade, como na área da saúde, é muito grave imaginarmos que o protecionismo, forjado na Lei das Patentes, queira se fazer presente com tanta virulência no Terceiro Mundo, com tanta ganância. Como se não bastassem os US$12 bilhões que as multinacionais de medicamentos lucram por ano às custas da dificuldade de acesso a remédio que tem a população brasileira. Então, a minha admiração, meu respeito e que esse pronunciamento sirva para que a classe política reflita sobre qual vai ser o nosso amanhã, se vai ser da subserviência ou de um sentimento de amor pelo Brasil.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Senador Tião Viana, V. Exª trouxe inclusive, com o seu aparte, uma contribuição, porque eu ignorava essas ameaças agora partidas do Vice-Presidente dos Estados Unidos, candidato à Presidência daquele país, desejando levar um nível de interferência na economia dos demais países ao ponto de ameaçar a implementação de políticas de medicamentos, que tem como um dos seus aspectos a comercialização dos produtos chamados genéricos. É realmente um absurdo.  

Quero justamente dizer, como V. Exª sugeriu no seu aparte, que essas instituição, às quais me referi, são insuspeitas. Não há motivação partidária para fazer essas críticas, não há motivação ideológica, não há motivação étnica, racial, são instituições multilaterais: Banco Mundial, CEPAL, Unctad - um organismo da ONU -, que estão mostrando com números que esse modelo não corresponde às aspirações da humanidade. Não está trazendo a resposta que precisamos dar a essas sociedades marginalizadas, doentes, incultas, analfabetas, empobrecidas, sobretudo sem perspectiva.  

Há que mudar, há que rever, há que alterar essa política, para que cada país, cada sociedade possa encontrar seu destino.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/09/1999 - Página 24891