Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O SUICIDIO DOS INDIOS KAIOVA, NO MATO GROSSO DO SUL. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O SUICIDIO DOS INDIOS KAIOVA, NO MATO GROSSO DO SUL. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 22/09/1999 - Página 24827
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, OCORRENCIA, SUICIDIO, INDIO, TRIBO GUARANI KAIOWA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS).
  • COMENTARIO, MOTIVO, SUICIDIO, EXCESSO, NUMERO, INDIO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), POSSIBILIDADE, OCORRENCIA, ENVENENAMENTO, AGROTOXICO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), AUSENCIA, DESTINAÇÃO, IMPORTANCIA, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA.
  • SOLICITAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, INVESTIGAÇÃO, SUICIDIO, INDIO, TRIBO GUARANI KAIOWA, REFORMULAÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS).

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, trago à tribuna, nesta tarde, um fenômeno bastante doloroso que vem ocorrendo com os índios Kaiová, no Estado do Mato Grosso do Sul. Temos informações de que membros dessa comunidade indígena têm tentado o suicídio coletivo e individual, por diversas vezes, observando-se já um número estarrecedor de pessoas que foram a óbito.

Pela segunda vez, em menos de uma semana, índios Kaiová tentam suicídio coletivo. No dia 13, três jovens da aldeia Panambizinho, no Município de Dourados, Mato Grosso do Sul, tentaram se matar ingerindo cachaça com agrotóxico. No dia 8, dez índios Kaiová, com idades entre 15 e 22 anos, buscaram a morte com a mesma mistura: três vieram a falecer, um estava desaparecido e seis foram hospitalizados. Nessa mesma área, no mês de maio, ocorreram mais três suicídios: dois por envenenamento e um por enforcamento.

A avaliação das lideranças indígenas e da Funai atesta o que o Cimi sempre afirmou: os jovens são levados ao desespero, porque há anos foram expulsos de suas terras e estão encurralados em reservas superpopulosas. Algumas comunidades tentam reagir a essa situação, retomando seus territórios tradicionais. As ações, porém, não são reconhecidas pela Funai, que, ao contrário de apoiá-los, pressiona-os para que saiam das áreas ocupadas.

Nas terras tradicionais recuperadas pelos próprios índios, não há notícias de casos de suicídio.

A terra indígena Panambizinho foi demarcada em 1995 com 1.240 hectares, mas os Kaiová ocupam apenas 60. O restante foi invadido há mais de 40 anos por posseiros de um assentamento agrícola criado pelo Governo do Presidente Getúlio Vargas. Desde 1995, a Funai protela a retirada dos invasores. Com a omissão do Governo Federal, aumenta a pressão contra os Kaiová, que são obrigados a conviver com uma situação de humilhação e miséria.

No mês passado, os índios pediram que a regularização da área indígena Panambizinho ocorresse até o dia 30, mas foram ludibriados. O Governador José Orcírio se comprometeu a levar à região o Ministro da Justiça, José Carlos Dias, para ouvir a questão. Este, por sua vez, enviou dois funcionários à área para informar que não haveria o encontro. Indignados, os kaiová decidiram mantê-los reféns. Os servidores só foram liberados mediante a promessa de uma audiência, em Brasília, com o Ministro da Justiça, o que teve como resultado a realização de outra reunião, em Dourados, com um assessor do Ministro. Este assessor informou às lideranças que não havia nenhuma proposta.

O Cimi denuncia que os Governos Federal e Estadual são responsáveis pelos suicídios, já que eles ocorrem em conseqüência do descaso com que o Poder Público trata as demarcações de terras indígenas no País. “É urgente que a regularização das terras tradicionais dos kaiová ocorra o mais rápido possível, sob o risco de assistirmos ao desaparecimento de muitas comunidades”, afirma o coordenador do Cimi no Mato Grosso do Sul, Nereu Schneider.

Srª. Presidente, Senadora Emilia Fernandes, esse fenômeno pode ser interpretado das mais variadas formas; porém, a principal delas é exatamente a questão da não-demarcação das terras das comunidades indígenas, principalmente neste caso do Mato Grosso do Sul, dos índios kaiová, porque, confinados em uma pequena área onde não têm condições de reproduzir a sua cultura nem de viver segundo as suas tradições, com um manejo dos recursos naturais, de crescimento econômico típico da cultura indígena, essa comunidade se vê compelida a estabelecer relações com o mundo dos brancos, no qual somente consegue as coisas por meio do comércio, e não mais a partir da coleta tradicional, tal como praticada pela maioria das comunidades indígenas até hoje.

As comunidades indígenas, pelo preconceito a que estão submetidas, são levadas a ter sua auto-imagem defasada, com uma considerável baixa de auto-estima, bem como uma série de outros problemas que se verificam justamente em função da relação com os brancos, que tratam os índios como se fossem inferiores cultural e socialmente.

Além do mais, tais comunidades são vítimas, também, de um processo de contaminação, pela utilização de agrotóxicos, de suas áreas agricultáveis. Todos sabemos que a utilização indiscriminada de determinadas espécies de venenos pode ocasionar uma série de problemas, dentre os quais, exatamente, a depressão, que pode estar contribuindo para o assassinato em massa dessas comunidades.

É claro que o fenômeno cultural, do ponto de vista das ansiedades geradas a partir da alienação que existe entre duas culturas diferentes, pode levar a um processo semelhante. No entanto, as duas causas precisam ser investigadas. Tanto a que tem uma base real, concreta, qual seja, a de que pode estar ocorrendo um envenenamento a partir de contaminação por mercúrio ou por agrotóxicos, que levam a esse tipo de problema depressivo, contribuindo para o suicídio, como pode estar ocorrendo apenas uma crise decorrente da diferenciação cultural, da falta de auto-estima por parte das comunidades, que são, de certa forma, tratadas com muito preconceito.

O que mais nos deixa estarrecidos, Sr. Presidente, é exatamente o fato de serem os jovens as maiores vítimas desses suicídios - jovens entre 15 e 22 anos. E, exatamente, pelo fato de serem pessoas que já não contam mais com nenhum tipo de apoio, de não terem oportunidade no mundo dos brancos, de não terem qualquer tipo de referência, é que tentam o suicídio, preferindo a morte a viver em permanente situação de preconceito, de falta de oportunidade, até mesmo em função de não perceberem que haja qualquer possibilidade de serem tratados com respeito enquanto cultura e etnia diferentes - ao que, aliás, têm todo o direito.

Por essas razões é que se faz fundamental a ação imediata da Funai, do Ministério da Justiça, da Fundação Nacional de Saúde, no sentido de verificar o que ali está ocorrendo, até porque esse fenômeno, que é mais do que antigo, ainda está ocorrendo.

Nesse sentido, Sr. Presidente, para concluir, disponho-me, juntamente com outros Srs. Senadores da Comissão de Assuntos Sociais que desejam visitar aquela área, a fazer gestões junto às lideranças locais, aos representantes, através de suas assessorias ou de alguma articulação indígena, como o Cimi, para tentar achar alternativas com relação a essa problemática. O que não podemos admitir é que a comunidade continue a praticar o suicídio e nós fiquemos aqui a tratar desse fenômeno como se ele fosse “normal” - e coloco a palavra entre aspas, porque se trata de uma anomalia perversa. Como se não bastasse, nossa cultura branca expropriou os índios e diminuiu a quantidade de pessoas que existiam no País na época do descobrimento. De 5 milhões de índios, hoje existem apenas 250 mil. Várias línguas eram faladas, hoje apenas algumas, se comparado à quantidade que havia anteriormente. Uma população antes saudável hoje vive os problemas da saúde e do desamparo porque não tem condições de se relacionar em um mundo cujos valores são os de mercado, da troca, e em relação às práticas tradicionais que possuíam na ocupação de seus territórios, no manuseio dos recursos naturais.

Da minha parte, Srª Presidente, a solidariedade é completa. Gostaria muito que o Congresso Nacional pudesse ajudar essa comunidade a buscar respostas, tanto do ponto de vista prático - demarcação e desocupação de suas áreas - quanto do ponto de vista da investigação, a fim de conhecermos o que está levando essas pessoas ao suicídio, além do fenômeno depressivo que pode ocorrer a partir de uma situação de completo alheamento a que são submetidos por parte da população branca. A investigação se faz necessária porque há suspeita de um processo de envenenamento, de contaminação, seja por algum tipo de pesticida, seja pela utilização de substâncias, como é o caso do mercúrio no processo de garimpagem.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/09/1999 - Página 24827