Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS 164 ANOS DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA E 150 ANOS DA MORTE DE ANITA GARIBALDI.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DOS 164 ANOS DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA E 150 ANOS DA MORTE DE ANITA GARIBALDI.
Aparteantes
Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 24/09/1999 - Página 25076
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, REVOLUÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, ANITA GARIBALDI (SC), VULTO HISTORICO, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, REVOLUÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os parlamentares que me antecederam falaram sobre aspectos importantes relativos a seus respectivos Estados, algo que, sem dúvida, é de interesse do Brasil. Os Estados da Federação são individualmente representados nesta Casa, mas entendemos que é da responsabilidade de todos os assuntos e as preocupações aqui manifestadas. Portanto, antes de dar início ao meu pronunciamento, quero solidarizar-me com o Senador Ney Suassuna - inclusive fizemos uma permuta, dada a urgência do assunto que S. Exª aqui abordava.  

Trazemos aqui um tema bastante mais ameno do que aquele trazido pelo Senador Ney Suassuna, mas que é de grande significado para a nossa gente, para o nosso povo, principalmente porque o Rio Grande do Sul vive, neste mês de setembro, um dos eventos mais significativos para os gaúchos e as gaúchas. Quero registrar aqui o espírito que moveu o povo gaúcho durante todo este mês de setembro, quando lembramos e comemoramos a passagem de mais um 20 de setembro, data máxima para o Estado do Rio Grande do Sul - 164 anos da Revolução Farroupilha.  

Reverenciamos a Revolução Farroupilha - marco da história e da formação da sociedade rio-grandense -, que começou em 20 de setembro de 1835, durou aproximadamente dez anos e mobilizou cerca de 20 mil homens e mulheres. A data, inclusive, foi transformada em feriado estadual, por decisão da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, amparada em lei federal aprovada no Congresso Nacional em 1996.  

Neste pronunciamento, inicialmente, gostaria de trazer à lembrança a contribuição das mulheres para a Revolução Farroupilha. Sua presença foi de grande importância, seja nas frentes de batalha ou na administração dos lares, dos negócios, das estâncias ou mesmo das localidades, e essa importante contribuição pode ser sintetizada na lendária e guerreira figura de Anita Garibaldi.  

Embora não sendo gaúcha, Anita incorpora o referencial de bravura e amor a uma causa, sentimentos até hoje profundamente respeitados pelo povo gaúcho. Quero, portanto, ao enfatizar sua trajetória histórica, prestar-lhe uma homenagem pelo transcurso dos 150 anos de sua morte.  

Anita Garibaldi nasceu em Santa Catarina e foi batizada como Ana Maria de Jesus Ribeiro em 1821. A heroína dos Farrapos incorporou-se aos 18 anos na Revolução Farroupilha, participando, de armas na mão, de importantes batalhas, prisões, ataques e fugas espetaculares, entremeadas pela graça de ser mãe, pelo amor de companheira, pela dedicação de enfermeira e pela coragem de mulher.  

Um dos mais expressivos momentos de bravura, com certeza, foi o combate de Laguna, em 1839, quando os farrapos foram atacados e ela assumiu o comando das baterias do navio Rio Pardo, fazendo pontaria de canhão e, depois, atravessando a área de combate, em um bote, por diversas vezes, para transportar munição e feridos.  

Movida pela coragem e pela convicção política, ao lado do marido - Giuseppe Garibaldi, com quem teve quatro filhos -, Anita deixou sua marca na história gaúcha e brasileira, transformando-se em uma das personagens mais apaixonantes da nossa história.  

Mas não apenas no Rio Grande do Sul sua figura é lembrada, pois também combateu na Itália, depois de passar pelo Uruguai, com o fim da Guerra dos Farrapos.  

Na Itália, a partir de 1848, Anita, entre as atribuições de mãe e esposa, reassume o papel de guerreira e soma-se à luta do povo italiano pela independência e unificação daquele país, ao lado do marido Garibaldi.  

Grávida de cinco meses, Anita morreu em 4 de agosto de 1849, em Roma, com apenas 28 anos, na condição de soldado das tropas de Giuseppe Garibaldi, para quem ela era "a dona de sua alma".  

Srªs e Srs. Senadores, trago à lembrança a figura de Anita Garibaldi - heroína na paixão, na família e na guerra - não apenas pela condição de mulher, mãe, esposa e de guerreira, algo que, sem dúvida, deu uma condição de extrema grandeza e humanidade à luta de um povo em defesa dos seus legítimos direitos, mas, acima de tudo, relembro a figura de Anita Garibaldi para acentuar que causas nobres - como a Revolução Farroupilha - extrapolam questões de gênero, regiões, fronteiras e países, afirmando um perfil particular de homens e mulheres. Em sua essência e ensinamentos, essas causas permanecem atuais, com a mesma capacidade de mobilizar os cidadãos frente a situações que já pareciam superadas.  

Nós, gaúchos e gaúchas, somos um povo com extrema fidelidade aos nossos valores regionais, mas que, antes de mais nada, temos uma grande consciência de nacionalidade. Cada milímetro da nossa fronteira foi defendido no passado para construir um sentimento de soberania nacional, que nos orgulha e mobiliza em defesa da Pátria.  

Ter orgulho de ser rio-grandense, defender o nosso Estado com veemência, valorizar nossa gente e divulgar nossa cultura é o nosso jeito de expressar o profundo compromisso que temos com o Brasil e com o conjunto do nosso povo.  

Ao longo da nossa história, estimulados pelo mesmo espírito farrapo e com a integração de diversas raças, construímos um Estado moderno, desenvolvido, que soube combinar as variadas formas de produção e que tem hoje invejável cultura nos campos industrial e agropecuário - setores hoje profundamente penalizados pelas políticas econômicas de juros altos e de abertura indiscriminada às importações.  

Por outro lado, apostamos na educação, inscrevendo na Constituição do Rio Grande do Sul a obrigatoriedade de aplicação de 35% do orçamento no setor, quando a própria Constituição Federal estabelece 25%, traduzindo, dessa forma, o correto e profundo compromisso com a promoção do ser humano, base do verdadeiro desenvolvimento. E, com certeza, demos uma grande contribuição ao processo de fortalecimento da democracia no País, afirmando um amplo espaço de participação política e de cidadania.  

Hoje, quando voltamos os olhos para o passado, para um caminho percorrido, para sentir de perto o exemplo transmitido, deparamo-nos com um tal número de pessoas que cultuam as tradições, que é forçoso reconhecer: o Rio Grande do Sul criou um espaço, marcou um tempo e reafirmou outro que possibilita que, de geração em geração, nosso orgulho e nossos sentimentos de amor e compromisso com a nossa terra e o Brasil se redobrem.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB - MS) - Permite-me V. Exª um aparte?  

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS) - Ouço V. Exª com muito prazer.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB - MS) - Quero estender à mulher gaúcha as homenagens que V. Exª está fazendo a Anita Garibaldi. Uma parte do nosso Estado do Mato Grosso do Sul foi povoado inicialmente pelos gaúchos, que de lá vinham pelos mais variados motivos. Naquele tempo, existiam muitas revoluções no Brasil; muita gente vinha por causa dos efeitos da revolução. E é do conhecimento geral o valor das mulheres gaúchas, que, vindo em carros de boi, em carretas, chegavam ao nosso Estado e criavam seus filhos. A família gaúcha está dando uma contribuição enorme ao desenvolvimento da agricultura brasileira. Em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, levas enormes de gaúchos estão aumentando as fronteiras agrícolas do nosso País. O Mato Grosso, hoje, povoado na parte agrícola por gaúchos, está desenvolvendo uma tecnologia na agricultura, fazendo com que o arroz de sequeiro concorra com o arroz irrigado do Rio Grande do Sul. Um dia desses, vi um gaúcho do Rio Grande do Sul dizendo que os gaúchos do Mato Grosso iriam acabar com a lavoura irrigada, porque estavam tendo um desenvolvimento enorme. Felicito, portanto, V. Exª pela homenagem que está prestando à mulher gaúcha.  

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS) - Senador Lúdio Coelho, agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu pronunciamento com muita satisfação, exatamente porque temos consciência - e humildemente recolhemos os depoimentos que são dados - de que os gaúchos contribuíram no povoamento, na colonização, na produção, na riqueza e no desenvolvimento das mais diferentes regiões deste nosso País. Temos um espírito desbravador, um espírito revolucionário, que ao mesmo tempo em que ama a sua terra e a sua gente entende o valor e a grandeza do nosso País.  

É isso que temos tentado reafirmar de geração em geração, para que os nossos filhos e netos tenham consciência de que a garra, a resistência e o sangue derramado por aqueles que nos antecederam, nas nossas coxilhas do Rio Grande do Sul, nos momentos de embate, de batalhas, como foi a Revolução Farroupilha, que durou dez anos, foram muito importantes. O Rio Grande do Sul, levantando a sua voz contra a punição que o governo central dava aos produtores - em conseqüência, ao povo gaúcho, aos homens, às mulheres -, mostrou que um país e um Estado se faz forte, aguerrido, como é cantado inclusive em prosa e verso, na medida em que reconhece o seu valor e compartilha os seus conhecimentos e a sua forma de trabalho com os seus irmãos, fortalecendo, acima de tudo, a visão de um País gigante, que é o que temos. Muito obrigada, Senador Lúdio Coelho.  

A partir de 1947 e 1948, iniciou-se no Rio Grande do Sul um movimento muito forte para resgatar esse sentimento. Surge, pois, o tradicionalismo rio-grandense como um movimento organizado que se afirma a cada ano como uma forma de resistência à massificação e à vulgarização da cultura e se projeta na aquisição das características de significação do termo "movimento", que envolve a direção, o sentido, a velocidade e a aceleração.  

De outra parte, sinto-me motivada também para rememorar a participação decisiva da mulher no Tradicionalismo organizado, ao qual deu uma nova visão, uma nova cara e um novo reforço, e que neste ano de 1999 completa 50 anos. O movimento tradicionalista começa em 1947, 1948, mas somente dois anos depois as mulheres são admitidas, com luta e persistência, nas rodas de chimarrão. A partir daí, a mulher passa a participar ativamente e cada vez com maior força do referido movimento. E isso já faz 50 anos.

 

Mais uma vez, de uma maneira muito característica, o povo gaúcho, numa congregação de unidade, nesta Semana Farroupilha, cujo ponto culminante aconteceu no dia 20 de setembro, em todo o Estado do Rio Grande do Sul, com grandes desfiles gaúchos, deu uma demonstração cívica e patriótica.  

Nossa gente, entrelaçada pela história, pela dança típica, pelo chimarrão, que simboliza igualdade e amizade; pela música; pela poesia, que conta em prosa e verso o que a natureza nos deu - "onde tudo que se planta colhe, e o que mais floresce é o amor" -, nos galpões, nas ruas, nas praças e nos campos de nosso Estado e, por que não dizer, em todo o Brasil, reverencia a nossa origem farrapa.  

A Semana Farroupilha - 1999 apresentou o tema "Liberdade, Igualdade e Humanidade" como ponto de partida para fomentar a reflexão do povo gaúcho.  

Tradição é um estado de alma. O tradicionalista consciente é aquele ou aquela que faz das virtudes herdadas dos seus ancestrais o seu ponto de honra. A hospitalidade gaúcha, tão cantada e decantada, o valor da palavra empenhada, a paixão pela liberdade, a sinceridade de propósitos, o devotamento pela dignidade pessoal, o amor à Pátria, tudo isso pertence ao ideário tradicionalista, ao seu código de honra.  

Srªs e Srs. Senadores, é nesse sentido, com essa inspiração e com o que herdamos dos nossos antepassados, que reagimos de forma veemente contra qualquer forma de ataque ao Pacto Federativo, à convivência democrática e eqüitativa entre os Estados, que conformou a construção de um País tão heterogêneo como o nosso.  

Independente de circunstancias conjunturais, sejam políticas, econômicas ou mesmo ideológicas, é fundamental que essa relação entre os Estados, e destes com a União, e vice-versa, que define a unidade nacional, seja preservada, valorizada e respeitada.  

Alvo da cobiça internacional, o Brasil tem nesta união na diversidade a sua maior força para construir uma Nação desenvolvida, soberana e justa para seus filhos.  

Para concluir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sendo exatamente cumpridora das exigências e dos apelos feitos por esta Presidência, gostaríamos de saudar todos os gaúchos e gaúchas, inclusive aos que, espalhados pelo Brasil e pelo mundo, levam a cultura rio-grandense para os mais longínquos rincões, lembrando o pago distante, a querência querida, estendendo os laços de fraternidade, de solidariedade e de compromisso com o futuro deste País e da Humanidade.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/09/1999 - Página 25076