Discurso no Senado Federal

ASPECTO ESTRATEGICO DA OCUPAÇÃO RACIONAL DA AMAZONIA.

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • ASPECTO ESTRATEGICO DA OCUPAÇÃO RACIONAL DA AMAZONIA.
Publicação
Publicação no DSF de 22/09/1999 - Página 24831
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, POSSIBILIDADE, OCORRENCIA, INTERVENÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, REGIÃO AMAZONICA, VIOLAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, NECESSIDADE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, INVESTIMENTO, OCUPAÇÃO, TERRITORIO, REGIÃO AMAZONICA, INCENTIVO, PRODUÇÃO, BUSCA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, GARANTIA, SOBERANIA NACIONAL.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão da internacionalização da Amazônia, ou do enfraquecimento, ou até perda da soberania nacional sobre essa imensa área não conhecida e não adequadamente ocupada do território brasileiro, tem sido tema de contínuos pronunciamentos nesta tribuna e de sérias advertências em setores ligados à segurança do Estado brasileiro.

Não sem razão, Sr. Presidente.

Desejo, no entanto, abordar a questão sob outro aspecto, que não o da ameaça de um eventual conflito regionalizado em função das guerrilhas fronteiriças nos territórios vizinhos, da ameaça do narcotráfico ou de outros fatores de ordem militar ou de segurança.

Também não quero abordar a questão, do ponto de vista dos interesses de diversas origens, quer sejam decorrentes da cobiça mundial sobre as riquezas desta parte do Brasil, quer o sejam de campanhas promovidas por ambientalistas preocupados com a preservação ambiental do Planeta, com base em teorias de discutível fundamentação científica, como a da Amazônia, por si e isoladamente, considerada pulmão do mundo!

É evidente, Sr. Presidente, que essas ameaças existem e pairam no ar. A infiltração de movimentos de guerrilha diante da instabilidade crescente que ocorre nos países vizinhos, a transformação da Amazônia em rota internacional dos narcotraficantes, as pressões em torno da intocabilidade da Amazônia, em contraste com os interesses de grupos internacionais pela exploração e até pela rapinagem de seus recursos naturais, podem criar, sem qualquer dúvida, o ambiente propício ao agravamento das referidas ameaças e à sua efetivação.

Além dessas ameaças, também a questão indígena merece especial cuidado. A Comunidade nacional e a Constituição brasileira, reconhecem os indígenas como nações de etnia e culturas próprias, que devem ser promovidas - prefiro a palavra promovidas a preservadas, Sr. Presidente, e integradas na comunidade nacional.

No entanto, existe toda uma legislação e uma prática que confundem preservação - e por isto prefiro promoção, com isolamento, transformando os territórios indígenas em guetos, ou enclaves, ao invés de promovê-los como parcela específica da comunhão nacional, e tornando-os dessa forma, em objeto de fácil uso por interesses de toda ordem, contrários aos interesses nacionais e a seus próprios interesses.

Retornarei oportunamente a esta questão, Sr. Presidente. Mas refiro-me a ela, agora, no contexto da internacionalização e da perda da soberania da Amazônia, objeto deste pronunciamento, em sintonia e complementação a pronunciamentos de tantos colegas Senadores, como Amazonino Mendes, Bernardo Cabral, Jáder Barbalho, Ramez Tebet e outras vozes autorizadas.

É evidente que, as condições em que é tratada a questão indígena, o fato de cerca de três mil quilômetros de fronteira se constituírem em território de nações indígenas, com graves restrições ao controle sobre eles e, por isto, segregados da comunhão nacional, constitui motivo de preocupação, sob o aspecto da segurança.

No entanto, tais questões, em função de sua gravidade, não podem se esgotar em mera denúncia. Essas questões devem gerar propostas para a Agenda positiva necessária para o país, Agenda pela qual tenho me batido, nesta tribuna, fazendo coro aos reclamos da Nação e de outros nobres Senadores.

Nesta perspectiva, preocupa-me outro processo que considero tão grave, ou mais grave ainda do que as ameaças referidas, processo que poderá levar o Brasil à perda desse seu imenso território, em função dos interesses internacionais, refletidos em uma nova ordem jurídica que se esboça, de autonomias reduzidas, evidentemente para os Estados mais fracos.

Este processo deverá ter como fundamentação a incapacidade que tem tido o país de ocupar produtiva e sustentavelmente a Amazônia, incapacidade que, se tem sido histórica, está se tornando tanto mais grave hoje, em função da insensibilidade de grande parte do país, de suas elites, de sua tecnoburocracia e de seus centros mais avançados, de tomar consciência da importância da Amazônia e das condições que ela possui de gerar uma saída para a crise brasileira e, ao mesmo tempo se transformar no instrumento capaz de permitir ao país ingressar na era da globalização utilizando como âncora - permitam-me o uso da expressão gasta e desgastada - com seus imensos recursos, esses sim, de dimensão e interesse planetário: os mais de 200 milhões de hectares agricultáveis, os 30% da biodiversidade do planeta, os 20% de seus recursos hídricos, suas imensas reservas de minérios nobres e tantas outras potencialidades.

Enquanto mendigamos no exterior recursos de toda ordem, enquanto importamos matérias primas, alimentos, manufaturados, nada ou quase nada investimos para transformar em riqueza esses imensos recursos de que dispomos e de que o mundo precisa, Sr. Presidente, em sua imensa carência de alimentos, de água, de recursos genéticos e de matérias primas de toda ordem. Dessas necessidades prementes do mundo poderíamos ser fornecedores abundantes - como os árabes foram do petróleo, se tomássemos conhecimento do que possuímos e definíssemos um projeto nacional a partir desses recursos.

No entanto, desprezando esses recursos, nos tornamos presa e vítima da falsa economia globalizada, da qual estamos participando apenas nos seus aspectos nocivos.

Não é aceitável, Sr. Presidente, argumentar que o país não dispõe de recursos para esta tarefa. Não é aceitável, Sr. Presidente, que um Estado que é capaz de sustentar o peso de saldar compromissos externos da ordem de 70 bilhões de dólares anuais ou de gerar recursos abundantes para salvar instituições financeiras e beneficiar outros setores de atividade econômica, com bilhões de dólares não seja capaz de gerar os recursos necessários para tomar conta de suas próprias potencialidades e, através delas, gerar sua própria riqueza.

É um erro de perspectiva, Sr. Presidente, nobres Senadores, é um erro estratégico que está cegando o país, a não ocupação produtiva e sustentável da Amazônia, como aliás de todo o Centro-Norte do País - o Brasil além do Tratado de Tordesilhas. Este é um erro histórico, pelo qual as elites atuais terão de responder às gerações futuras.

Pois, Sr. Presidente, é nesta inconsciência e neste erro de perspectiva, que se encontra a grande ameaça, que pesa sobre a soberania da Amazônia, ameaça maior creio eu, do que a que decorre das denúncias anteriormente referidas, de internacionalização da Amazônia, que aliás, já por si, não são pequenas.

Sabe V. Exª da evolução do direito internacional, que caminha pari passu com os interesses globais, e como, em conseqüência, pode, essa evolução, entender-se à questão amazônica.

Nesta perspectiva, e porque os recursos amazônicos são de dimensão planetária e, portanto, de interesse global, parece inevitável que amanhã os fóruns internacionais comecem a questionar o direito do Brasil de manter a soberania sobre recursos planetários, que não é capaz de sustentar e de utilizar em resposta às carências, e às demandas da humanidade, mesmo que às vezes as demandas escondam mera cobiça dos que concentram a riqueza do mundo.

De nossa parte, cabe-nos perguntar, além do direito, se há de ser ético manter intocáveis os recursos que a população humana vai demandar em volume cada vez maior, nas próximas décadas.

Hoje são seis bilhões de seres humanos, dos quais cerca de três bilhões não como ter satisfeitas suas à necessidades básicas.

Até que, provavelmente a população se estabilize em trono de nove bilhões, segundo o admitem os estudos especializados, serão mais três bilhões de seres humanos que vão engrossar os índices dos subalimentados, dos carentes, dos excluídos.

O Brasil, com os recursos de que dispõe, poderia ter voz ativa, na mudança desta perspectiva, se levasse a sério a questão amazônica.

Mas para isto, o país precisa em primeiro lugar tomar consciência de que a Amazônia existe e inserir sua ocupação produtiva e sustentável na Agenda prioritária, na Agenda positiva, da construção nacional, proposta e debate muito mais útil e necessário do que pisar, repisar e fomentar as crises, como vem ocorrendo.

Em uma de suas parábolas, Jesus Cristo se referiu ao patrão que distribuiu talentos diversos a seus servos e mandou que os multiplicassem, que os fizessem render.

Retornando tempos depois, chamou-os a prestar contas. Um fizera render seus talentos 100%. Outro, 50%. Outro, 30 e assim por diante.

O último deles, com medo de perder o talento que recebera, ao invés de fazê-lo produzir, o tinha enterrado onde o julgara seguro.

O patrão mandou que fosse tirado dele o talento improdutivo, e fosse entregue àquele que mais fizera render o talento que tinha recebido.

Temo, Sr. Presidente, nobres Senadores, que recaia sobre o Brasil a sentença do patrão da parábola do Evangelho, se continuarmos a desconhecer a Amazônia, e se não a fizermos produzir 100%, em benefício do próprio Brasil e do mundo. Este é o alerta que me pareceu necessário trazer a esta Casa, porque nesse processo, vejo a maior ameaça de internacionalização da Amazônia.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/09/1999 - Página 24831