Discurso durante a 125ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

SITUAÇÃO DE PENURIA DAS FAMILIAS DO ARQUIPELAGO DO MARAJO, NA REGIÃO AMAZONICA.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • SITUAÇÃO DE PENURIA DAS FAMILIAS DO ARQUIPELAGO DO MARAJO, NA REGIÃO AMAZONICA.
Publicação
Publicação no DSF de 23/09/1999 - Página 24943
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MISERIA, ILHA DE MARAJO, ESTADO DO PARA (PA), REGISTRO, INFERIORIDADE, INDICE, DESENVOLVIMENTO, RELATORIO, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD).
  • REGISTRO, DOCUMENTO, BISPO, ILHA DE MARAJO, ESTADO DO PARA (PA), DENUNCIA, POBREZA, FAMILIA, REGIÃO, EXCESSO, CONCENTRAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, ANALFABETISMO, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE, PROPOSTA, COMBATE, MISERIA.
  • ANALISE, LIBERALISMO, ECONOMIA, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL.
  • COMENTARIO, DEPOIMENTO, AUTORIDADE, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO MISTA, ERRADICAÇÃO, POBREZA, DEFESA, REFORMA AGRARIA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, BISPO, ILHA DE MARAJO, REGISTRO, ENCAMINHAMENTO, COMISSÃO MISTA, ERRADICAÇÃO, POBREZA.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já apontou um pesquisador uma perversa coincidência que ocorre no Brasil. À medida que se deixa o Sul do País em direção aos Estados do Norte, os valores do Índice de Desenvolvimento Humano, o famoso e tão comentado IDH, vão decrescendo, exibindo regiões e municípios cada vez mais pobres e deixando entrever populações cada vez mais carentes, com baixíssima qualidade de vida. Se quisermos atingir o limite mais baixo dessa medição, vamos apontar numa vasta região insular do estuário amazônico, tão bela quanto pobre, a região do arquipélago do Marajó e suas adjacências. Que não se fale de exclusão social, no Brasil, se se quiser guardar fidelidade às afirmações verídicas, sem incluir nesse pungente mapa o povo de Marajó.  

Municípios estão situados abaixo da linha demarcatória de pobreza, muito abaixo, inclusive, da média do próprio Estado do Pará, que, numa escala de zero a um, atingiu, em 1991, o IDH de 0,657, enquanto a média nacional se situava em 0,781. O Município de Anajás ficou com o baixíssimo valor de 0,379. Usando outra escala de comparação e tomando como universo os 4.492 municípios pesquisados, vamos encontrar o Município de Melgaço situado entre os cinco últimos; ou seja, ele é o quinto pior município, em qualidade de vida, do nosso País.  

Com essa qualidade de vida tão insuportavelmente rebaixada, vivem mais de 320 mil marajoaras. Com uma economia estagnada, sem qualquer sinal de dinamismo e à margem de todo processo de modernização, Marajó tem 90% da população em situação de pobreza, com muitas famílias vivendo em situação de miséria absoluta. Em certas épocas do ano, famílias inteiras ficam sem ter o que comer, vítimas da seca que assola a parte leste da região ou vítimas das enchentes que inundam a parte oeste.  

Convivendo com essa gente assim desassistida, tão desamparada de qualquer ação governamental, tão distanciada dos meios básicos de consumo, tão excluída dos benefícios de uma vida digna, os bispos do Marajó não conseguiram mais conter o grito que lhes ia n’alma. Não é um grito de guerra, como eles próprios advertem. É para ser escutado com espírito de paz e reconciliação. É para ser ouvido como "a voz dos que não mais conseguem clamar para exigir melhores condições de vida para as suas famílias".  

O pronunciamento dos bispos da Prelazia do Marajó e da Diocese de Ponta de Pedras sobre a situação econômica e social da região é um documento para ser divulgado por todos os nossos rincões! Não pode ser ignorado por nenhuma pessoa que tenha o Marajó no coração e na mente. Não pode ser desconhecido por nenhuma autoridade local, regional ou nacional, nem muito menos pode tal documento ser ignorado pelos homens públicos aos quais cabe a iniciativa da ação política e das medidas governamentais. O que vai nele escrito cala fundo na alma de qualquer pessoa de boa vontade.  

Conheço muito bem esse quadro de penúria instalado no Marajó, Sr. Presidente! Como V. Exª e muitos Senadores também o conhecem, porque a pobreza no Brasil não está circunscrita a uma única região ou microrregião. Não a temos apenas na região do Marajó, ou apenas no Pará, ou apenas na região Norte. Infelizmente, o perverso cenário de pobreza, de fome, de falta de emprego, parece que mais espaço vai abocanhando e dominando na sanha enfurecida da vaga neoliberalizante.  

O quadro não poderia ser diferente, contudo, se a marcha da economia mundial caminha na direção de uma concentração de renda crescente, de tal forma que os poucos que têm muito continuam a ter muito, aliás, a ter cada vez mais – como indicam os números sobre a concentração da renda mundial –, e os que pouco têm vão ficando cada vez mais presos a seu pouco, sem perspectiva de aumentarem sua renda e de melhorarem sua qualidade de vida.  

Ainda recentemente, ouvimos nesta Casa, durante audiência pública promovida pela Comissão Mista que estuda medidas para erradicar a pobreza, especialistas do IPEA afirmarem que o Brasil é o país que apresenta as maiores desigualdades do mundo. Isso foi dito, inclusive, recentemente, pelo próprio Senador Antonio Carlos Magalhães, agora extremamente preocupado com a pobreza do nosso País. Mas o desconcertante é que o Brasil não é um país pobre! Sua renda per capita é superior à de 80% da população mundial. No entanto, a renda média dos 10% mais ricos é 27 vezes superior à renda média dos 40% mais pobres. E aqui são dados do IPEA, um instituto do Governo, do Ministério do Planejamento.  

Além do mais, há outro fator a ser considerado. A despeito de o Brasil ter conseguido altas taxas de crescimento em sucessivos governos, autoritários ou não, o problema da pobreza persistiu em todos eles, porque está enraizado na nossa péssima distribuição da renda. Não adianta os países alcançarem altos índices de desenvolvimento e crescerem economicamente se não logram minorar o sofrimento provocado pela pobreza e pela fome do seu povo! Crescer para favorecer os ricos é mais e mais concentrar a renda na mão dos mesmos e sempre poucos! Segundo o próprio Senador Antonio Carlos, o Brasil é a oitava potência econômica do mundo. Somos o oitavo Produto Interno Bruto do Planeta e, no entanto, estamos colocados em 72º lugar em relação à distribuição de renda.  

Ainda na audiência dos técnicos do IPEA nesta Casa, disse o Diretor de Política Sociais do Instituto, Ricardo Paes de Barros que a política estrutural de alto impacto para reduzir a pobreza é a reforma agrária, "absolutamente fundamental", em suas próprias palavras, "não pela redistribuição de renda, mas puramente por questão de eficiência". Ele parte da constatação de que, quanto maior a propriedade, tanto menor a produtividade por hectare.  

Vejam bem, Srªs e Srs. Senadores, quem está dizendo isso não é a esquerda "sem rumo", como foi chamada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, nem a ingenuidade dos "neobobos", o que disse quando alguns criticam seu Governo. É a voz de uma instituição séria, comprometida com a pesquisa que emprega metodologias de aferição apuradas e processos de investigação rigorosos. É um instituto que pertence ao Governo Fernando Henrique Cardoso e que diz exatamente o contrário do que ele propala.  

Voltando a situar-me no contexto marajoara, mas conservando o eco das palavras do IPEA sobre a necessidade de se implantar no País uma verdadeira reforma agrária, é forçoso reconhecer que a pobreza do povo marajoara seria minorada, se outra fosse a estrutura agrária da região. Também lá vamos encontrar os latifúndios vocacionados para a pecuária de regime extensivo, uma atividade econômica que sabidamente não se reproduz em favor do povo empobrecido.  

Os trabalhadores rurais da região, em geral, não têm acesso à terra, ou o tem apenas como posseiros. O grau de pobreza e de falta de conhecimento e educação em que vivem é tão elevado, que sequer se nota algum movimento dos trabalhadores em prol da reforma agrária. Agarram-se a um conformismo estéril e degradante, que é só o que lhes cabe nesse tenebroso quadro de carências de toda ordem.  

Claro que esse quadro tem tudo a ver com o aspecto educacional, que reproduz as piores características do processo educacional brasileiro: alta taxa de evasão e repetência nas primárias séries; baixa qualidade de ensino; falta de cursos profissionalizantes adequados à região. A soma de todos esses fatores maléficos fornece o resultado já esperado: altas taxas de analfabetismo e baixo grau de escolaridade. É doloroso dizer que um terço da população marajoara é analfabeta. Chega a dar vergonha a qualquer brasileiro saber que a sua mais pujante ilha flúvio-marítima tem mais de 100 mil pessoas submetidas ao opróbrio de não saber ler e escrever, nem fazer as mais elementares operações matemáticas.  

Não nos espanta que essa gente fique exposta às mais daninhas influências — dos que manipulam o povo simples em ações de criminosa devastação ambiental, como o desmatamento desenfreado, a exploração devastadora do açaí, a pesca predatória da piramutaba e do camarão.  

Ressalte-se, neste ponto, que a Constituição estadual vigente considera o arquipélago do Marajó como área de proteção ambiental do Pará, "devendo o Estado", segundo os termos constantes na própria Carta, "levar em consideração a vocação econômica da região, ao tomar decisões com vistas ao seu desenvolvimento e melhoria das condições de vida da gente marajoara".  

Pois bem, está muito bem definido pelo legislador o que deve ser feito pelo Estado: promover o desenvolvimento sustentável da região para melhorar as condições de vida da população marajoara. No documento dos bispos do Marajó, estão citadas as ações básicas que o Poder Público deve implementar no tocante a vários aspectos, como proteção ambiental, questão educacional, política de saúde, para chegarmos a atingir o objetivo fundamental da política de desenvolvimento da região marajoara, que é o combate à pobreza e o resgate das mínimas condições de dignidade do povo do Marajó.  

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner. Fazendo soar a campainha.) - Senador Ademir Andrade, esta Presidência interrompe o pronunciamento de V. Exª para prorrogar a sessão.  

Consulto o Plenário sobre a prorrogação da sessão por sete minutos, para que o orador conclua a sua oração. (Pausa)  

Não havendo objeção do Plenário, está prorrogada a sessão por sete minutos.  

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA) - Agradeço a V. Exª.  

Desta distante tribuna, mas próximo do sofrimento do povo do Marajó, cumprimento e parabenizo, em particular, os Bispos D. Ângelo Rivato, da Diocese de Ponta de Pedras, e D. Frei José Luís Azcona Hermoso, da Prelazia do Marajó, por terem tido ouvidos para ouvir o clamor silencioso e desesperado dos excluídos. E mais: por terem produzido um documento que dá ressonância e amplitude a esse clamor.  

Sabe o povo marajoara que também minha voz está a serviço de sua causa. Onde puder eu fazer dela um alerta, uma demanda, uma exigência, para aí levarei o clamor silencioso da sofrida gente marajoara, para que os ideais de justiça social se concretizem na nossa mais pujante ilha e suas adjacências!

 

Para finalizar, quero informar que já encaminhei à comissão mista que estuda medidas para erradicar a pobreza cópia do pronunciamento dos bispos da Ilha do Marajó, que retrata a situação econômica e social da região, sugerindo que a ilha de Marajó seja incluída no roteiro de diligências que membros da comissão farão nos próximos dias por vários rincões do nosso Brasil.  

Peço ainda, Sr. Presidente, que faça constar dos Anais do Senado Federal este documento tão precioso, elaborado por todos que participaram do encontro, sob o comando da Igreja Católica, na tão conhecida, propalada e bela Ilha do Marajó, na foz do Rio Amazonas, que, na realidade, tem um povo com as condições de vida que relatei. Muito obrigado.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ADEMIR ANDRADE EM SEU DISCURSO  

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seu © Á


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/09/1999 - Página 24943