Discurso durante a 130ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DISCUSSÃO SOBRE A FIXAÇÃO DO TETO SALARIAL DOS TRES PODERES.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • DISCUSSÃO SOBRE A FIXAÇÃO DO TETO SALARIAL DOS TRES PODERES.
Aparteantes
Freitas Neto, Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 30/09/1999 - Página 25715
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, DEBATE, SENADO, AUMENTO, LIMITAÇÃO, SALARIO, QUADRO DE PESSOAL, PODERES CONSTITUCIONAIS.
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, AUMENTO, PREÇO, COMBUSTIVEL, SERVIÇO, ENERGIA ELETRICA, AMPLIAÇÃO, ARRECADAÇÃO, TRIBUTOS, PREVIDENCIA SOCIAL, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, REAJUSTE, SALARIO, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • DEFESA, AUMENTO, SALARIO MINIMO, TRABALHADOR, BAIXA RENDA, CRITICA, TENTATIVA, AMPLIAÇÃO, LIMITAÇÃO, SALARIO, QUADRO DE PESSOAL, PODERES CONSTITUCIONAIS.
  • APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, PRESIDENTE, SENADO, CONVOCAÇÃO, SESSÃO, DISCUSSÃO, FISCALIZAÇÃO, VALOR, LIMITAÇÃO, SALARIO, QUADRO DE PESSOAL, PODERES CONSTITUCIONAIS.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago para debate nesta Casa um assunto que vem ocupando as páginas dos jornais e os espaços da mídia no rádio e na televisão nos últimos meses. Estou falando do problema que envolve a fixação do teto salarial dos três Poderes da República.  

É importante, neste momento, lembrarmos que há cinco anos a grande maioria do funcionalismo público federal não recebe aumento. Esse fato por si só já revela um arrocho salarial poucas vezes visto, pois, no período de janeiro de 1995 a agosto de 1999, a inflação registrada, segundo o INPC, calculada pela Fundação IBGE, foi de 50,88%.  

Como é possível a qualquer ser humano minimamente estruturado ver seu aluguel sendo reajustado, os preços nos supermercados subindo, a gasolina aumentando, a energia elétrica apresentando contas cada vez maiores, enfim, o custo de vida subindo para todos os brasileiros e, de forma impiedosa, para quem não tem o seu salário ao menos atualizado de acordo com a inflação do período e não ter o poder de alterar essa situação?  

Nos últimos anos, a arrecadação da Previdência vem aumentando substancialmente. A arrecadação federal também subiu significativamente. Mas, nesse período, nem os previdenciários, nem os funcionários da Receita Federal, que colaboram diretamente para a eficácia dessa alta, foram contemplados com qualquer reajuste, por menor que seja, num descompasso entre o que o Governo arrecada e uma justa, mesmo que modesta, recompensa a seus servidores.  

Ocorre o empobrecimento e o aviltamento da função pública federal. Cinco anos sem reajuste! Muitos servidores vêm desistindo e pedindo demissão, mas muitos fizeram carreira e já não têm mais idade para mudar de emprego, ainda mais diante da falta de oportunidades decorrentes do alto desemprego vigente.  

Desde 1996, os Presidentes dos Três Poderes têm-se reunido tentando, sem êxito, estabelecer um teto salarial para o funcionalismo ou para aqueles que estão, de alguma forma, trabalhando no Poder Público. Nesses últimos meses, os membros do Poder Judiciário passaram a pressionar o Presidente da República e os Presidentes do Senado e da Câmara, para que o chamado "teto constitucional" seja fixado em R$12.720,00. Para que isso aconteça, os juízes reunidos em Gramado, no Rio Grande do Sul, ameaçam entrar em greve e paralisar o Judiciário.  

Neste momento em que inúmeros estudos demonstram o agravamento e a persistência da pobreza e da desigualdade em nosso País, no ano em que aprovamos um reajuste pífio para o salário mínimo de apenas R$6,00, como podemos estar discutindo a fixação de um teto salarial de R$12.720,00, que corresponde a um aumento de 50% para os parlamentares e de 60%, em média, para os juízes?  

Temos também de lembrar que existem, de acordo com os dados apresentados à Comissão da Pobreza, mais de 40 milhões de brasileiros vivendo em estado de miséria, de pobreza absoluta. Segundo estudos apresentados à Comissão Mista que examina as causas da pobreza e as soluções para erradicá-la, o economista Rodolfo Hoffmann, da Universidade Estadual de Campinas e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, mostrou que, de acordo com os dados do PNAD de 1997, 28,4% da população brasileira – éramos cerca de 153 milhões -, portanto 44 milhões de pessoas aproximadamente, estavam vivendo com menos de meio salário mínimo por mês.  

Por outro lado, tenho plena consciência da responsabilidade que pesa sobre os membros da Magistratura. Suas decisões, assim como as nossas, muitas vezes envolvem altos montantes de recursos e podem produzir grandes transformações no País, inclusive, refletindo sobre transferências de recursos de algumas mãos para outras. Entretanto, nós, que temos o poder de fixarmos a nossa própria remuneração – é algo que somente a alguns a Constituição brasileira reserva –, também devemos ter a responsabilidade de defini-la levando em conta os princípios de eqüidade e de justiça social. Uma decisão errada acabará desencadeando uma enxurrada de aumentos que, em vez de corroborar para melhorar a distribuição da renda, poderá concentrá-la ainda mais.  

Gostaria de lembrar que, em 1994, quando o Presidente Itamar Franco concedeu um reajuste de 28% para as Forças Armadas, aqueles que detêm o poder de fixar os seus vencimentos, ou seja, os Ministros dos Tribunais e nós, Senadores e Deputados, aumentamos nossos salários na mesma proporção. Todavia, o resto do funcionalismo público do Poder Executivo, salvo algumas carreiras que tiveram seus Planos de Cargos e Salários aprovados - consoante diretriz do Ministério da Administração, que avaliava que havia injustiças flagrantes na Administração Pública com respeito ao que acontecia no setor público e no setor privado -, até hoje não conseguiu receber esse reajuste. Apesar de determinado pela Justiça - isso foi objeto de ação por parte de diversas categorias de funcionários públicos junto aos Tribunais Superiores -, o Governo, alegando falta de recursos, pretende pagar os 28% de reajuste em prestações vencíveis a cada seis meses.  

Quero deixar clara a minha posição. Advogo o estabelecimento, o mais rápido possível, de um teto para as remunerações pagas pelo serviço público, até para que venhamos a definir tetos que sejam válidos nacionalmente, inclusive para os Poderes Públicos estaduais e municipais, conforme está previsto na Constituição. Seria essa uma maneira de coibirmos os diversos abusos com que se deparam hoje os governadores e prefeitos que tentam definir tetos para todos aqueles que estão no serviço público.  

Sei das responsabilidades que envolvem as funções tanto de um magistrado quanto de um parlamentar, mas não posso concordar com os valores que estão sendo anunciados, nem com a forma como o processo está sendo conduzido.  

É necessário que, para tomarmos qualquer decisão, consideremos os seguintes fatores: a extensão desse aumento ou ajuste; o igual direito de todos os servidores também poderem receber esse aumento, sobretudo aqueles que não foram contemplados com ajustes efetivos, em decorrência de recentes avaliações com os novos Planos de Cargos e Salários recebidos; a evolução desse reajuste com respeito aos demais segmentos da sociedade - se, para o conjunto daqueles que recebem a remuneração mínima no Brasil, os que ganham o salário mínimo, o reajuste tem sido tão modesto, nós não podemos aqui criar uma situação de disparidade flagrante. E, em quarto lugar, os impactos desse reajuste sobre a inflação.  

Sabemos perfeitamente que a decisão tem que ser a mais responsável possível. Não poderíamos, a partir da decisão sobre a remuneração dos Parlamentares, dos membros do Congresso Nacional, dos Magistrados, do próprio Presidente da República, desencadear uma espiral inflacionária, uma corrida de preços e salários, o que não corresponde à vontade de qualquer brasileiro.  

Em virtude dessas razões, proponho que o Presidente do Senado, Senador Antonio Carlos Magalhães, convoque uma sessão, seja hoje, seja nos próximos dias, para que possamos discutir de forma clara, responsável e transparente o valor que deve ser fixado como teto das remunerações dos três Poderes da República.  

O Sr. Freitas Neto (PFL - PI) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com muita honra, Senador Freitas Neto, concedo um aparte a V. Exª.  

O Sr. Freitas Neto (PFL - PI) - Senador Eduardo Suplicy, a meu ver o problema do teto tem um erro de origem, que é exatamente a emenda que estabeleceu o texto colocado na Constituição. O teto deveria ser um limitador, mas, da maneira como está colocado, transformou-se em gancho. Isso ocorre porque, no momento em que se estabelecer um teto, haverá um aumento em cascata para diversas categorias de funcionários, públicos ou não, já que Ministros de Estado, Deputados e Senadores não são funcionários públicos. Então, a meu ver, esse dispositivo constitucional terá que ser modificado completamente. Hoje, se não me engano na coluna de Márcio Moreira Alves no jornal O Globo , ele faz um cálculo e exemplifica com o vencimento de um Parlamentar. Mesmo que o teto fosse fixado em R$12.720, se seguíssemos a determinação da Constituição, que proíbe qualquer tipo de vantagem ou acréscimo, e fossem descontadas, além dos descontos legais, as vantagens de passagem, auxílio moradia e telefone, na prática esse aumento não existiria. Assim, V. Exª pode verificar como a situação está mal colocada. O Parlamentar teria, teoricamente, um aumento de 50%, como cita V. Exª, mas, na prática, esse aumento não existiria em função das vantagens que teriam que ser deduzidas de acordo com a Constituição em vigor. A meu ver, para se chegar a uma medida que cumpra a sua finalidade, temos que mudar o dispositivo constitucional. Como está, ele é inaplicável exatamente por isso: o teto transformou-se em gancho. Então V. Exª verifica que diversas categorias querem a fixação do teto para obterem um aumento de salário, um aumento de remuneração. Congratulo-me também com V. Exª quanto à questão do funcionalismo público, que há quase cinco anos está sem aumentos - e isso em uma inflação medida oficialmente de mais de 50% -, o que vem realmente tirando o estímulo de todos aqueles que se dedicaram, que fizeram uma opção de vida ao fazerem um concurso e entrarem na carreira pública. Muito obrigado a V. Exª pelo aparte.  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço as palavras de V. Exª, Senador Freitas Neto.  

Ainda ontem, tive a oportunidade de almoçar com o jornalista Márcio Moreira Alves, que comentou algumas das reflexões que hoje seriam publicadas em sua coluna de O Globo. V. Exª tem razão ao afirmar que, se há imperfeição na definição do artigo referente ao teto da remuneração dos Três Poderes, devemos modificá-lo.  

Nós precisamos deixar muito claro para a opinião pública, para a população, o valor da remuneração dos Senadores, dos Deputados Federais e quais são as vantagens inerentes a esses cargos. Os Parlamentares têm direito a quatro viagens de ida e volta para os seus respectivos Estados, o correspondente a uma passagem de ida e volta semanal. Dessas quatro, uma vai até o Rio de Janeiro, e, normalmente, os Parlamentares usam isso, pelo que sei, com muita responsabilidade. A maior parte dos Parlamentares, se não todos, temos de viajar a outros Estados da Federação, além do nosso, normalmente a trabalho. É muito freqüente, por exemplo, a presença de Parlamentares de outros Estados em São Paulo, da mesma forma que, por vezes, visito outros Estados da Federação por motivo de trabalho. Além disso, temos direito a moradia em Brasília, aos serviços de telefone e aos funcionários que trabalham conosco em nossos gabinetes, dos quais, normalmente, exigimos muita responsabilidade.

 

É necessário que haja total transparência com relação ao que recebemos para a realização de nossas funções, como o uso do telefone, o direito de cotas com respeito aos serviços de correios e telégrafos e a remuneração, que, hoje, está em R$ 8 mil, definida desde janeiro de 1995.  

Os jornais Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo normalmente publicam uma tabela de remunerações de funções consideradas de alta responsabilidade na Grande São Paulo. Vejam V. Exªs a evolução dos vencimentos referentes a esses cargos. Entre janeiro de 1995 e o último dado publicado, 26 de setembro, houve a seguinte evolução de remuneração para cargos de diretores administrativos, financeiros e comerciais: os valores médios, naquela ocasião, eram de R$6.153,00, R$5.577,00 e R$5.919,00. Nessa oportunidade, a remuneração dos Parlamentares foi definida em R$8 mil, portanto, um pouco acima da média, quando o maior valor pago para essas funções variavam entre R$10.700 e R$11.519. Agora, a Folha publica apenas o valor médio, não os valores maiores, relativos aos respectivos cargos que citei - diretor administrativo, diretor financeiro e diretor comercial -, que estão tendo uma remuneração na Grande São Paulo, neste mês de setembro, da ordem de R$8.764, R$8.601 e R$8.768. Portanto, há uma variação da ordem de quase 50%.  

Vejam que esses valores são referentes a cargos definidos como de alta remuneração no mercado de trabalho nas empresas principalmente privadas, mas também em empresas públicas. Isso indica que tem havido uma evolução na remuneração de pessoas que tomam decisões de alta responsabilidade. Mas não significa que possamos simplesmente ajustar a nossa remuneração sem uma perspectiva de observar padrões de eqüidade, justiça e, sobretudo, os objetivos de tornarmos a sociedade brasileira muito mais justa, menos desigual e onde as responsabilidades sejam tomadas com um sentido ético muito grande.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT - AM) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não, Senador Jefferson Péres, com muita honra.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT - AM) - Senador Eduardo Suplicy, em primeiro lugar, meus parabéns pela coragem com que V. Exª aborda um tema que é tabu. Os Parlamentares não gostam de falar no assunto. Mas creio que nós podemos e devemos fazer isso, inclusive de público. Essa questão do teto já devia ter sido enfrentada há mais tempo. É algo desconfortável para nós, deixa-nos numa posição muito incômoda. Se for decretado o teto proposto, que é a remuneração dos Ministros do Supremo, e se a isso se seguir uma elevação do subsídio dos Parlamentares, vão jogar o Congresso contra a opinião pública. Creio que há enorme desinformação a respeito do quanto nós ganhamos. De um lado, há aqueles que pensam que parlamentar recebe uma fortuna, o que não é verdade, e, de outro lado, há aqueles que apresentam o contracheque com o subsídio mensal e escamoteiam os free benefits - que V. Exª enumerou e que não são poucos -, além das convocações extraordinárias e das ajudas de custo. Portanto, não é tanto como pensam lá fora nem tão pouco como dizem aqui dentro. Mas, de qualquer modo, creio que isso deve ser enfrentado, desde que haja transparência e desde que, Senador Eduardo Suplicy, não haja reajuste da nossa remuneração sem que haja reajuste para a massa de servidores públicos. Eu não me importo que pensem que, com isso, eu estou fazendo demagogia. Todos que me conhecem sabem que algo que eu não sou é demagogo. Nunca fui. Não tenho a menor vocação para tirar chapéu para agradar eleitores, corporações ou seja lá quem for. É uma questão de foro íntimo. Eu me sentiria extremamente incomodado, Senador Eduardo Suplicy, se nos concedessem um reajuste, seja a que título for, seja em nome do que for, sem que o funcionalismo público em geral recebesse reajuste no mesmo percentual. Seja qual for a solução, seja qual for o caminho que encontrem para resolver um problema - no momento, é um problema -, o importante, o fundamental, como V. Exª disse muito bem, é que haja transparência, que não se escamoteie nada da opinião pública. Se é para dar reajuste, que seja junto com todos. Se não for junto com todos, mesmo contra a minha opinião, que isso seja dito e colocado perante a sociedade. Parabéns pelo seu pronunciamento!  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço a V. Exª o aparte, Senador Jefferson Péres, que mostra o seu senso de responsabilidade e ética.  

Gostaria de completar o quadro de informações, Sr. Presidente. Se formos examinar a evolução daquela categoria de pessoas que, na grande São Paulo, estavam recebendo menos, por essa tabela da Bolsa de Salários e Remuneração, em janeiro de 1995, quando o salário mínimo era da ordem de R$70, no início do governo Fernando Henrique Cardoso, era de R$149 a média de remuneração do servente de obras. Em setembro de 1999, pelo publicado no último domingo, dia 26 de setembro, na Folha de S. Paulo , essa remuneração havia praticamente dobrado para R$321, estando o salário mínimo em R$136. É de se notar que, apesar disso, temos tido na grande São Paulo desemprego muito alto, taxas de desemprego que, segundo o IBGE, estão em torno de 8% e, segundo a Fundação Seade e Dieese, em torno de 19,7%.  

Certamente essas pessoas estão no limiar de pobreza e nós, na hora de definirmos a remuneração dos parlamentares, temos que levar em conta esse espectro, que é ainda de tanta desigualdade em nosso País, e procedermos na direção de assegurarmos a todos os brasileiros o direito de partilharem da riqueza da Nação, o direito de receberem o suficiente para a sua sobrevivência com dignidade.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/09/1999 - Página 25715