Discurso no Senado Federal

EMPENHO DAS AUTORIDADES E DA POPULAÇÃO ACREANA NO COMBATE AS PRATICAS ILEGAIS E AO NARCOTRAFICO NO ESTADO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), DROGA.:
  • EMPENHO DAS AUTORIDADES E DA POPULAÇÃO ACREANA NO COMBATE AS PRATICAS ILEGAIS E AO NARCOTRAFICO NO ESTADO.
Aparteantes
Heloísa Helena, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 29/09/1999 - Página 25665
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), DROGA.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, INICIATIVA, PESSOAS, DEFESA, POVO, ESTADO DO ACRE (AC), ESPECIFICAÇÃO, MOACIR GRECCHI, SACERDOTE, PROPOSIÇÃO, PROJETO, MELHORIA, MEIO AMBIENTE, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, EDITORIAL, IMPRENSA, RECONHECIMENTO, SOLIDARIEDADE, BRASIL, SITUAÇÃO, DIFICULDADE, ESTADO DO ACRE (AC).
  • DEFESA, NECESSIDADE, APURAÇÃO, DENUNCIA, IMPORTANCIA, EMPENHO, AUTORIDADE, POPULAÇÃO, ESTADO DO ACRE (AC), COMBATE, ATO ILICITO, TRAFICO, DROGA, CRIME ORGANIZADO.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), APURAÇÃO, RESPONSAVEL, PARTICIPANTE, ATO ILICITO, ESTADO DO ACRE (AC).

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, quero fazer um registro do que vem ocorrendo no meu pequeno grande Estado do Acre, referente ao processo que tem sido desencadeado, já há alguns anos, por parte de algumas pessoas, como é o caso da Drª. Salete Maia, do Dr. Gercino, Dr. Luiz Francisco, Dom Moacyr Grechi, enfim, por aqueles que, mesmo em períodos em que as instituições tinham dificuldade de funcionar, mesmo em períodos em que se sabia haver gestões no sentido de obstruir a ação da justiça, foram capazes de tomar como sua a causa do povo acreano, para que problemas, como a formação de grupos de extermínio, de grupos ligados ao narcotráfico, não caminhasse a passos livres dentro do Estado do Acre. Essa luta vem ocorrendo, mesmo sem a visibilidade nos grandes meios de comunicação já há muito tempo. E talvez seja por ela que hoje se tenha o resultado alcançado.  

Um outro aspecto é que, existindo um Estado onde há uma luta muito grande para que as instituições funcionem, de acordo com aquilo que a sociedade delas espera, os elementos de justiça passaram a ter resultados. Só que esses elementos, até por uma questão de justiça, são instituições que funcionam e que passaram a funcionar operando em outros cantos do Brasil, como, no caso, a CPI do Narcotráfico, a própria Corregedoria da Câmara dos Deputados e a ação do Ministério Público Federal.  

O Estado do Acre, a partir da ação de Governo, resolveu que precisa caminhar de acordo com a maioria do povo acreano. E o que é a maioria do povo acreano? É um povo ordeiro, trabalhador, cheio de dignidade, que teve a coragem de decidir ser brasileiro, pois éramos um pedaço da Bolívia que decidimos transformar em Brasil. Esse povo, formado por seringueiros nordestinos, por índios, caboclos ribeirinhos, por pessoas que vieram de outros cantos da região, dentro das mais diferentes funções, constitui a grande, a arrasadora maioria da população do Estado, que, mesmo sem apoio técnico, mesmo sem apoio financeiro, mesmo sem autonomia econômica, foi capaz de sobreviver e de ser um exemplo para o Brasil.  

O Acre, paradoxalmente, é um exemplo para o Brasil em dois sentidos: do que deve ser e do que não deve ser. O que não deve ser está muito claro nos meios de comunicação. É o narcotráfico, é o esquadrão da morte, é a certeza da impunidade, da malversação dos recursos públicos. O que deve ser é a coragem de mostrar para o País que lá num cantinho da Amazônia existem pessoas dignas, corretas e prontas a dar uma série de contribuições para o desenvolvimento de uma das regiões mais ricas e importantes do nosso País.  

Eu poderia aqui enumerar milhares delas, graças à criatividade do nosso povo. O próprio Dom Moacyr Grechi é um dos exemplos disso. Ele juntou justiça social e a justiça de que as instituições devem funcionar, quando foi capaz de propor um projeto inovador, no qual nenhum governo pensou, que foi o Projeto RECA, hoje sinônimo de eficiência, de defesa do meio ambiente, da qualidade de vida dos excluídos; um projeto que é modelo e que foi feito graças ao trabalho e ao empenho da igreja. Eu poderia citar várias outras iniciativas, mas vou ficar apenas com essa, em função do tempo de que disponho nesta tribuna.  

Faço esse registro porque há uma preocupação, inclusive por parte de alguns segmentos do meu Estado, de que, mostrando para a sociedade brasileira o lado do que não deve ser para o Brasil, as pessoas possam nos confundir como sendo todos ligados a esse tipo de prática.  

Quero fazer um registro importante: os meios de comunicação do nosso País, com algumas exceções, têm sido solidários ao Acre. Vi a Folha de S. Paulo colocar, pela Eliane Cantanhêde, em matérias no jornal e editoriais, o quanto o Acre, mesmo com todas as dificuldades, está sendo um exemplo para o Brasil.  

Porventura os problemas que ocorrem no Acre não ocorrem em São Paulo? Não ocorrem no Rio de Janeiro? Não ocorrem em outros Estados da região? É só pegarmos o que aconteceu na Câmara de Vereadores do Estado de São Paulo, que é um pequeno exemplo. É só tomarmos o caso dos bicheiros, que foi motivo de escândalo neste País. Portanto, o que ocorre no Acre ocorre em vários lugares deste País. O problema é que ali está acontecendo um processo cirúrgico do ponto de vista da moralidade, do funcionamento das instituições, no sentido de proporcionar aos cidadãos acreanos a oportunidade de produzir com decência e respeito. Que os trabalhadores, as donas de casa, as crianças não continuem reféns daqueles que pensam que estão acima da lei. Essa operação tem recebido apoio da imprensa.  

Creio que, na defesa do povo acreano, da nossa honra, de não sermos confundidos com aqueles que têm acinzentado a imagem do nosso Estado, temos que fazer isso de uma forma muito bem feita, para, nessa defesa, não corrermos o risco de estarmos sendo coniventes com nada do que vinha acontecendo ali.  

É como diz a frase bíblica: "Devemos separar o joio do trigo". E é em nome do trigo que aqui quero falar. Porque, como eu disse anteriormente, temos exemplos muito bons, inclusive estes, de não obstruir a ação da justiça, de não haver instituições coniventes com que hoje ficou público para o Brasil inteiro. Porque isso não começou há oito meses. Isso já vem ocorrendo há muitos anos no nosso Estado. A diferença é que não havia a possibilidade de a justiça funcionar.  

Sr. Presidente, não sou daquelas que sente prazer na desgraça dos outros. A Justiça deve funcionar da melhor forma possível, e quem cometeu erros deve pagar por eles. Mas mesmo pagando pelo erro, não sinto absolutamente nenhum prazer no que está acontecendo. Gostaria de que, no meu Estado, não houvesse esse tipo de pessoa que hoje está sendo denunciada para o País todo, provocando uma série de questionamentos do tipo: "Como isso aconteceu durante todos esse anos?" ou "Como esse povo conseguia sobreviver com todos esses problemas?" Não sinto prazer nessa situação. Gostaria que todos fossem homens e mulheres de bem.  

O Estado do Acre tem várias propostas para o seu desenvolvimento econômico e social e, num momento de paz, de tranqüilidade, funcionará adequadamente.  

Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, sabemos que hoje, por parte da população pobre, daqueles que acompanhavam estarrecidos o que acontecia, há um sinal de respeito por tudo o que vem sendo feito. As pessoas estão muito felizes. Há mais de oito meses, graças a Deus, não se encontram cadáveres pelas margens das estradas, não se ouve mais falar de corpos que amanheceram flutuando no rio ou nos igarapés e as pessoas passaram a perceber uma nova forma de tratar os problemas da segurança e da Justiça.  

O Brasil, que tem sido solidário com a causa da Justiça no Acre, precisa continuar sendo solidário, com apenas o cuidado de não generalizar, assim como não se pode generalizar o povo de Alagoas, representado pela minha querida Senadora Heloisa Helena, por ser um povo ordeiro.  

Não estou falando em "povo" no sentido demagógico da palavra. Não se trata apenas das pessoas simples, humildes, mas da maioria das pessoas, que são honestas e que têm um sentido ético e moral de respeito aos Direitos Humanos. Essas pessoas jamais podem ser vistas como "a mesma coisa".  

Aqueles que cometeram erros e praticaram crimes irão responder de acordo com a Justiça. Quando digo "de acordo com a Justiça", quero dizer com a Justiça funcionando com tudo o que é possível para que se tenha um processo de julgamento e condenação, dando o direito de defesa aos acusados. Isso é justiça! Os acusados devem ter a oportunidade de provar que são inocentes. Isso é fazer justiça! Mas todas as denúncias têm de ser apuradas.  

Fiquei muito feliz quando li hoje o artigo da Eliane Cantanhêde e percebi a solidariedade do Brasil com o povo do Acre, que, pequeno, com sérios problemas na área de segurança, no desenvolvimento econômico e social, consegue ser um exemplo de como fazer com que problemas que parecem infindáveis e inatingíveis tenham a possibilidade de ser resolvidos. Há também o artigo do João Domingos e várias matérias de jornais diversos – para não cometer nenhum tipo de injustiça.  

Faço, porém, uma ressalva, quase um pedido de socorro: por favor, tratemos o joio como joio e o trigo como trigo, que sejam bem separados, para que o pão da liberdade, da justiça, dos Direitos Humanos, da defesa da dignidade humana possa ser construído com esse novo trigo que começa a florescer nesse pequeno Estado da Federação, que decidiu ser brasileiro apesar de o Brasil, mesmo depois de ter ganhado uma revolução, ter tido dificuldade em reconhecê-lo como território brasileiro.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senadora Marina Silva, associo-me, com todo o respeito e consideração do povo acreano, ao pronunciamento de V. Exª. Ao chegar do Estado do Acre, nesse final de semana, tive exatamente a impressão de V. Exª, de que existe uma esperança muito bonita nos olhos das pessoas daquele Estado, pois se percebe um horizonte de paz. Todos os acreanos imaginam que poderemos viver em paz novamente no Acre. O crime organizado não vai mais comandar as leis do Estado, e o narcotráfico não vai mais agredir e violentar tantas famílias nos seus bairros pobres. Na condição de médico, antes de chegar ao Senado Federal, convivia diariamente com a população pobre daquele local e confesso que era muito traumático ouvir os depoimentos de mães cujos filhos haviam levado tudo da casa. Só restava a mãe e, às vezes, outra criança ou um pai, porque a droga que envolvera aquele jovem fez com que famílias se desagregassem. O Acre viveu essa realidade até recentemente. Ninguém o pode negar. Quem desconfiar deve perguntar às famílias acreanas sobre a violência da droga dentro dos bairros pobres das nossas cidades, especialmente de Rio Branco. Estamos vendo hoje um olhar de esperança no povo acreano, porque olha para o horizonte e vive em paz. Imagino se as crianças de hoje do Acre puderem ter a infância que tivemos, sair de casa e brincar no meio da rua, na calçada com a inocência plena, sem ter de viver a experiência recente e dramática da garota Jéssica, que, com sete anos de idade, foi levada por traficantes, violentada e assassinada. Não queremos esse Acre da violência. O Governo Jorge Viana tem o compromisso de reimplantar o estado de direito. O Governador Jorge Viana não induziu nenhuma instituição pública a tomar nenhuma decisão para perseguir quem quer que seja. Apenas, no papel de Governador, perguntou a todas as instituições públicas o que o Governo poderia fazer para restabelecer o estado de direito no nosso Acre. O Acre pode viver em paz e ter um futuro muito bonito, com justiça social e ordem institucional. Testemunhei, no ano passado, um médico que, tendo o seu carro batido no meio da rua, recebeu ameaças de um parente da pessoa que havia feito a colisão para que deixasse o Estado em 24 horas. E o médico, mesmo estando certo, teve de deixá-lo, um fruto da violência. Não vejo as pessoas que fazem posição contrária ao Governador Jorge Viana virem falar do alívio de poder respirar um pouco de liberdade, de paz institucional e de construção do estado de direito. Lamento profundamente que os setores contrários ao Governador Jorge Viana não venham dizer o quanto é importante não ver cabeças cortadas nas esquinas ou corpos flutuando, vítimas do esquadrão da morte no Acre. É uma pena, porque essas pessoas estão perdendo a oportunidade de acompanhar a mudança e o respeito por uma construção de paz que o Acre merece e que, se Deus quiser, terá nos próximos anos. Espero que nós – que no máximo sabemos trocar uma fechadura de porta – possamos atravessar essa fase difícil, defendendo a Justiça, os Direitos Humanos e a construção da paz no Estado, sem agredir e ser injusto com quem quer que seja, com qualquer família que seja. Um setor muito influenciado negativamente está tentando desvirtuar os fatos, mas seguramente não vai conseguir, porque a sensação de construir um futuro bonito no nosso Estado vai prevalecer.

 

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo ao meu pronunciamento.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Concede-me V. Exª um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Ouço a Senadora Heloisa Helena, que também vivencia experiência dolorosa semelhante à nossa.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senadora Marina Silva, solidarizo-me com o seu pronunciamento. Em Alagoas, passamos e continuamos passando por situações semelhantes. Algumas pessoas levantam essa imagem pública do Acre como se fosse algo contra o povo acreano. Alagoas já passou por isso. Em todos os episódios, a imprensa local tentava dizer que Alagoas sempre aparecia no cenário nacional, por ser um Estado do Nordeste. Isso acontece em todos os Estados do Brasil, porque a nossa elite política e econômica é a que gera essa grande farsa nacional, esse desmoronamento de valores sociais. É essa elite que torna possível o tráfico de drogas e a corrupção, que permite que valores fundamentais para a vida em sociedade, como solidariedade, fraternidade e justiça social, sejam vistos como algo ultrapassado. Tenho absoluta certeza — vejo no pronunciamento de V. Exª — de que o povo do Acre também não tem que se envergonhar. Ruim é conviver "com o lixo embaixo do tapete"; isso é ruim para as futuras gerações. Cada vez em que Alagoas aparece no cenário nacional, entendo que mais importante — sempre digo isso em Alagoas — que nos protegermos da mídia nacional é nos fazermos respeitados perante os nossos próprios filhos, exatamente o que o Acre está fazendo. Para nos fazermos respeitados perante a Nação brasileira, para deixarmos de aparecer no noticiário nacional como exemplos do tráfico de drogas, da corrupção ou da pistolagem, precisamos mudar a estrutura em nossos Estados. O fundamental é o Acre ser respeitado por seu próprio povo, por seus filhos, pelas futuras gerações. Para mim, o tráfico de drogas é deplorável, abominável, assim como a prostituição infantil. Este é o momento de se fazer um grande debate sobre o tráfico de drogas no País. Não se trata de possibilitar, simplesmente, que uma ou outra criança vá para a FEBEM, para aprender a ser marginal de verdade, mas de ter a ousadia de debater esse assunto. Quando esse debate aparecia nos grandes organismos de comunicação, um dos meus filhos, criança, perguntava: "Como isso é possível, se, nos aeroportos, existem formas de impedir que se passe até com um celular; se existe tecnologia para identificar onde há plantação de determinadas drogas?" É doloroso vermos, em um avião da FAB, o tráfico de cocaína. Então, é importante que esse momento de limpeza em relação ao tráfico de drogas no Acre seja também de limpar o Brasil dessa coisa terrível e abominável. Isso não se faz com propaganda na televisão, dizendo-se para se ter orgulho de ser "careta". Primeiro, quem não usa droga não é careta; quem não usa droga é livre, o que é completamente diferente. Não adianta o Governo colocar uma propaganda na televisão, dizendo que é bom ser "careta", por não se usar droga. Não tem nada a ver com "caretice" o fato de não usar drogas; pelo contrário, tem a ver com liberdade. A bela e nobre possibilidade de o jovem dizer que é livre existe em função de não usar drogas. Que esse momento de limpeza por que passa o Acre sirva para revisitarmos a política de combate a drogas e as nossas instituições que têm a obrigação de fazer esse controle, a fim de que possamos realizar, no Brasil, a limpeza que desejamos em relação a essa mazela social. Não acredito que exista o tráfico de drogas sem que haja gente grande por trás. Os poderes político e econômico devem estar dando proteção a esses criminosos, senão eles não atuariam livremente por este País. Quero solidarizar-me com V. Exªs, meus queridos companheiros, e, de forma muito especial, abraçar o povo acreano. Ninguém tem que se envergonhar de aparecer nos meios de comunicação. Sempre digo que, quanto mais Alagoas aparece, mais estou imbuída de força, de coragem e de esperança para mudar a realidade do meu Estado, porque acredito no povo de Alagoas. A grande maioria são mulheres e homens de bem e de paz. Por isso, tenho grande orgulho de ser alagoana, de ser nordestina. Já me disseram, em Alagoas, que o meu sotaque está mais carregado. Estou certa de que o povo acreano está orgulhoso com a coragem demonstrada pelas instituições, com essa nova mentalidade política que se cria, com as pessoas que tiveram a ousadia de enfrentar essa estrutura perversa e covarde. Os que agem em conformidade com o tráfico de drogas não são nenhum exemplo de coragem, mas de covardia. Portanto, o meu abraço grande ao povo acreano, na certeza de que construímos novos e melhores caminhos quando varremos o lixo — e não quando o escondemos —, a fim de podermos respirar em paz nas nossas próprias casas.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/ PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Exª e incorporo-o ao meu pronunciamento. Sei que a ação, a tranqüilidade e a humildade do Governo têm sido muito importantes. O Governo compreendeu que, se não tivesse parceiros na Justiça, nas próprias CPIs, na Corregedoria da Casa e na Câmara dos Deputados, praticamente não teria condições de operar esse processo sozinho, até porque a maior parte do trabalho foi feito exatamente por essas instituições que acabei de citar.  

Notem o quanto é relevante — e que resultado tem — uma simples atitude no sentido de não obstruir a ação da Justiça. V. Exª tem toda a razão: as pessoas envolvidas, denunciadas e presas eram importantes do ponto de vista da estrutura do Estado; vinham das instituições públicas e deveriam estar dando segurança à população, mas, infelizmente, utilizavam-se dessa condição para dar cobertura a esse tipo de contravenção.  

Ouvi um depoimento segundo o qual, há oito meses, os meios de comunicação não são mais invadidos por pessoas ligadas ao narcotráfico ou ao esquadrão da morte, as quais obrigavam os jornalistas e os editores a publicarem as matérias da forma como queriam, a fim de que não se dissesse absolutamente nada. Graças a Deus!  

Como falei anteriormente, esse é um processo doloroso, porque, como pessoa de fé, não posso tratar esses problemas independentemente do que está acontecendo com as pessoas. É lamentável imaginar que todos esses cidadãos envolvidos têm pai, mãe, filhos, irmãos e amigos que sofrem, com certeza, até mesmo por descobrirem que a pessoa com quem conviviam, que julgavam ser um pai cuidadoso, carinhoso, mostra-se, na verdade, um verdadeiro algoz da condição humana. Tudo isso é muito doloroso.  

Falei anteriormente que não sinto nenhum prazer no mal, mas sinto um grande prazer no bem. Mesmo aos prejuízos que são causados, se é por uma questão de justiça, há uma resposta edificante: Deus só toca naqueles com os quais tem algum tipo de preocupação; senão eles poderiam caminhar impunemente. Quando Deus toca, Ele o faz de várias maneiras, por isso entendo que o toque da justiça começou a acontecer no povo do Acre.  

Inúmeras vezes tenho sido abordada por alguns jornalistas nacionais, como a Tereza Cruvinel e a Eliane Cantanhêde, além de tantos outros que não quero citar, e todos eles fazem essa diferença entre o que há de bom no Estado do Acre e essa outra parte que precisa ser completamente superada.  

Ouvi uma vez uma frase muito bonita sobre a questão da emergência. Eu diria que o Acre está vivendo um estado de emergência no sentido de que não podia mais continuar como antes. Era uma emergência de justiça, de liberdade, de defesa da dignidade humana, de defesa dos direitos humanos.  

Por outro lado, o Acre vive outras emergências. Trata-se da emergência do funcionamento das instituições, da valorização da pessoa humana, de uma visão de solidariedade que o Brasil está possibilitando a um pequeno Estado da Federação. Nós estamos hoje centrados em dois pontos, querida Presidente que hoje dirige os trabalhos. Nosso olhar está voltado para o nosso próprio núcleo de densidade. Temos que ter os pés bem firmes para poder adotar qualquer tipo de ação e, para que haja expansão, temos que ser densos. O Acre, hoje, está tentando construir essa densidade. Só se expande aquilo que é denso; o que é rarefeito desaparece se for tentar se expandir. Então, primeiramente, nosso olhar está voltado para esse nosso núcleo de densidade e, depois, para o Brasil, para a forma como estamos sendo acompanhados. Temos feito apelos e admoestações para não sermos confundidos com o joio, e creio que a maioria, a grande maioria tem feito essa separação.  

Certa vez, ouvi, bem do meu lado, uma pessoa dizendo que todo político era ladrão. Eu estava conversando com uma pessoa que me perguntou: "Você não vai reagir? Ele disse que todo político é ladrão". Mas atentei para o fato de que não tinha reagido porque a carapuça não me coube. Mas a afirmação foi injusta, porque nem todo político é ladrão, mas as pessoas ousam generalizar. Afirmações como essa não contribuem com a boa política, porque aqueles que são honestos, que são competentes, vão para a vala comum e nada se salva.  

Da mesma forma, hoje, está-se usando esse mesmo apelo em relação ao episódio do Acre, de Alagoas, de qualquer canto, em que pessoas que não deveriam ter seus nomes envolvidos em determinadas denúncias e são colocadas na vala comum, quando não podem. Mesmo que sejam pessoas com posições completamente diferentes das minhas, não podem porque não é verdade.  

Tenho como primeiro princípio responder à hierarquia superior, a Deus. Deus sabe tudo. Por ter divergência política com alguém, não posso querer que algo respingue nessa pessoa, para que eu possa ganhar um ponto político em relação a uma questão. Não posso. Não posso porque não é verdade, não é justo, não é correto.  

Quando da denúncia contra o Governador do Acre, o Jorge, disseram que ele também estaria comprometido porque havia um delegado envolvido. Imaginem se alguém vai dizer que o Governador Covas está envolvido porque um delegado está envolvido com tráfico de drogas; que o Garotinho está envolvido porque, no Rio de Janeiro, alguém da Polícia está envolvido com tráfico de drogas.

 

Quando ouvi o Deputado Severino, um homem cristão, um homem de fé, dizer inverdades do Jorge, a quem conheço desde adolescente, que era funcionário público, que não tem patrimônio nenhum, um bom engenheiro, um cidadão de classe média, pensei: Meu Deus, o que está acontecendo? Fiquei muito triste e fui conversar com o Deputado, que reconsiderou o que havia dito.  

Da mesma forma que não quero que façam injustiça com nenhum dos meus, de outro lado, mesmo aquele com quem tenho divergência política, jamais posso aceitar que essas pessoas também tenham os seus nomes envolvidos. Deus me livre!  

Tive oportunidade de falar com o ex-Governador Jorge Kalume. Fui vereadora na época em que ele era prefeito. Imaginem, eu bem mais jovem, com um grau de radicalidade talvez bem maior que o meus quase 42 anos de temperança, enfrentei o Governador Kalume. Mas Deus me livre de compactuar com qualquer tipo de acusação que envolva seu nome em episódios como esse. O mesmo digo em relação à ex-Governadora Iolanda Fleming. Enfim, o que não quero para mim também não quero para os outros.  

Mas o episódio já foi esclarecido. Creio que o Delegado está sendo investigado. Alguém falou a respeito e está sendo investigado no âmbito da CPI; foi um depoimento reservado. A Comissão avaliará os depoimentos. As CPIs recebem uma série de depoimentos e não têm como realizar um corte com 100% de segurança. Não podemos exigir que, numa situação como essa, haja uma eficiência, em termos de auscultamento, de 100%. Mas a CPI, tenho certeza, terá a tranqüilidade de separar o joio do trigo. E o mais importante é que, no momento, o processo transcorre com tranqüilidade.  

No Acre, foram 28 as pessoas envolvidas. Elas vieram para Brasília e estão com pedido de prisão temporária. Essas pessoas se entregaram e se encontram em segurança. Não houve, graças a Deus, nenhum derramamento de sangue.  

Esse processo, Srª Presidente, é doloroso, difícil, mas exemplar. Há esses mesmos problemas, com certeza, em todos os Estados da Federação. Talvez venhamos a aprender com tudo isso que o mesmo tipo de solução, guardadas as devidas proporções, feitas as devidas adaptações à realidade de cada situação, poderia e pode ser desencadeada, para que o Brasil possa ser passado a limpo.  

O Acre busca um novo caminho. E esse novo caminho não pode jamais ser entendido como a ação de heróis isolados; mas como a ação de um povo que, acima de tudo, precisa crescer. Porque é lamentável ver a imprensa, nesse processo investigatório, veiculando espetáculos da tragédia humana.  

Muito obrigada, Srª Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/09/1999 - Página 25665