Discurso no Senado Federal

DESTAQUE AO POSCIONAMENTO DO FMI E DO BANCO MUNDIAL FRENTE AO CRESCIMENTO DA POBREZA NOS PAISES EMERGENTES.

Autor
Ramez Tebet (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Ramez Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • DESTAQUE AO POSCIONAMENTO DO FMI E DO BANCO MUNDIAL FRENTE AO CRESCIMENTO DA POBREZA NOS PAISES EMERGENTES.
Aparteantes
Amir Lando.
Publicação
Publicação no DSF de 02/10/1999 - Página 26483
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, IMPRENSA, RECONHECIMENTO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL, SITUAÇÃO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, EFEITO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, FUNDAMENTAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO, AUMENTO, POBREZA.
  • COMENTARIO, APREENSÃO, EFEITO, GLOBALIZAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, MEIO AMBIENTE, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL.
  • CRITICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA PUBLICA, PAIS, EFEITO, AUMENTO, DESEMPREGO, POBREZA, MISERIA.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que me traz à tribuna está, há cerca de três dias, nas manchetes dos principais jornais do nosso País. O mundo inteiro recebeu com surpresa a manifestação do Fundo Monetário Internacional no sentido de reconhecer o que o Banco Mundial já vinha reconhecendo e o que toda a população mais sofrida do planeta já vinha sentindo, ou seja, os efeitos dolorosos de uma política econômica que se instalou no mundo com a denominação de globalização, afetando a vida dos países mais pobres, das populações mais necessitadas.  

Realmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há pouco tempo, ocupávamos a tribuna do Senado da República para falar sobre educação. Naquela ocasião, afirmávamos aqui, naturalmente com o respaldo de renomados intérpretes do sentimento da humanidade, que, nesta virada do século que se aproxima, três questões fundamentais haveriam de dominar a preocupação de todos os homens públicos. Referimo-nos aos direitos humanos, à distribuição de renda e ao meio ambiente, todos eles afetados pelo abrangente fenômeno da globalização.  

Quando falamos em direitos humanos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não nos referimos somente aos direitos inerentes à liberdade do cidadão e ao exercício da cidadania. Fomos mais longe naquele pronunciamento, afirmando que direitos humanos significavam o alcance de medidas sociais, tais como o direito a uma moradia digna e honrada, à educação, à saúde, ao emprego e a salários condignos. Era o que afirmávamos naquela ocasião.  

Aqui, no Senado da República, quase todos os Senadores ocupam a tribuna para fazerem apelo às autoridades governamentais para que abrandem pelo menos os efeitos catastróficos de uma globalização que tem mostrado sua face cruel e irreversível diante dos mais fracos. Que a globalização tem sido cruel e irreversível é verdade, mas é possível a países emergentes como o Brasil, antevendo o que está acontecendo em países ainda mais pobres do que o nosso, com o exemplo do que vem ocorrendo no próprio solo brasileiro - a nossa população clama por emprego, por melhor educação e por melhor saúde -, exigir que sejam adotadas medidas efetivas para amenizar os graves problemas que o País estava, está e ainda estará enfrentando durante algum tempo, se não houver, positivamente, uma mudança nos rumos da política governamental.  

Como todos nós sabemos, no Governo, entre aqueles que têm responsabilidade, há os que defendem o crescimento econômico. E quando falo em crescimento econômico, em que penso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores? Hoje, aqui, por exemplo, o Senador Francelino Pereira fez um discurso de aplauso à legislação que procura defender as pequenas e as médias empresas, responsáveis por 50% dos empregos neste País.  

Pergunto: o que significa a mudança de comportamento na direção do crescimento econômico? Significa proteger essas pequenas e médias empresas; significa destinar os poucos recursos que temos para as pequenas e médias empresas, para a agricultura e para a agroindústria deste País. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é indispensável que façamos isso urgentemente.  

Imaginem que um banco, o Fundo Monetário Internacional, organização eminentemente financeira, que se preocupa exclusivamente com juros e com o capital, chega à conclusão de que é necessário direcionar recursos para a área social do mundo, porque o mundo está sendo levado à fome, à desnutrição.  

Pergunto: o que estamos esperando nós, aqui no Brasil, possuidores que somos de terras férteis, propícias à agricultura e à pecuária? O que estamos esperando nós, que somos privilegiados pela natureza - neste País, não há calamidades de grandes proporções ou de grandes envergaduras -, para também nos direcionarmos nesse sentido, procurando, sem dúvida alguma, manter a estabilidade da moeda?  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tudo isso deve ser impulsionado por meio de um crescimento econômico necessário e indispensável para a geração de empregos e para melhoria da qualidade de vida da nossa população.  

Dirão muitos e disse eu no início do meu pronunciamento: foi surpreendente verificar a posição do Fundo Monetário Internacional. Muitos querem saber se isso é verdadeiro, se é realmente para valer, se o Fundo Monetário Internacional está realmente pensando assim.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acredito que o pensamento, pelo menos, é sincero, porque significa o reconhecimento de uma realidade. O Fundo Monetário Internacional, detentor de capital, está disposto a vender toneladas de ouro para isso, segundo afirmação de seus diretores, e, por certo, está reconhecendo que, em pontos do planeta Terra, há populações que estão sucumbindo. Refiro-me a populações mais pobres do que a do nosso Brasil, como a da África, por exemplo. O retrato está aí nos jornais e nas televisões, mostrando crianças e pessoas verdadeiramente esqueléticas.  

O Fundo Monetário Internacional pode não estar fazendo isso com outro sentido senão o de reconhecer que tornar as pessoas e a humanidade cada vez mais pobres impedirá a sobrevivência dos mais ricos. Para quem os ricos emprestarão dinheiro se as pessoas ou se os países mais pobres e mais necessitados não tiverem os recursos indispensáveis para pagar as taxas de juros elevadas que eles impõem aos países mais fracos, como estão impondo ao Brasil? Não se trata apenas do peso de juros muito altos. A soberania nacional quase é atingida na medida em que, aqui no Brasil, teimamos - e teimamos mesmo; volto a afirmar - em não mudar os rumos da nossa política econômica.  

Cito um exemplo fácil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Qual foi o resultado da privatização de nossas empresas? Diminuímos o nosso patrimônio e não angariamos com isso recursos para investimentos de nenhuma ordem. Não houve com as privatizações no Brasil quaisquer investimentos e, muito menos, investimentos na área social, porque praticamente todos os recursos foram direcionados para o pagamento de juros. Em outras palavras, a estabilidade da moeda não tem sido sustentada no Brasil por crescimento econômico. A estabilidade tem sido sustentada pelo endividamento cada vez maior, o que, conseqüentemente, acarreta juros cada vez mais pesados para o Brasil.  

Não é à toa, e é por isso mesmo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que estamos pagando muito mais juros! Já pagamos bilhões de juros no corrente exercício de 1999 e não ficamos com recursos disponíveis para nenhum investimento e, muito menos, para investimentos na área social, tão indispensáveis hoje, diante da fragilidade da população brasileira, atemorizada pelo fantasma do desemprego. O desemprego assola aqueles que estão há anos em busca de trabalho e também preocupa aqueles que têm emprego, porque estes têm o justo receio de ficarem desempregados.  

Sr. Presidente, urge uma mudança de atitude sem dúvida nenhuma. Em pronunciamento que fizemos há algum tempo aqui no Senado da República, dizíamos que os países abastados e mesmo os próprios controladores do capital serão compelidos a rever suas posições, se não por solidariedade, por uma questão de sobrevivência. Fundamentava a minha convicção na própria História, no sonho de unificação da Europa, que foi cultivada desde os romanos, tentada por Napoleão e realizada hoje com a União Européia não como um projeto de conquista e dominação, mas como o único meio de garantir qualidade de vida para o continente. E eu dizia que, no mundo globalizado, essa exigência se tornará também mundial.  

Vejam bem: eu afirmava que os próprios controladores do capital haveriam de rever as suas posições, se não por solidariedade, pelo menos por uma questão de sobrevivência. Não sei se o Fundo Monetário Internacional reviu, está revendo ou pretende rever o seu posicionamento por uma questão de solidariedade ou por uma questão de sobrevivência. Mas, por todo certo, será por uma questão de sobrevivência, porque, se os pobres forem levados à miséria, eles não terão como emprestar os recursos. E a mercadoria de que dispõe o Fundo Monetário Internacional é o metal sonante, é o capital; empresta-se dinheiro para ganhar juros. Assim, acredito que, por uma questão de sobrevivência - volto a afirmar -, até o Fundo Monetário Internacional já se tenha convencido de que deve ajudar os mais fracos.  

Pergunto eu: o que está esperando o nosso Brasil para mudar de rumos e promover o crescimento econômico tão reclamado pela classe empresarial, pelos agricultores, pelos trabalhadores, por aqueles que estão sem emprego? Está na hora de fazermos isso. Não podemos esperar mais, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.  

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Concedo o aparte, com muita satisfação, a V. Exª.  

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Nobre Senador Ramez Tebet, V. Exª aborda um tema momentoso, mas algo que nos preocupa sempre. Como V. Exª, com certeza, há quase uma década, desde que se falou em globalização, sempre estivemos atentos à questão do empobrecimento do Brasil. A bula que nos foi fornecida pelo FMI, a idéia da globalização e o Consenso de Washington exatamente deram essa receita, e todos sabíamos que iríamos empobrecer, empobrecer muito. E não adiantou nada bradarmos aos quatro ventos o modelo danoso aos interesses nacionais e, principalmente, aos mais humildes. Fui classificado como um dinossauro - estão aí os jornais -, e, sobretudo quando eu era Relator da CPI da Privatização, esse nome ficou estampado. E muito me orgulho de ter permanecido nessa visão do passado, porque eu estava prevendo o futuro. O passado é sempre um dado essencial para interpretar o futuro, porque as mudanças não ocorrem de uma interseção brutal de continuidade; essa secção é lenta e guarda vínculos com o passado. Então, o futuro é gerado exatamente nesse processo de modificação imperceptível. E essa lição que nós defendíamos, nobre Senador, era a lição de quem ama o Brasil, de quem antevia, no grão, no fruto ou no ovo, a serpente preparada para dar o bote. Tínhamos a visão de uma realidade brutal, dessa devastação neoliberal que o Consenso de Washington, sobretudo, pregou, e que o FMI nos impôs, para que se vendessem as estatais a preço de nada. O que resultou da venda desse patrimônio imenso do povo brasileiro? O abate na dívida? A dívida era de 50 milhões; hoje é de meio bilhão. A melhoria na educação e na saúde é uma mentira, pois não se construiu uma escola ou um posto de saúde com o dinheiro da privatização em lugar algum deste País. Então, foi um grande engodo, e os corifeus dessas idéias, os tartufos, aqui a pregaram como uma solução à modernidade que seria o avanço para o terceiro milênio, numa integração em que o Brasil iria, realmente, transpor todas as barreiras do atraso. E veja V. Exª que hoje o carrasco chora diante das cabeças decepadas, o assassino vem chorar a vítima no velório. Hoje, estamos nessa condição. Somos as vítimas, e o nosso carrasco está dizendo: "Está vendo? O que dissemos estava errado, e o que fizemos não foi o certo. Abatemos os interesses do povo brasileiro e enfiamos no poço da miséria milhares de pessoas. E agora? Perdoem-nos, desculpem-nos!". É uma espécie de lágrima de crocodilo que choram, agora, no velório de nossas vítimas. Querem, de certo modo, reconhecer o erro - o que até considero correto -, mas o dano é irreparável, o dano é irreversível! Por que não nos devolvem, nesse processo de empobrecimento, os lucros do capital financeiro que aqui agiu com absoluta liberdade, sem freios, sem limites, com o aplauso daqueles que eram os responsáveis pela administração do País? Esse foi um processo implantado, e aqueles que o combateram de maneira heróica foram tachados de atrasados, de dinossauros, de seres pré-diluvianos. Ora, nobre Senador, é fácil agora dizer que o FMI quer fazer essa

mea culpa ; é fácil agora agir como um carrasco e chorar as cabeças decepadas na guilhotina da miséria, da dor e do empobrecimento. Entendo que essas medidas que se anunciam constituem mais um paliativo. Precisamos é retomar o caminho, como bem diz V. Exª, da reconstrução nacional de um país voltado, acima de tudo, para os interesses do seu povo; temos que rejeitar essa idéia de apenas nos voltarmos para o exterior. Este é o tema central. Depois de tudo isso, vimos que estávamos certos. Fui relator desse processo de privatização que V. Exª citou com muita propriedade. Investiguei-o e mostrei o dano que dele poderia advir para o País. Parabéns, porque uma voz se levanta em defesa do Brasil. Temos que pensar, em primeiro lugar – e consultar o povo brasileiro sobre isso –, se queremos ou não permanecer uma nação livre e independente, uma nação voltada para os interesses dessa população. Muito obrigado pelo aparte.  

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Senador Amir Lando, se não tivesse justificativa a minha presença na tribuna para dizer o que sinto como Senador, as suas palavras teriam justificado a minha vinda, pois o aparte de V. Exª é muito mais esclarecedor do que propriamente o meu discurso. V. Exª tem inteira razão.  

Quando cheguei aqui, em 1995,...  

O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade) - (Faz soar a campainha.)  

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Sr. Presidente, por gentileza, só mais alguns minutos.  

Quando cheguei aqui, em 1995, ouvi discursos sobre a modernidade. Fiquei embevecido, eu mesmo quis o enxugamento da máquina estatal, pois achava que era um absurdo a onipresença do Estado. Nunca defendi o Estado propriamente intervencionista, mas entendia que o Estado deveria estar sempre alerta em defesa dos interesses nacionais, em defesa das empresas do nosso País, e achava que não poderíamos nos entregar tanto como estávamos nos entregando. Muitos de nós votamos a favor da Lei das Privatizações, mas não sabíamos como as privatizações seriam viabilizadas. Elas foram viabilizadas com o dinheiro do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, que, em vez de oferecer recursos para as pequenas e médias empresas, forneceu recursos para grupos de outros países, para que o capital estrangeiro comprasse empresas nacionais, empresas de serviços essenciais, como as de telecomunicações, de energia elétrica e tantas outras por aí. O BNDES deveria ter direcionado melhor esses recursos.  

Pregamos hoje que não devemos nos iludir. A exemplo do Fundo Monetário Internacional, que já fez o seu mea-culpa, deveríamos fazer o mesmo. Foi a seguinte pergunta que me trouxe à tribuna: o que o Brasil está esperando para fazer o seu mea-culpa, para dar a volta por cima, para compreender que não estamos incluídos é no rol dos países mais miseráveis do mundo? Porque no rol dos mais pobres do mundo eu acho que estamos. Está na hora de tomarmos uma atitude para que de pobres não passemos a ser um país de miseráveis.  

Ainda nesta oportunidade, gostaria de citar uma previsão da ONU. A Organização das Nações Unidas estima que, no dia 12 de outubro próximo, ao nascer em algum lugar do mundo uma criança, a população do planeta Terra atingirá o número de seis bilhões de pessoas. A progressão geométrica que dita o crescimento da humanidade evidencia a necessidade imperiosa de agirmos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tanto mais quando sabemos que – e isso é o mais alarmante – 90% dos nascimentos ocorrerão justamente nos países mais pobres.  

A solução não pode estar na morte dos nossos irmãos menos favorecidos, como já ocorre em certas regiões da África e em alguns dos países da Ásia, onde a expectativa de vida chega a ser 24 anos menor do que a dos países mais ricos. Temos que nos rebelar, temos que agir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque admitir o contrário e retardar as ações que o Brasil deve tomar seria contribuir para que passemos de país pobre a país miserável. Urge que isso aconteça e que todas as autoridades, com plena conscientização de que a sociedade está esperando por isso, se empenhem em alcançar esse objetivo.  

Acredito que esse assunto ainda vai trazer à tribuna outros Srs. Senadores, porque esta Casa já há algum tempo vem discutindo como combater a pobreza. Sabemos que só podemos combater a pobreza e o flagelo social que pode se abater sobre este País se plantarmos. Plantar significa produzir crescimento econômico, especialmente num país de terras férteis, num país que tem tudo para crescer, num país cuja natureza é invejada, num país que é o mais rico do mundo em água doce - água que vai faltar no milênio que está se aproximando.  

Ao agradecer a boa vontade de V. Exª, Sr. Presidente, reitero: não podemos perder mais tempo. A hora, repito, é de agir.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/10/1999 - Página 26483