Pronunciamento de Jefferson Peres em 04/10/1999
Discurso no Senado Federal
CONTRARIO AS ALTERAÇÕES DO CODIGO PENAL BRASILEIRO PROPOSTAS PELO MINISTRO DA JUSTIÇA, SR. JOSE CARLOS DIAS.
- Autor
- Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
LEGISLAÇÃO PENAL.:
- CONTRARIO AS ALTERAÇÕES DO CODIGO PENAL BRASILEIRO PROPOSTAS PELO MINISTRO DA JUSTIÇA, SR. JOSE CARLOS DIAS.
- Aparteantes
- Agnelo Alves, Antonio Carlos Magalhães, Jader Barbalho.
- Publicação
- Publicação no DSF de 05/10/1999 - Página 26600
- Assunto
- Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
- Indexação
-
- APREENSÃO, ORADOR, PROPOSTA, JOSE CARLOS DIAS, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, BRASIL, PROPOSIÇÃO, CLASSIFICAÇÃO, CRIME HEDIONDO, EXCLUSÃO, ROUBO, SONEGAÇÃO FISCAL, RECEPTAÇÃO, CARGA, CRIME DO COLARINHO BRANCO, CRIME, PUNIÇÃO, PENA DE DETENÇÃO.
- DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, RECURSOS FINANCEIROS, RECUPERAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, PAIS.
- DEFESA, IMPORTANCIA, DEBATE, LEGISLAÇÃO PENAL, BRASIL.
O SR. JEFFERSON PÉRES
(Bloco/PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, nesta segunda-feira, que se prenunciava remansosa e que não está sendo tão remansosa assim, eu me permito fazer algumas considerações sobre as propostas feitas pelo Ministro da Justiça, Sr. José Carlos Dias, a respeito de mudanças na legislação penal brasileira.
É indiscutível que o Código Penal, velho de quase sessenta anos, precisa ser modificado, pois contém arcaísmos como o de classificar adultério como crime. Imaginem V. Exªs, em um país de sangue latino como este, se os cônjuges traídos apresentassem queixa-crime, não haveria prisão neste País para acolher os cônjuges infiéis. A legislação ainda tipifica como crime a sedução, Sr. Presidente, sem atentar para a mudança de costumes. Isto decorria de uma sociedade conservadora, na qual eram tomados de fúria assassina os pais cujas filhas tivessem sido seduzidas.
Enfim, é claro que o Código Penal precisa ser modificado, não obstante as mudanças que sofreu ao longo do tempo. Assim, em tese, o Sr. Ministro da Justiça está correto. Creio que, modernamente, deve-se, tanto quanto possível, substituir penas de prisão por penas de prestação de serviços comunitários e penas pecuniárias para os delitos mais leves. Não faz sentido que pessoas sem antecedentes criminais, que cometeram pequenos crimes, sejam recolhidas às penitenciárias em companhia de criminosos realmente perigosos. O Sr. Ministro também tem razão quando entende que o Sistema Penitenciário Brasileiro está falido e que nenhuma das prisões funciona como centro de recuperação dos criminosos, mas, ao contrário, como escolas criminogênicas, das quais o presidiário sai, muitas vezes, pior do que lá entrou.
Entretanto, Sr. Presidente, preocupa-me quando o Sr. Ministro propõe, concretamente, que os crimes hediondos, por exemplo, deixem de ser classificados como tal, passando os condenados por esses delitos a terem direito à progressão e abreviação de pena quando tiverem bom comportamento. Isto é preocupante, Sr. Presidente. Isso vai de encontro aos sentimentos da sociedade brasileira. Creio que o Sr. Ministro comete um erro, mostrando-se em dessintonia com o país em que vive. Melhor seria que fosse Ministro na Suíça, e não no Brasil.
Em primeiro lugar, parece-me subjacente à proposta do Ministro um componente ideológico, qual seja, a idéia de que as pessoas, por índole, são boas, sendo corrompidas, transformando-se em criminosas por força das injustiças da sociedade.
Como diz, sarcasticamente, o editorialista de um jornal, hoje, a levar essa ideologia às últimas conseqüências, a sociedade é que deveria ser presa, e os criminosos, vítimas dela, libertados.
Se fosse verdadeiro que o crime é produto das injustiças sociais, Sr. Presidente, a Índia, com suas centenas de milhões de miseráveis, não seria um país com índices de criminalidade relativamente baixos, e o país mais afluente do mundo, os Estados Unidos, não teria, ao contrário, como de fato tem, índices de criminalidade muito elevados, inclusive e principalmente, com a prática de crimes violentos.
Preocupa-me, também, quando o Sr. Ministro propõe, Senador Jader Barbalho, uma listagem dos crimes que não mais seriam punidos com prisão, mas com penas alternativas, a saber: roubo, que é o assalto com violência – este delito o Ministro quer que deixe de ser punido com a prisão; sonegação fiscal; receptação de carga roubada; crimes do colarinho branco e contra o sistema financeiro.
Sr. Presidente, o Ministro se preocupa com a superlotação das penitenciárias, alegando que as prisões não recuperam; porém, esquece-se do caráter intimidativo da pena. A pena possui três funções: a primeira – e óbvia –, a de retirar do convívio social alguém perigoso; a segunda, tentar a recuperação de quem delinqüiu; a terceira, intimidar os criminosos em potencial. É claro que existem criminosos, até psicopatas, que não se intimidam diante de nada nem diante da pena de morte, como demonstra a experiência de tantos países. Mas é óbvio também que penas mais duras fazem com que os não psicopatas se sintam intimidados e atemorizados diante da perspectiva de passar muitos anos na prisão.
Roubo, assalto à mão armada, desde que não haja morte, deixar de ser punido com prisão? Imaginem quando os milhares de, ou não sei quantos, criminosos em potencial, Sr. Presidente, souberem que podem me abordar na rua, colocar uma pistola em minha cabeça, levar o dinheiro e o talão de cheques, com a certeza de que a lei não o punirá com o recolhimento à cadeia; que ele será punido com prestação de serviços à comunidade.
Já imaginaram a multiplicação de assaltos à mão armada neste País já tão violento, com cidades já quase insuportavelmente tomadas pela criminalidade?
Receptação de carga roubada é crime leve, Sr. Presidente? O receptador é responsável por crimes, às vezes, muito mais graves; ele financia o assaltante de caminhões na estrada, que mata o motorista. Esse receptador vai ser punido com multa, com penas alternativas?
Crime do colarinho branco, crime contra o sistema financeiro ser punido com multa? Segundo o Ministro, o que mais dói nos que praticam esses delitos é a redução do patrimônio. Será que o Ministro não sabe, Sr. Presidente, que esses grandes criminosos não seriam alcançados por penas pecuniárias, uma vez que o dinheiro deles está todo em paraísos fiscais? Esquece S. Exª que eles não têm, às vezes, sequer um mísero apartamento no Brasil, porque todo o patrimônio está nas mãos de "laranjas"? Se não forem punidos com a prisão, Sr. Presidente, ficarão impunes.
Além do mais, que imagem vamos passar para uma sociedade que, a par de se sentir tão injustiçada, já tem por senso comum que só vão para a cadeia os pobres e negros? Que imagem passará este País com a mudança da legislação se se disser que os grandes criminosos de colarinho branco não mais serão punidos com pena de prisão? O Ministro não pensa na repercussão dessa mudança da legislação em termos psicossociais?
É difícil entender a posição desse Ministro, Sr. Presidente, diz que fala em seu nome pessoal e não do Governo. Como se pode dissociar a palavra, a proposta, a sugestão, de um Ministro, da sua condição de ocupante de um alto cargo no Executivo?
O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Ouço com prazer V. Exª.
O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Jefferson Péres, V. Exª, como sempre, está sendo muito feliz nesta tribuna ao tocar neste assunto da maior delicadeza. Porque, afinal de contas, já não se quer mais adjetivação em crime. Outro dia, alguém me perguntou o seguinte: Senador, mas se seqüestro e tortura não forem crimes hediondos, que adjetivo vamos dar a esses crimes? Então, positivamente, Senador Jefferson Péres, acredito que o Ministro da Justiça, como muito bem V. Exª demonstra, está inteiramente na contramão dos interesses da sociedade. Parece-me que não vai haver pena. Então, não vai haver cadeia para quem tem dinheiro. A lei atual não manda para a cadeia quem tem dinheiro. Se quem pratica crimes contra o sistema financeiro, os chamados crimes do colarinho branco, não tiver a ameaça de ir para a cadeia, então estamos, ipso facto, como V. Exª bem disse, afirmando que rico não vai mesmo para a cadeia, só pobre é que vai. Positivamente, entendemos que isto é um absurdo. Compreendo que o Brasil tem muitas leis, Senador Jefferson Péres, e precisamos aprimorá-las, mas sobretudo precisamos cumpri-las. Penso que as considerações de V. Exª são inteiramente pertinentes.
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Obrigado, Senador Ramez Tebet.
Como diz V. Exª, uma coisa é o Poder Judiciário não botar rico na cadeia por falhas do próprio Poder; outra, muito diferente, é a lei declarar que rico não vai mais para a cadeia. Na prática, é o que vai acontecer aos olhos da população.
O Sr. Jader Barbalho (PMDB - PA) - V. Exª me concede um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Pois não, Senador Jader Barbalho.
O Sr. Jader Barbalho (PMDB - PA) - Senador Jefferson Péres, quero cumprimentá-lo pela abordagem do tema. Evidentemente que a violência é uma das maiores preocupações da sociedade brasileira neste momento e, fundamentalmente nos grandes centros urbanos do Brasil, tem ganho uma dimensão de tal ordem que deve ser um tema de preocupação diária, permanente por parte dos homens públicos do País. Efetivamente esta entrevista, este material jornalístico que reproduz um possível pensamento do Ministro da Justiça a respeito de um novo tratamento a ser dado ao sistema penal é muito preocupante, e eu concordo com V. Exª. A ser verdade - e digo "a ser verdade", porque ouvi trechos de uma conversa final do Ministro da Justiça no Gabinete do Líder do Governo nesta Casa, que me convidou para um encontro, mas lamentavelmente a Ordem do Dia do Plenário do Senado não me permitiu estar desde o início da conversa. Pareceu-me estar o Ministro desde o início informando que o noticiário não reproduzia exatamente o seu ponto de vista, mas que ele viria ao Senado nos próximos dias para dar um esclarecimento cabal. Contudo, sou solidário com as observações de V. Exª. A ser o que aí está escrito, temos um absurdo. Não se pode de forma alguma dar tratamento de benevolência, um tratamento leve a criminosos, como bem afirmou V. Exª, que estão efetivamente a praticar crimes hediondos contra a vida e contra o patrimônio das pessoas e até contra o patrimônio público. Agora, eu gostaria de refletir em um momento em que V. Exª fala sobre a pena, da qual tecnicamente V. Exª aborda seus objetivos com muita propriedade. Lamentavelmente o sistema penal no Brasil, ao longo do tempo, foi-se deteriorando de tal ordem que o segundo item citado por V. Exª, a tentativa de recuperação, este está por frustar qualquer expectativa desta ordem. Quase todas as semanas, os noticiários das televisões estão a apresentar o quadro de verdadeiro depósito humano que são as penitenciárias no Brasil. Não creio que esse sistema como aí está possa recuperar alguém. Acho até que, aqueles que chegam ao sistema penitenciário por penas de crimes de menor repercussão, acabam efetivamente se transformando em bandidos irrecuperáveis face à falência do sistema penitenciário no Brasil. Portanto, meu aparte tem por objetivo cumprimentar V. Exª, que traz um tema que seguramente é de preocupação diária e permanente por parte da sociedade brasileira. Espero que se possa aprofundar neste debate a respeito do que efetivamente pensa o atual Ministro da Justiça.
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Muito obrigado, Senador Jader Barbalho.
Obviamente, se o sistema penitenciário brasileiro está falido, temos de destinar maiores recursos para que ele seja recuperado, para que as celas não fiquem superlotadas, para que as penitenciárias não continuem sendo escolas de bandidagem. Não aceito o argumento de se esvaziarem as prisões, colocando criminosos nas ruas porque o Estado não tem capacidade de recuperar as prisões.
Quanto ao desmentido que o Ministro teria feito a V. Exª, publicamente S. Exª não o fez, o que me leva a pensar que soltou balões de ensaio. Talvez esteja sentindo a reação da sociedade. Até hoje não ouvi o Ministro desmentir. Os jornais têm-se ocupado do tema há algumas semanas. Oxalá tenha recuado, como a informação de V. Ex.ª deixa crer.
O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador Jefferson Péres?
O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Permite-me V. Ex.ª um aparte, eminente Senador Jefferson Péres?
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Senador Agnelo Alves, V. Ex.ª me pede um aparte, mas o Presidente Antonio Carlos Magalhães tem precedência.
O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) - Sem dúvida alguma. O nosso Presidente tem toda a precedência.
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Como o Presidente não aceita a primazia, concedo o aparte a V. Ex.ª, Senador Agnelo Alves.
O Sr. Agnelo Alves (PMDB-RN) - Agradecendo a benevolência e a humildade do nosso Presidente, cumprimento V. Ex.ª, nobre Senador Jefferson Péres. Informo à Casa que apresentei um projeto que deverá ser lido hoje ou amanhã, visando acrescentar à Lei dos Crimes Hediondos um único crime que, segundo o Ministro, não constava da Lei, a qual deveria, pois, ser revogada: o de formação de quadrilha ou bando. Logo, além dos crimes já capitulados, solicito à Casa que acrescente também esse tipo de delito. Não há nenhuma dúvida também, nobre orador, de que a Lei Penal brasileira precisa de modificações, não só para abrandar as penas, mas também para agravá-las. Basta que se cite que, nos fins de semana, no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde há uma verdadeira guerrilha urbana, mata-se mais gente do que na Guerra do Iraque ou na recente Guerra da Iugoslávia. Portanto, se o Ministro não está entendendo o momento desta violência que se observa no Brasil é lamentável. S. Exª está exatamente em um posto onde deve propor soluções e, não, algo que venha atemorizar a sociedade brasileira.
O SR. JEFFERSON PERES (Bloco/PDT- AM) - É verdade, Senador Agnelo Alves. O Ministro, evidentemente, sofisma, quando diz que todo crime é hediondo, como se, ao entrar em um supermercado e surripiar um produto, fizesse esse infeliz uma ação hedionda. S. Exª diz isso, certamente, para confundir o debate. Há crimes que são hediondos, sim, e outros que não o são.
O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. JEFFERSON PERES (PSDB-AM) - Ouço o aparte do nobre Senador Antonio Carlos Magalhães.
O SR. Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) - Apenas para me congratular com V. Exª pelo seu pronunciamento e dizer que nós, que gostamos sempre de imitar os Estados Unidos, deveríamos saber que nenhum país pune colarinho branco com maior intensidade que os americanos do norte. Não sei por que o Sr. Ministro da Justiça veio com esta colocação de crimes hediondos. Foi uma afronta à sociedade. O Ministro me telefonou para dizer que iria me explicar o assunto. Faz mais de oito dias e eu não tive nenhuma explicação. Fico com V. Exª: a explicação que o povo quer ainda não veio e, quando vier, o povo não aceitará, porque o povo não concorda com as posições do Ministro manifestadas em uma hora imprópria para o Governo a que S. Exª pertence.
O SR. JEFFERSON PERES (Bloco/PDT-AM) - Na realidade, Senador Antonio Carlos, o Ministro mostrou uma sensibilidade de hipopótamo. Já ouvi declarações de V. Exª, Senador, manifestando uma postura crítica em relação à posição do Ministro. Vejo, pela sua manifestação e a do Senador Jader Barbalho, que as grandes Lideranças do Senado estão expressando o sentimento, certamente da maioria da Casa e da sociedade, que se sente agredida — e no artigo que escrevi domingo, num jornal de Manaus, usei a palavra "afrontou" —, porque o Ministro afrontou a sociedade com a sua posição.
De qualquer modo, ele suscitou o debate. É bom que a legislação brasileira comece a ser discutida, mas que o debate seja civilizado, Sr. Presidente. Já vejo Ministros do Supremo Tribunal Federal, como o Sr. Sepúlveda Pertence, saírem a campo em defesa das posições do Ministro, para dizer que os que defendem a classificação de crimes graves como hediondos estão fazendo demagogia.
Sr. Presidente, o Ministro passa para a forma mais rasteira e mais imprópria de discutir, que é tentando desqualificar os seus adversários. Eu poderia dizer também que já houve um tempo em que membros de tribunais — principalmente tribunais superiores — eram magistrados muito discretos; não faziam demagogia falando freqüentemente aos jornais, para aparecer.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.
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