Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/1999 - Página 27132
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, INSUFICIENCIA, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, ARRECADAÇÃO, PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, FALTA, PRIORIDADE, MELHORIA, EDUCAÇÃO, SAUDE, SANEAMENTO BASICO, SEGURANÇA PUBLICA, AUMENTO, DESEMPREGO, MISERIA, POBREZA, PAIS.
  • CRITICA, POSSIBILIDADE, CONTINUAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, BANCO DO BRASIL, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), PREJUIZO, SOBERANIA NACIONAL.
  • OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, USINA HIDROELETRICA.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a discussão sobre a privatização do patrimônio público parece ter se libertado do ambiente fechado dos gabinetes dos gestores do Programa Nacional de Desestatização, das salas das consultorias contratadas para calcular os preços mínimos das estatais privatizáveis e dos escritórios das empresas adquirentes. O cidadão comum parece ter tomado consciência de que esse patrimônio, consolidado durante décadas de suor e trabalho, está sendo transferido para poucas mãos privadas, a preços vis, sem que ele tenha sido recompensado pelas benesses que lhe foram acenadas na propaganda oficial do próprio programa.  

Para se ter uma idéia da magnitude do PND, apesar dele ter envolvido, nestes oito anos, recursos da ordem de US$ 70,3 bilhões, todas as avaliações técnicas mais isentas dão conta de que, em todos os casos, os preços mínimos foram subestimados. O método utilizado nas avaliações oficiais, o de "fluxo de caixa descontado", levou em conta cenários e indicadores pessimistas, num processo premeditado de dilapidação do patrimônio público. Mais do que isso, tais empresas foram alvo, em período imediatamente anterior aos leilões, de investimentos a títulos de saneamento, sem que esses montantes de vulto significativo tenham sido considerados no cálculo dos preços para os leilões.  

Na mesma propaganda oficial, a promessa do Governo Federal, em nome do "Estado no lugar certo", era a de que o resultado dos leilões seria aplicado na melhoria da qualidade de vida da população brasileira, em ações de saúde, educação, saneamento e segurança pública. O volume de recursos mostrou-se, de início, diretamente proporcional à expectativa da população quanto aos serviços sociais que lhe estariam disponíveis. Ato contínuo, à decepção generalizada, ao se perceber que tais serviços continuaram indisponíveis para a grande maioria, muitas vezes ainda mais deteriorados.  

Se os setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes e o sistema de telecomunicações já foram, integralmente, repassados para a iniciativa privada, além da Companhia Vale do Rio Doce e de bancos estaduais de porte significativo e se os serviços sociais não receberam os investimentos que lhe seriam correspondentes, a que título teriam sido transferidos tamanhos volumes de recursos?  

A resposta mais apropriada para essa indagação está gravada nas contas da dívida pública brasileira. Basta lembrar que o total arrecadado, até aqui, em todos os leilões, não seria suficiente para compensar a conta dos juros e dos demais encargos da dívida pública brasileira, em um único ano. Apenas no primeiro semestre deste ano, esses encargos totais somaram R$ 84,616 bilhões. A mais simples aritmética dá conta de que o país paga, por mês, sem amortizar o principal de sua dívida pública, mais de três vezes o equivalente ao valor de leilão da Companhia Vale do Rio Doce, ou, em um único dia, mais do que arrecadou com unidades lucrativas do nosso parque petroquímico ou de fertilizantes. Os descontos previdenciários do funcionalismo público, considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal e motivo de estrépito pelo Governo Federal, nos últimos dias, não seriam suficientes para o pagamento de uma semana de juros da dívida pública brasileira.  

E são essas relações aritméticas que remetem a uma maior preocupação. Todos os esforços de arrecadação do Governo Federal não se mostram suficientes para o pagamento de uma dívida que, apesar de tamanhos desembolsos, cresce a taxas geométricas. Não há melhoria na educação, na saúde, no saneamento básico, nem na segurança pública. Ao contrário, o desemprego e a miséria contribuem, cada vez mais, para que as nossas ruas se transformem em verdadeiras praças de guerra. E o Governo Federal mostra-se, nitidamente, como um mero agente arrecadador de recursos, para repassá-los aos credores nacionais e internacionais.  

A continuar essa política econômica atrelada aos interesses dos grandes credores, o programa de privatizações pode se voltar para empresas estatais que se constituem em verdadeiros símbolos nacionais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás. E a mesma aritmética demonstra que, mesmo abrindo mão destes seus símbolos, seus valores maiores para a soberania nacional não se constituirão suficientes para saciar a gula dos credores, insuflada por uma política de juros suicida. E, aí, sem os seus melhores pilares, a soberania nacional poderá ser atingida de morte.  

É essa a grande preocupação dos brasileiros que já se mostram preocupados com o projeto de país dos livros didáticos e dos bancos escolares. Quando estiver totalmente frágil a economia, poderá haver o caso de ter que abrir mão da geografia. E, aí, a Amazônia, as florestas tropicais, os rios mais caudalosos do mundo aguçarão a cobiça, a mesma que se reforça, cada vez mais, no discurso da globalização.  

São essas as minhas maiores preocupações, quando me coloco frontalmente contra a privatização de nossas usinas hidrelétricas. Porque não são, apenas, os equipamentos de geração de energia que estarão em jogo. Na alça de mira, as nossas águas e, não somente, a nossa soberania, mas, substancialmente, as nossas próprias vidas.  

Estudos divulgados recentemente dão conta de que o Brasil possui 21% da água doce de todo o Planeta. Isso significa que um em cada cinco litros de água disponíveis para uso humano e animal e para a agricultura em todo o mundo jorra em rios brasileiros. E esses mesmos estudos ensejam cenários que consideram a água o recurso natural do próximo milênio, cuja escassez poderá resultar em disputa entre nações, a exemplo do petróleo no presente século.  

Não é à toa que os países mais desenvolvidos mantêm, sob controle restrito do Estado, as suas usinas hidroelétricas. Nos Estados Unidos, elas se colocam, principalmente, nas mãos das Forças Armadas. A produção de energia elétrica privada, naquele país, é marginal.  

Quem seriam, portanto, os compradores de nossas usinas hidrelétricas? Certamente, as empresas multinacionais maiores consumidoras de energia. Mas, por trás delas se colocam, também com certeza, os grandes interesses internacionais, os mesmos que hoje nos subjugam e nos impõem receituários não seguidos em seus países de origem.  

A anunciada cisão da Usina de Tucuruí, por exemplo, parece indicar a transferência daquele importante instrumento de desenvolvimento regional para as grandes empresas consumidoras de alumínio. Porém, mais do que isto: aos equipamentos daquela usina se somarão o poder e a soberania sobre o maior manancial de água doce do mundo.  

É por isso que trato deste assunto, de forma reiterada. É que está em jogo um projeto de país almejado pelas gerações do próximo milênio. E a responsabilidade de todos aqueles que, hoje, ainda sonham com uma nação independente, soberana e justa.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 

i¤ 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/1999 - Página 27132