Discurso no Senado Federal

DEFESA DA INDICAÇÃO DO COMPLEXO VER-O-PESO, EM BELEM - PA, A CONDIÇÃO DE PATRIMONIO HISTORICO DA HUMANIDADE.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • DEFESA DA INDICAÇÃO DO COMPLEXO VER-O-PESO, EM BELEM - PA, A CONDIÇÃO DE PATRIMONIO HISTORICO DA HUMANIDADE.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/1999 - Página 27128
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • DEFESA, INDICAÇÃO, MERCADO, MUNICIPIO, BELEM (PA), ESTADO DO PARA (PA), MONUMENTO, PATRIMONIO HISTORICO, MUNDO, JUSTIFICAÇÃO, CUMPRIMENTO, REQUISITOS, EXIGENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO).
  • COMENTARIO, FALTA, DISPOSIÇÃO, FRANCISCO WEFFORT, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA CULTURA (MINC), EFETIVAÇÃO, INSCRIÇÃO, MERCADO, ESTADO DO PARA (PA), MONUMENTO, PATRIMONIO, MUNDO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje a esta tribuna para defender a indicação do Complexo Ver-o-Peso, localizado em Belém do Pará, à condição de Patrimônio da Humanidade. A Prefeitura Municipal da Capital paraense e a Fundação Cultural do Município (Fumbel) encaminharam ao Ministério de Estado da Cultura, na pessoa do Professor Francisco Weffort, pedido formal de inclusão do Complexo na lista anual que o Brasil prepara para o Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco. O julgamento não deve tardar a acontecer.  

Os argumentos em favor do Ver-o-Peso são muitos e muito convincentes. Há razões objetivamente bem formuladas que validam sua competente candidatura. Sem dúvida, o Complexo preenche todos os requisitos exigidos pela Unesco para o seu reconhecimento como patrimônio universal. Vale ressaltar que dois dos critérios mais relevantes são o da autenticidade e o da representatitividade do monumento. Em outras palavras, o concorrente deve não somente possuir caráter de unicidade, como também abrigar características da cultura local sem perder sua dimensão universal.  

Ora, para quem conhece o Ver-o-Peso, em Belém, não resta dúvida de que sua história e sua monumentalidade credenciam-no, enormemente, à posição de patrimônio universal, seja do ponto de vista da autenticidade, seja do ponto de vista da representatividade. Mais do que isso: com a restauração que está sendo implementada, as chances de êxito na candidatura crescem ainda mais. A prefeitura chegou a realizar concurso público para intervenção urbanística no local, ao mesmo tempo em que comunica dispor de 600 mil reais para fins de investimento. São recursos oriundos do orçamento participativo da Capital do Pará.  

Agora, cabe ao Governo brasileiro a iniciativa de levar a candidatura paraense ao Comitê da Unesco. Acontece que, embora o pedido da Prefeitura de Belém tenha sido encaminhado ao Ministério da Cultura há mais de um ano, não houve, até o momento, ao que nos consta, a necessária disposição do Governo para efetivar sequer a inscrição. Segundo o Presidente da Fumbel, Márcio Meira, as autoridades alegam que o problema se ancora no número infindável de pedidos que chegam ao IPHAN com o propósito de obter indicação de monumentos à condição de Patrimônio da Humanidade. Por causa disso, suspeita-se que as indicações governamentais vêm a se sujeitar, mais facilmente, às injunções governamentais, aos lobbys políticos, em detrimento de critérios técnico-culturais.  

Naturalmente, a disputa pela indicação à Unesco se deve a vantagens que estão longe de ser menosprezadas pelo Poder Público. Apesar de indiretas, são muito significativas, pois constam com a chancela rigorosamente estampada de um organismo internacional, de grande prestígio, ao qual todos os guias e revistas turísticas recorrerem na hora de editar seus roteiros. Como ilustração, citemos o caso de Diamantina, em Minas Gerais, que, após obter indicação do Governo, tem seu fluxo turístico favoravelmente afetado em curto espaço de tempo. Ainda sem ter confirmado sua eventual condição de patrimônio universal, a cidade colonial mineira já experimenta impacto econômico indiscutível.  

Nesse contexto, não nos causa espécie que as agências internacionais de financiamento, tais como o BID e o BIRD, se sintam mais receptivas à disponibilização de recursos, para a restauração e preservação dos patrimônios. Além disso, é claro, se reflete na auto-estima da população a que está associado o patrimônio eleito. A população adquire maior consciência sobre a importância da história ambiental do espaço em que vive, bem como sobre sua preservação como moeda de valorização da cidade.  

Sr. Presidente, o Ver-o-Peso, desde o século XVII, traz história para Belém e para o Brasil. Pois, em 1688, a então Provisão-Régia atribuiu ao Piri, Porto da Capital paraense, estatuto de porto oficial, com objetivos nitidamente fiscais. Alcunhado de "lugar de Ver-o-Peso", o porto reunia em suas imediações enorme contigente popular, configurando espaço marcadamente relevante no âmbito social, econômico e simbólico da cidade de Belém. Não por acaso, no ano seguinte, 1689, desembarcava no Ver-o-Peso o jesuíta Samuel Fritz, personalidade estelar na confecção da carta geográfica mais completa da Amazônia naquele século.  

No século XVIII, o Ver-o-Peso acompanhou as mudanças urbanísticas radicais a que Belém se submetia em seu processo de crescimento rumo à outra margem do igarapé do Piri. Nessas circunstâncias, a conformação cultural do mercado que se ergueu junto ao porto seguiu delineamento bem peculiar pela freqüência diversificada das pessoas que ali passavam. Eram escravos indígenas dos sertões amazônicos, dos rios Negro, Japurá, Solimões e Madeira, que se confundiam com os escravos negros de Angola e Bengala, os quais, por sua vez, se conduziam por colonos portugueses vindos da África e da Metrópole. À época, comerciantes de escravos e de mercadorias, missionários, cientistas e militares se serviam da língua Nheengatu, que era ensinada pelos jesuítas para uso da comunicação comum.  

No século XIX, durante o Governo do Conde dos Arcos, aterrou-se o igarapé do Piri, atendendo aos avanços urbanísticos de Belém, mas preservou-se a sua foz, transformada agora numa doca, e mantendo-se ali as atividades do Ver-o-Peso. Em 1835, quando eclodiu a maior revolução social da região, a famosa Cabanagem, foi ali que os cabanos aportaram, antes de atingir o caminho até o Palácio e tomar o poder.  

Ainda no século XIX, foram exportados do mesmo porto paraense os primeiros carregamentos de borracha da Amazônia para os países em industrialização na Europa, que transfiguraram para sempre as características do modo de produção. Atraídos também pelo dinheiro da borracha, imigrantes sírios, libaneses, italianos e judeus marroquinos se integraram, com seus comércios, à múltipla paisagem multicultural do Ver-o-Peso. Foi nessa ocasião também que as instalações do porto ganharam nova aparência, com a construção de um mercado na margem da baía, tudo pré-fabricado com ferro trazido da Inglaterra.  

No rastro da modernização, ampliaram-se não somente o antigo mercado de carne situado nas proximidades, mas também a área recuperada com o aterramento da baía. Mais do que nunca, revestiu-se o ambiente de uma atmosfera arquitetônica tipicamente eclética, justapondo estilos tão diversificados quanto o barroco, o colonial e o art nouveau . Enquanto no espaço aterrado do igarapé foram construídas a Praça do Relógio e a Avenida Portugal, na outra margem do rio foram erguidos sobrados, a Igreja e o Convento das Mercês.  

Nessa trajetória, o Complexo do Ver-o-Peso se caracterizou num fabuloso patrimônio arquitetônico, situado no Centro Histórico de Belém. Contudo, o que legitima a autenticidade do local consiste muito mais no culto a uma tradição há 200 anos praticada. Trata-se do cortejo à Virgem de Nazaré, que reúne todos os anos, no mês de outubro, mais de 1 milhão de pessoas.  

O altar dedicado à Santa, localizado dentro do Mercado de Ferro, é ponto de passagem obrigatória. Podemos afirmar, dessa forma, que o Ver-o-Peso se define mais preponderantemente como um mercado de bens simbólicos, que se presta a abastecer a alma e o espírito de uma cidade, que é a capital mais antiga da Amazônia.  

Por tudo isso, enfim, é que estou marcando uma audiência com o Ministro Francisco Weffort, para que, com outros Parlamentares do Pará, façamos um apelo ao Ministro para encaminhar, no tempo mais breve possível, a indicação do Ver-o-Peso ao título de patrimônio da humanidade junto à Unesco, alertando S. Exª para o fato de que estaria prestando não somente um serviço de alta relevância ao povo paraense mas, sobretudo, um serviço de alto patriotismo às coisas nacionais.  

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/1999 - Página 27128