Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO DIA MUNDIAL DA ANISTIA.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO DIA MUNDIAL DA ANISTIA.
Publicação
Publicação no DSF de 06/10/1999 - Página 26705
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, ANISTIA.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, ENTIDADE, ANISTIA, AMBITO INTERNACIONAL, DEFESA, DIREITOS HUMANOS.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, milhares de pessoas em todo o mundo estão presas pelas suas convicções. Muitas delas detidas sem qualquer processo, acusação formal ou julgamento.

A tortura e a pena de morte são largamente utilizadas em muitos países. Homens, mulheres e crianças “desaparecem” depois de terem sido oficialmente detidos. Outros são assassinados sem disfarce algum de legalidade: foram “escolhidos” e mortos por agentes de seus próprios governos.

Tais abusos, que ocorrem em países das mais diferentes ideologias, exigem uma resposta internacional. A proteção dos direitos humanos é uma responsabilidade universal, que transcende os limites da nacionalidade, raça e ideologia.

Portanto, neste Dia Mundial da Anistia, gostaria de louvar o trabalho da maior organização mundial de defesa dos direitos humanos, a Anistia Internacional. Entidade nascida de maneira original, a Anistia Internacional foi fundada pelo advogado inglês Peter Benenson. Benenson leu uma notícia publicada na imprensa sobre dois estudantes portugueses, que haviam sido condenados a sete anos de prisão apenas por terem erguido um brinde à liberdade, em um bar de Lisboa, durante a ditadura de Salazar. Indignado, o advogado começou a pensar em formas de persuadir o governo português a libertar os estudantes, e teve a idéia de bombardear as autoridades com cartas de protesto.

Para chamar a atenção da opinião pública sobre a situação dos presos políticos, Benenson e outros ativistas organizaram, em 1961, uma campanha com um ano de duração, à qual deram o nome de “Apelo por Anistia”. A campanha foi lançada por um artigo intitulado “Os prisioneiros esquecidos”, publicado em vários jornais do mundo no dia 28 de maio de 1961. Nesse artigo, pedia-se que os leitores protestassem, imparcial e pacificamente, contra o encarceramento de homens e mulheres somente porque sua ideologia ou religião não coincidiam com a dos seus governantes. Essas pessoas passaram a ser chamadas de “prisioneiros de consciência”, uma nova expressão acrescentada ao vocabulário humanitário internacional.

O artigo teve uma grande repercussão. Em um mês, mais de mil leitores haviam enviado cartas de apoio e ofertas de ajuda prática; também remeteram dados envolvendo casos de muitos outros prisioneiros de consciência. Este viria a ser o motor propulsor da Anistia Internacional: a ação popular de inúmeras pessoas, simples cidadãos. Em conseqüência do apoio recebido, seis meses depois da publicação do artigo, Benenson anunciou o passo seguinte. Estava nascendo aquilo que viria a ser a maior organização de defesa dos direitos humanos do mundo, que em 1977 recebeu o Prêmio Nobel da Paz, pela sua contribuição em “assegurar bases sólidas em favor da liberdade e da justiça, portanto em favor da paz no mundo”.

Sr. Presidente, feito este registro, gostaria de narrar alguns fatos acontecidos nos Estados Unidos, no Brasil e no meu estado, o Rio de Janeiro.

Em recente relatório intitulado “Preconceitos que matam: a dimensão racial da pena de morte nos Estados Unidos”, a Anistia Internacional demonstrou o grau de preconceito racial do sistema penal norte-americano. Segundo o estudo, o sistema judicial estadunidense dá mais valor à vida dos brancos do que dos negros. De acordo com as estatísticas, dos 500 presos executados entre 1977 e fins de 1998, mais de 81% haviam sido condenados pelo assassinato de uma pessoa da raça branca, apesar de em todo o país existir praticamente o mesmo número de vítimas negras e brancas de homicídios.

Também está comprovado que, nos julgamentos de negros acusados de terem matado brancos, a possibilidade de que o réu seja condenado à morte è quase 11 vezes maior do que os casos de assassinatos de negros por brancos. Neste sentido me solidarizo com a campanha internacional pela libertação do ativista negro, o jornalista Múmia Abu Jamal, um dos mais notórios casos da injustiça e do racismo do Judiciário norte-americano. Neste Dia Mundial da Anistia, sou mais uma voz a clamar às autoridades dos Estados Unidos: libertem Abu Jamal.

Embora o relatório da Anistia Internacional concentre-se principalmente nos preconceitos contra a comunidade negra, ele mostra claramente que a discriminação afeta igualmente os hispânicos, indígenas, asiáticos e árabes.

Em nosso país, a absolvição dos oficiais que conduziram o massacre de Eldorado do Carajás, que vitimou 19 trabalhadores rurais, merece ser lembrada, para que possamos lutar pela anulação daquele julgamento, que deixou a opinião pública brasileira e mundial perplexas.

Não podemos nos calar diante da impunidade, sob pena de vivermos a concretização do poema que nos diz: “Primeiro eles vieram e levaram os judeus. Nada fizemos. Não éramos judeus. Depois eles vieram e levaram os comunistas. Nada fizemos. Não éramos comunistas. Depois eles vieram e, não vendo mais ninguém ao nosso lado, nos levaram também.”

Mas essa constante de assassinatos e torturas não é apenas uma realidade do nosso grande Estado do Pará. No Rio de Janeiro, muito recentemente, assistimos estarrecidos o cruel e violento assassinato dos sindicalistas Marcos Otávio Valadão e Edma Rodrigues Valadão, trabalhadores honrados e dedicados, que foram executados numa avenida de grande movimento e em plena luz do dia. Também desejamos que este crime não fique impune.

Ainda no Rio de Janeiro, uma série de reportagens, publicadas há três semanas atrás, no jornal O Globo, e que continuam tendo grande repercussão em toda imprensa nacional, revelou a prática de tortura nas delegacias do Estado. A Corregedoria de Política Civil abriu 53 inquéritos, e dois detetives denunciados por tortura já se encontram presos. O Secretário Nacional de Direitos Humanos, José Gregori, anunciou que vai acompanhar o caso de perto.

Neste ano em que comemoramos os 20 anos da Lei da Anistia não podemos permitir que práticas como as desses maus policiais, nos conduzam a um passado de tristes lembranças.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/10/1999 - Página 26705