Discurso durante a 136ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS A MATERIA VEICULADA NO JORNAL CINFORM, DO ESTADO DE SERGIPE, QUE CRITICA O GOVERNO FEDERAL PELA FALTA DE ESTUDOS SOBRE O PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS NO RIO SÃO FRANCISCO.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • COMENTARIOS A MATERIA VEICULADA NO JORNAL CINFORM, DO ESTADO DE SERGIPE, QUE CRITICA O GOVERNO FEDERAL PELA FALTA DE ESTUDOS SOBRE O PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS NO RIO SÃO FRANCISCO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/1999 - Página 27122
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CINFORM, ESTADO DE SERGIPE (SE), CONFIRMAÇÃO, APROVAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DA PARAIBA (PB), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • NECESSIDADE, CONVOCAÇÃO, FERNANDO BEZERRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO, INTEGRAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, PROJETO, IMPACTO AMBIENTAL, VIABILIDADE, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, PREVISÃO, ABASTECIMENTO, BACIA DO SÃO FRANCISCO.
  • DEFESA, PRIORIDADE, MINISTRO DE ESTADO, DEMONSTRAÇÃO, REALIZAÇÃO, ESTUDO, RECUPERAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, ANTERIORIDADE, APOIO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, no decorrer desta semana li e fiquei preocupado e estarrecido com uma notícia divulgada numa reportagem de uma folha inteira do jornal Cinform, do meu Estado de Sergipe, discorrendo sobre a transposição do Rio São Francisco, projeto tão complexo, delicado para socorrer quatro Estados do Nordeste brasileiro que se ressentem da falta de água.  

Na realidade, Sr. Presidente, nós que compomos a Bancada Nordestina - posso falar, neste instante, dos Estados de Alagoas, Sergipe, Bahia que, à primeira vista, seriam os mais prejudicados se a transposição for realmente feita assim, de forma tão rápida e atabalhoada -, a princípio, somos favoráveis a que o rio da unidade nacional, o Rio São Francisco, possa socorrer populações flageladas de todo o Nordeste do Brasil. Mas, na realidade, o que acontece é aquilo que aqui já foi dito não só por mim, mas também pela Senadora Maria do Carmo, pelo Senador José Eduardo Dutra, pela Senadora Heloisa Helena e por tantos outros Parlamentares com assento na Câmara dos Deputados, mostrando, de forma clara, que o nosso Rio São Francisco está quase morrendo. A Bacia do Rio São Francisco está sendo, ao longo do tempo, maltratada, não apenas porque foi usada por diversos meios como a irrigação, como a energia elétrica e tantos outros, mas também porque não houve iniciativa do Poder Público no sentido de recuperar a vazão do Rio. A sua Bacia está quase morta, principalmente depois das grandes represas construídas ao longo do tempo.  

O jornal Cinform diz:  

"Obras que retiram as águas do São Francisco começam no próximo ano. A abertura de dois canais poderia diminuir o impacto da transposição, mas FHC não quis construí-los. Já está tudo certo. Ainda no primeiro semestre do próximo ano, vão ser iniciadas as obras para retirar as águas do Rio São Francisco. É o projeto de transposição que vai levar o líquido precioso do Velho Chico para quatro Estados nordestinos".  

A Srª Maria do Carmo Alves (PFL -SE) - Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Concedo um aparte a V. Exª, com muito prazer.  

A Srª Maria do Carmo Alves (PFL - SE) - Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, essa questão da transposição das águas do Rio São Francisco é extremamente grave, séria. Trata-se de uma questão nacional e, portanto, não pode ser feita da forma como o Governo deseja, ou seja, sem um projeto claro, sem um projeto tecnicamente definido, sem o estudo do impacto ambiental, sem o estudo do impacto das hidroelétricas que já estão em operação e das que possivelmente poderão ser construídas. E esses estudos não são feitos em três ou seis meses, pois são estudos complexos, Sr. Presidente e Senador Valadares. Não se trata de uma obra de simples engenharia; não é como construir um canal, em que calculo quanto gastarei de cimento e de mão-de-obra. Não é isso. Essa é uma obra complexa. Portanto, nós do Nordeste não podemos permitir que se crie uma visão de que não queremos dar água para os outros Estados. Não é essa a questão, pelo contrário, queremos que os Estados do Maranhão, de Pernambuco, da Paraíba sejam abastecidos criteriosamente, mas não em detrimento dos nossos projetos de irrigação. Em Sergipe, há dois grandes projetos de irrigação, um deles é o grande negócio do Estado: o platô de Neópolis, que será grandemente prejudicado se for feito da forma como está publicado no jornal e afirmado pelo Ministério. Esse projeto, hoje, já está sofrendo em função da baixa vazão do Rio, com o aparecimento de ilhas ao longo do seu leito e o desaparecimento de ilhas próximas da foz, porque o mar já entrando no Rio. Inúmeros peixes de natureza marítima, dos oceanos, estão sendo pescados no Rio São Francisco, em função da escassez de água que ele hoje já detém. Já falamos aqui e também levamos ao Ministério do Desenvolvimento Regional uma sugestão no sentido de que fossem feitos outros estudos de interligação de Bacias, como a do Tocantins e de outros rios, para regularizar o leito do São Francisco e, aí sim, realizar-se a transposição sem maiores problemas. Precisamos, Senador Antonio Carlos Valadares, insistir nesse tema para que nosso Estado não fique prejudicado por uma visão meramente política. Um projeto desse deverá ser extremamente técnico e poderá imortalizar ou enterrar qualquer Ministro ou qualquer Presidente. Era o que tinha dizer. Muito obrigada, Senador Antonio Carlos Valadares.  

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Agradeço o aparte, Senadora Maria do Carmo. V. Exª tem uma profunda visão de futuro, com relação às gerações que encontraram no Rio São Francisco uma forma de desenvolvimento econômico-social da região. Lamentavelmente, contudo, o nosso Rio está sendo destruído pela incompetência ou pela não implementação de políticas públicas que contemplem sua recuperação ou sua vazão. Enfim, o Rio São Francisco, como qualquer outro projeto da natureza, pode ser destruído pela ação do homem, e é isso que está acontecendo.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª me permite um aparte?  

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB -SE) - Senadora Heloisa Helena, com muita satisfação concedo o aparte a V. Exª, que inclusive apresentou um requerimento para a ouvida em audiência pública do Ministro de Integração Social, Senador Fernando Bezerra, que se fará presente às três Comissões - de Assuntos Sociais, de Assuntos Econômicos e de Infra-Estrutura -, que se reunirão em conjunto.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Antonio Carlos Valadares, esse é, com certeza, um requerimento assinado por V. Exª, pela Senadora Maria do Carmo, pelo Senador José Eduardo Dutra e por todos os Senadores desta Casa que têm uma grande preocupação em relação ao tema. Penso que temos que ficar muito indignados mesmo, Senadora Maria do Carmo, especialmente as Bancadas de Alagoas e de Sergipe. Ainda no início do mandato do Ministro, estivemos com S. Exª numa reunião em que discutimos algumas obras fundamentais e estruturais para aqueles dois Estados da Federação, para evitar a condição de pedir esmolas. Sabemos que isso não constrói cidadãos. Naquela oportunidade, mostramos a nossa preocupação em relação à vitalidade do rio. O Ministro disse às duas Bancadas que, até como engenheiro, não se sentiria à vontade de tocar um projeto como esse, porque sabia que havia a necessidade de revitalização do rio. Portanto, não sei. Não deve ser idéia fixa algo assim. Sabemos que quem tem idéia fixa sobre o assunto - e até respeito muito - são pessoas com alguns distúrbios mentais. O problema é o interesse de empreiteiras, é o interesse em saber qual o setor econômico e político que está tão interessado nisso. Já debatemos esse assunto nesta Casa e, com o coração cheio de amor e de solidariedade, gostaríamos de permitir que as águas do rio São Francisco fossem inclusive para outros Estados. Não queremos essas águas apenas para nós. Mas o que não podemos aceitar é que essa transposição seja apresentada como a panacéia que vai resolver os problemas do Nordeste, quando não resolveu nem sequer o dos Estados que são cortados pelo rio São Francisco. Então, não sei que desrespeito é esse do Ministro em relação ao problema. Todos sabemos que o custo da obra, quase R$2 bilhões, nem sequer está previsto no PPA, já que a previsão total é de um pouco mais de R$800 milhões. A obra não abrange somente a parte de engenharia. É preciso verificar o valor do investimento para se aproveitar bem os recursos; quais serão as outras obras complementares, necessárias para garantir o abastecimento de água ao projeto de irrigação; quais serão os investimentos disponibilizados. Num momento como este, a própria imprensa do Senado está mostrando as declarações do Martus Tavares, quando disse que vai cortar mais de R$1 bilhão em investimentos. Será possível que vamos ter mais uma obra inacabada, mais uma que vai comprometer os nossos parcos recursos? O País não prioriza investimento em política social; prioriza simplesmente o pagamento dos juros do serviço da dívida externa. Isso ainda poderá pôr em risco um patrimônio, como disse a Senadora Maria do Carmo, do povo brasileiro. É um patrimônio do Brasil o nosso rio São Francisco. É a nossa única alternativa de recursos hídricos para se garantir o desenvolvimento econômico e social do Nordeste. Existem outros projetos, inclusive no Governo Federal, como a Secretaria Nacional de Recursos Hídricos. A própria Codevasf tem um gigantesco projeto de aproveitamento das bacias hidrográficas do Tocantins, do rio São Francisco, com possibilidade também de levar água para todos os outros Estados do Nordeste. Por que não podemos discutir a matéria? Por que ela tem de ser uma bandeira individual de um Ministro? Qual é a lógica disso? Não há lógica formal, porque não existe estudo técnico. Temos de agir com rapidez. Temos de apressar a vinda do Ministro ao Senado, para que possamos discutir a questão, porque, de repente, faz-se a licitação para a elaboração do projeto. O mais grave é que, depois que ele estiver sido elaborado por não sei quantos milhões de pessoas, dirão: "Mas já existe um projeto elaborado". Será possível que isso não pode ser viabilizado? Portanto, quero saudar o pronunciamento de V. Exª, bem como o da Senadora Maria do Carmo, e dizer que vamos agir conjuntamente. Essa não é uma briga entre os Estados pelos quais passa o rio São Francisco contra os demais. O problema não pode ser visto dessa forma. Temos a obrigação de nos preocupar com esse rio. E o mais grave, Senadora Maria do Carmo, é que existem algumas pessoas que já estão querendo discutir com os Estados da Bahia, de Alagoas e de Sergipe a respeito. Dizem: "Se vocês ficarem favoráveis à transposição, faremos os canais, que são a aspiração desses Estados". Como sabem da necessidade constante das reivindicações de Sergipe e de Alagoas em relação a algumas obras de infra-estrutura, já estão dizendo: "Fiquem favoráveis porque, quem sabe, em meio a essa obra, pode sair a sinalização para que se realizem essas obras de infra-estrutura que vocês estão reivindicando". E isso não podemos aceitar. Portanto, quero compartilhar com V. Exª do seu pronunciamento. Temos de agir com firmeza e com muita rapidez, senão estaremos no sobressalto de uma obra que pode ser iniciada sem a devida discussão com a sociedade, sem relatórios de impacto ambiental, sem zoneamento ecológico. De repente, pode ser mais uma obra de engenharia que dá dinheiro para as empreiteiras e que ainda trará um risco gigantesco ao nosso rio São Francisco e ao futuro, porque o que estamos discutindo é o futuro da nossa Região Nordeste.

 

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Senadora Heloisa Helena, continuando, a matéria do Jornal Cinform diz o seguinte:  

Segundo informações oficiais da Sudene, os Governadores dos quatro Estados beneficiados com o projeto – quais sejam Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco – também já aprovaram consensualmente a vazão de água que será levada aos seus Estados. A vazão, pelo projeto final, terá uma média de 80 metros cúbicos por segundo; isto é, em um ano, serão retirados do rio São Francisco 1,5 bilhão de metros cúbicos por segundo, equivalente à quase totalidade do volume de água acumulado pelo Açude de Orós, no Ceará, um dos maiores do Nordeste.  

Veja V. Exª que os Governadores dos quatro Estados que serão beneficiados com a transposição já foram ouvidos e aprovaram o projeto. Enquanto que os Governadores de Alagoas, Sergipe e Bahia, que têm projetos, que ainda não foram executados, porque o Governo Federal não se debruçou nem se interessou por eles, será foram ouvidos? Acredito que não.  

Os Parlamentares desses Estados lutam muito pela implantação de canais de irrigação, como o do alto sertão de Alagoas, Dois Irmãos, cortando a Bahia, Sergipe e o Xingó. Esses canais ainda não foram construídos porque o Governo Federal não colocou nem no Orçamento da União nem no PPA uma previsão de recursos para a sua realização  

Ora, atualmente não temos água suficiente no rio São Francisco nem para fazer projetos de irrigação, porque, em determinados trechos do rio, após o barreamento, já está faltando água. Há trechos de um metro e meio a 45 centímetros de profundidade. Existe hoje uma cunha salina que permite a invasão dos peixes de água do mar para a água doce do rio São Francisco. Em Neópolis, no Estado de Sergipe, já se pega peixe de água salgada.  

Os problemas ecológicos estão acontecendo com o desmatamento, com a má utilização e com o uso da água da nossa Bacia do São Francisco; e nada se fez até agora em termos de projetos de viabilização de um novo rio São Francisco. Inclusive, o Relatório de Impacto do Meio Ambiente - RIMA - imprescindível para a realização de qualquer projeto que venha a modificar o meio ambiente.  

Por isso, V. Exª tem razão, Senadora Heloisa Helena. Temos que ser rápidos, temos que convocar de imediato o Ministro para que S. Exª dê explicações sérias, mais aprofundadas a respeito desse assunto. Quais os projetos que já foram feitos em torno do impacto ambiental com a transposição do rio São Francisco? Qual a previsão de transposição de outros rios, como o rio Paraná, o rio Tocantins, para abastecer a Bacia do São Francisco?  

O Deputado Marcelo Déda costuma dizer que, em vez de transposição, precisamos de transfusão de água no rio São Francisco, a fim de que se possa regularizar o seu curso e que ele possa ser aproveitado devidamente não só por nossa comunidade, por nossa região como por outras regiões.  

Para terminar, somos favoráveis a que outras regiões sejam abastecidas com as águas do rio São Francisco. Não somos contra. Mas, neste momento, não há água suficiente nem para resolver os problemas dos nossos Estados. Como então socorrer outros?! Seria o caso, então, de o Ministro mostrar, por "a" mais "b", nas Comissões para as quais foi convocado, que todos os estudos estão sendo realizados no sentido da recuperação adequada do rio São Francisco. Feito isso, naturalmente, no futuro, seremos favoráveis a esse projeto, que não vou chamar de megalomaníaco porque respeito muito o Ministro Fernando Bezerra. Na reunião que teve com os Parlamentares, S. Exª disse que nada faria de forma apressada, mas em obediência a um projeto técnico, devidamente estudado pelo seu Ministério. É isso que queremos saber.  

No entanto, não poderíamos deixar de registrar a nossa preocupação diante dessa notícia que já dá como certa a transposição do rio São Francisco sem uma audiência dos Parlamentares e dos Governadores da Região, que, naturalmente, estão preocupados com esse evento que está sendo projetado pelo Ministério da Irrigação, cujo Ministro é do Rio Grande do Norte.  

Compreendo que, politicamente, isso é importante para o nobre Ministro, Senador Fernando Bezerra, mas não devemos, de maneira alguma, colocar em primeiro lugar o interesse político - acredito que não é esse o caso do Ministro -, em detrimento do sofrimento de populações pobres das regiões dos Estados de Alagoas, Sergipe e Bahia.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/1999 - Página 27122