Discurso no Senado Federal

ANALISE DE AUDITORIA OPERACIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO NA AREA DE HABITAÇÃO E HIPOTECA DA CAIXA ECONOMICA FEDERAL, INDICANDO A INCOMPATIBILIDADE ENTRE O FATOR DE INDEXAÇÃO DO SALDO DEVEDOR E A CAPACIDADE FINANCEIRA DOS MUTUARIOS.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • ANALISE DE AUDITORIA OPERACIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO NA AREA DE HABITAÇÃO E HIPOTECA DA CAIXA ECONOMICA FEDERAL, INDICANDO A INCOMPATIBILIDADE ENTRE O FATOR DE INDEXAÇÃO DO SALDO DEVEDOR E A CAPACIDADE FINANCEIRA DOS MUTUARIOS.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/1999 - Página 27250
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH), PREJUIZO, TRABALHADOR, REAJUSTE, PRESTAÇÕES, CASA PROPRIA, PROVOCAÇÃO, INADIMPLENCIA, DEFICIT, HABITAÇÃO, PAIS.
  • CRITICA, DECRETO FEDERAL, DESPEJO, MUTUARIO, SITUAÇÃO, INADIMPLENCIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, IMPEDIMENTO, LEILÃO JUDICIAL, IMOVEL, FINANCIAMENTO, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH).
  • COMENTARIO, RELATORIO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), ANALISE, PROBLEMA, POLITICA HABITACIONAL, BRASIL, AUDITORIA, AREA, HABITAÇÃO, HIPOTECA, SUPERINTENDENCIA REGIONAL, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), SUGESTÃO, ESTUDO, EXCLUSÃO, TAXA REFERENCIAL (TR), MELHORIA, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH).

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Sistema Financeiro Habitacional, idealizado no Brasil como instrumento de política social destinado a oferecer oportunidades de moradia digna aos trabalhadores do País, transformou-se numa verdadeira arapuca a serviço dos agentes financeiros e em prejuízo dos mutuários.  

O que se verifica é que uma fórmula matemática mirabolante reajusta as prestações da casa própria de forma abusiva, tornando impossível o pagamento, já que não há compatibilidade entre as prestações e a realidade salarial brasileira.  

A inadimplência cresce assustadoramente, e o déficit habitacional, da mesma forma. O déficit habitacional neste País chega hoje a 5 milhões de moradias, e 30% do total dos mutuários estão inadimplentes. O mutuário constata, depois de 95% do prazo que tem para pagar o imóvel, que nada pagou, a não ser juros, seguro e taxas. O principal cresceu, e, o que é pior, se levar o imóvel ao mercado, para negociação, constatará que deve mais do que vale o imóvel que adquiriu por meio do Sistema Financeiro da Habitação. E se a inadimplência bate às suas portas, perde o imóvel em leilão, de forma sumária, abrupta.  

O Decreto nº 70/66 é um entulho jurídico autoritário que tem a face do seu tempo: famílias de mutuários são repentinamente jogadas às ruas, sem moradia e sem nenhum tipo de proteção legal. Este decreto tem arrepiado advogados e juízes, pois é um decreto draconiano, que não possibilita ao mutuário sequer a oportunidade de defesa.  

Por essa razão, Sr. Presidente, e como se constatou a impossibilidade de estabelecer a nulidade deste decreto - inconstitucional não é, já que precede a Constituição de 1988 -, nós apresentamos um projeto que pretende extirpar dispositivos deste decreto, impedindo o leilão sumário dos imóveis adquiridos por meio do Sistema Financeiro da Habitação.  

Agora, Sr. Presidente, o Tribunal de Contas da União realiza auditoria que aponta falhas no sistema de política habitacional do País. Constata o Tribunal de Contas da União que "os saldos devedores e as prestações da casa própria são incompatíveis com a capacidade de pagamento dos mutuários, em razão da correção do saldo devedor pela TR e pela inclusão de itens de custos que não refletem o preço real do imóvel". Essa é a principal constatação da auditoria operacional do Tribunal de Contas da União (TCU), realizada na área de habitação e hipoteca das superintendências regionais da Caixa Econômica Federal (CEF).  

O relatório revela que as diversas formas de reajuste das prestações, as altas taxas de juros praticadas no Brasil e os índices inflacionários exorbitantes são os principais entraves ao desenvolvimento auto-sustentado do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). "Seja por beneficiar demasiadamente os mutuários, seja por prejudicá-los, transformando um dos maiores anseios do povo - aquisição da casa própria - em verdadeiro pesadelo, motivado ou pela falta de crédito, ou pelas altas prestações, ou por saldos devedores impagáveis", disse em seu voto o Ministro Adhemar Ghisi.  

A atual sistemática de financiamento da casa própria utilizada pela Caixa contribui de maneira decisiva para a existência de elevados índices de inadimplência, 30% do total, atingindo recursos da ordem de R$ 9 bilhões.  

Mostra o documento que, do total do déficit habitacional, "mais de 94% atinge diretamente as famílias de baixa renda, com rendimento mensal de até cinco salários mínimos mensais, ou seja: R$680,00".  

Portanto, a constatação é que realmente o Sistema Financeiro da Habitação se transformou em "arapuca", especialmente para os trabalhadores de baixa renda.  

De acordo com a auditoria, "torna-se necessária a exclusão da TR como fator utilizado para corrigir os saldos devedores, haja vista que a mesma não representa um índice de variação de preços ou uma valorização dos imóveis, mas apenas juros praticados pelo mercado, sobre os quais incide uma nova taxação." A exclusão da TR, segundo o TCU, representaria para a Caixa Econômica a administração de um sistema enxuto, com a conseqüente redução de custos operacionais.  

Segundo o relatório, os diversos modelos de financiamento implementados pelo sistema, nas últimas décadas, revelam sempre o descompasso entre o reajuste do saldo devedor e a política salarial adotada, que em certos momentos apresentava-se extremamente favorável aos mutuários, com sérios prejuízos ao sistema, e, em outros, favoráveis ao sistema, com prejuízos irreparáveis para os mutuários.  

Verifica-se que, em função do extraordinário número de inadimplentes no País, o prejuízo recai sobretudo sobre o mutuário.  

Ao longo dos anos, o financiamento para o setor encontrou-se em franco declínio. Entre a década de 70 e início da de 80, foram construídos, em média,150 mil imóveis. A partir de 1983, 80 mil, caindo para algo em torno de 47.500, no quadriênio 1990/1993, e até outubro de 1995, apenas 21 mil unidades tinham sido financiadas pela Caixa Econômica Federal.  

No ano passado, constatou-se que o Governo se utilizou de apenas 30% dos recursos disponíveis para a construção de moradias no País. Isso é realmente grave, porque temos um déficit habitacional da ordem de 5 milhões de moradias.  

Quando a tragédia do desemprego angustia a tantos, a não-utilização desses recursos na construção da casa própria significa também negar oportunidades de trabalho a muitas pessoas, já que a construção civil é geradora de empregos. Houve um momento, no Brasil, em que 25% dos empregos urbanos eram oriundos da construção civil. O Governo não tem tido, lamentavelmente, a competência para valer-se deste instrumento de geração de empregos, aproveitando-se de recursos disponíveis do trabalhador, para, além da realização do sonho da casa própria, oferecer também oportunidades de trabalho, num país que é hoje o quarto do mundo em número de desempregados, com 7 milhões de pessoas sem emprego. Cinco por cento do total de desempregados no mundo residem em nosso País.  

De acordo com o TCU, os principais pontos que oneram os empreendimentos financiados pelo Sistema Financeiro da Habitação são as invasões dos imóveis, os acréscimos de encargos financeiros em razão da demora na comercialização, a execução da infra-estrutura e o superdimensionamento da demanda local. O levantamento do TCU comprovou que 34.097 imóveis foram invadidos, com saldo devedor em torno de R$703 milhões.  

O Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) causou prejuízos ao sistema que chegam à soma de US$23 bilhões. Vejam que estamos todos assustados com o prejuízo de R$2,4 bilhões causado pela decisão da Justiça que impede a cobrança dos inativos, dos aposentados. Portanto, US$23 bilhões de prejuízo deveriam assustar-nos muito mais.  

Tais benesses, enquanto propiciaram a uma pequena parte da população moradias a preços irrisórios, impingiram a milhões de brasileiros a falta de crédito por um longo período e, por conseqüência, um déficit habitacional de proporções incalculáveis, culminando com a extinção do Banco Nacional da Habitação. Aliás, esse déficit é certamente bem superior à cifra oficial de cinco milhões de moradias.  

As altas taxas de juros, associadas ao reajuste das prestações desvinculado de uma política salarial, têm tornado a aquisição da casa própria um grande tormento para a maioria da população, pois as prestações e os respectivos saldos devedores, que são inicialmente compatíveis com a sua capacidade de pagamento, ao longo dos anos tornam-se escorchantes, exatamente porque essa fórmula matemática mirabolante reajusta de modo abusivo a prestação da casa própria.  

Os auditores do Tribunal verificaram que o financiamento de um modesto apartamento de 50m 2 , localizado na cidade satélite de Sobradinho, no Distrito Federal, com valor aproximado de R$30 mil, após um ano de pagamento de prestações de cerca de R$500, teve seu saldo devedor aumentado para aproximadamente R$40 mil. Esse valor representa 30% a mais, apesar do pagamento de prestações superiores até ao valor do aluguel de imóvel similar na mesma região.  

Os exemplos são inúmeros e chegam diariamente ao nosso gabinete – em razão do interesse que demonstramos por essa matéria – correspondências de todo o País denunciando os absurdos que ocorrem com o Sistema Financeiro Habitacional.  

O Tribunal recomendou à Caixa Econômica Federal que, ao proceder à alienação dos imóveis, o faça sempre com preço de mercado, independentemente do saldo devedor. Segundo o Ministro Adhemar Ghisi, essa diferença deve ser atribuída a quem provocou a dívida e não ao futuro mutuário: "Não se clama aqui pela atuação de um Estado angelical, generoso até as raias da irresponsabilidade com o dinheiro de todos. Ao contrário, reclama-se e exige-se a atuação do Estado responsável, que não seja o algoz, o carrasco dos sonhos dos que desejam ser apenas respeitados como seres humanos. Nada mais do que isso – ressalvou o Ministro.  

Foi determinado à Caixa Econômica Federal, também, que promova estudos para verificar a viabilidade econômica de excluir a TR como fator de correção do saldo devedor frente a outro índice que, de fato, espelhe o real comportamento da variação dos preços do mercado de imóveis. A instituição financeira deverá, ainda, denunciar à polícia todos os casos de invasão e realizar auditorias de caráter preventivo nas áreas de habitação e hipoteca.  

São conclusões e sugestões oferecidas pelo Tribunal de Contas da União. Sem dúvida, deve ser uma preocupação do Governo adotar uma política habitacional que contemple as necessidades do País e levem em conta a nossa realidade salarial, já que, sem dúvida, moradia digna é direito de todos.  

Quando apresentamos o projeto que pretende excluir do Decreto 70/66 resquícios autoritários que possibilitam o leilão de forma sumária, nós o fizemos exatamente para obrigar os agentes financeiros a uma negociação compatível com a nossa realidade social, aumentando o poder de barganha dos mutuários diante dos agentes financeiros e, de outro lado, para exigir do Governo solução para o impasse que advirá da impossibilidade do leilão.

 

É uma medida inicial, que pode, como conseqüência, permitir a adoção de outras medidas que tornem possível a realização do sonho da casa própria a milhares de trabalhadores brasileiros. Esperamos que o Governo atue firmemente, não só porque é seu dever oferecer oportunidades de moradia digna, mas sobretudo porque é seu desafio maior gerar empregos no País, e este é um instrumento de geração de empregos de força e eficiência.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/1999 - Página 27250