Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE O DESEMPENHO DO GOVERNO FEDERAL E DO PODER LEGISLATIVO.

Autor
Lúdio Coelho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Lúdio Martins Coelho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • REFLEXÃO SOBRE O DESEMPENHO DO GOVERNO FEDERAL E DO PODER LEGISLATIVO.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/1999 - Página 27252
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, QUESTIONAMENTO, OPINIÃO PUBLICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DISPUTA, LIDERANÇA, POLITICA.
  • DEFESA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DECISÃO, ORGANIZAÇÃO, CONTAS, SETOR PUBLICO, ATENDIMENTO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS.
  • REGISTRO, INEFICACIA, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL, EXPECTATIVA, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, LOBBY, ALTERAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, COMBATE, DESEQUILIBRIO, RECEITA, DESPESA.

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, vou aproveitar esta segunda-feira, véspera de feriado, para transmitir a V. Exª e aos Srs. Senadores algumas perguntas que tenho recebido do interior do meu Estado.  

Muita gente pergunta: "E agora, Senador, como vai o nosso País?"  

Ouvindo todos os dias, quase que por unanimidade, críticas, da tribuna do Senado, ao desempenho de Sua Excelência o Senhor Presidente da República.  

Tenho respondido a meus conterrâneos do Mato Grosso do Sul que agora é hora de paciência, de trabalho e de persistência. Tenho a impressão de que o país está chegando a um acerto de contas.  

Vimos, por muitos anos, o Poder Público, de uma maneira generalizada — prefeituras, Estados, autarquias, Governo Federal —, gastando mais do que o que a Nação tinha. Houve épocas em que ouvíamos o eleitor dizer que cidadão fulano de tal roubava mas fazia; outros pregavam que era necessário fazer obras a qualquer custo. Eu sempre dizia que um dia a família brasileira iria pagar por aquela maneira de agir dos administradores do nosso País. Um dia a família brasileira teria que pagar, porque tudo que acontece reflete na família. E hoje a Nação brasileira está assistindo, permanentemente, a disputas entre nossas lideranças: bate-bocas, disputas que mais parecem disputas no society, brigas de comadres.  

Mas não podemos negar, Srs. Senadores, o esforço enorme do Presidente Fernando Henrique, sua persistência enorme, não obstante a queda profunda de apoio da sociedade. O Presidente Fernando Henrique perdeu enormemente o apoio popular, mas está persistindo no único caminho cabível, cometendo alguns equívocos, mas parece-me que o caminho é este: arrumar as contas públicas.  

Uns responsabilizam o Fundo Monetário Internacional, como se estivéssemos seguindo suas ordens. Políticos conscientes acusam o Governo brasileiro de estar obedecendo ao Fundo, esquecendo que o Fundo Monetário Internacional é uma junta médica que cuida de economias doentes. O Fundo Monetário Internacional só cuida de economias doentes de Países que estão com suas economias desarrumadas. E o pessoal aproveita para acusá-lo, dizendo que estamos fazendo isso e aquilo, por ordem do Fundo.  

Não estamos fazendo nada por ordem do Fundo Monetário Internacional! Estamos fazendo o que deveria ser feito: procurando arrumar as contas públicas. O Presidente Fernando Henrique Cardoso já conseguiu parcelar os débitos de quase todos os Estados, de quase todos os grandes Municípios devedores, mas não estamos conseguindo, de uma maneira geral, reduzir os gastos públicos. Continuamos gastando mais do que recebemos; a Previdência Social continua gastando mais do que se arrecada com as contribuições daqueles que trabalham.  

Mas o Presidente Fernando Henrique tem tido a coragem de persistir nessa linha, aceitando a impopularidade, para cumprir com o seu dever de Presidente da República.  

Não conseguimos diminuir as despesas públicas. Não conseguimos melhorar as nossas exportações, mas não há outra saída. Temos que persistir nessa linha.  

O Sr. Álvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Lúdio Coelho, V. Exª me permite um aparte?  

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB - MS) - Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Álvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Lúdio Coelho, V. Exª, mais uma vez, focaliza a questão crucial para a consolidação da estabilidade econômica no nosso País. A dívida pública continua irrefreável. Em que pese aos esforços de V. Exª na tribuna em creditar ao Presidente Fernando Henrique Cardoso um grande esforço no que diz respeito à redução do déficit público, lamento ter que discordar, porque tenho visto o Presidente muito conivente no que diz respeito ao endividamento dos Estados brasileiros, permitindo que a dívida pública cresça de forma assustadora. Um Estado como o Paraná, por exemplo, que, até poucos anos, era extremamente organizado, com finanças públicas saneadas, hoje tem a maior inadimplência no País. Foi a dívida pública que mais cresceu nos últimos anos no Brasil. Tudo isso com a complacência e conivência do Governo Federal. Em que pese aos esforços no que diz respeito às contas da União, tem havido muita condescendência em relação ao comportamento de alguns Governos estaduais. Enquanto alguns Governos se organizam e chegam ao saneamento financeiro - podemos citar São Paulo, Maranhão, que hoje é um Estado com finanças equilibradas; Pará; Ceará e Bahia - temos outros Estados, lamentavelmente, nadando nos mares da incompetência administrativa, com péssimo gerenciamento financeiro, o que desequilibra as contas públicas e contribui para que o crescimento econômico seja nulo. E, naturalmente, com o crescimento econômico nulo, o desemprego é crescente e assustador. Mas esperamos que as previsões dos economistas das diversas correntes possam concretizar-se, com o País voltando a crescer a partir do próximo ano, apesar da condescendência do Presidente da República no que diz respeito ao endividamento de alguns Estados brasileiros.  

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB - MS) - Senador Álvaro Dias, agradeço o aparte de V. Exª e, com ele, concordo em parte. Penso apenas que V. Exª esqueceu de completar o raciocínio. Deveria dizer: condescendência do Presidente da República e a conivência do Congresso Nacional. Aí V. Exª estaria sendo mais completo, porque todos os empréstimos feitos aos Estados, aos Municípios e ao País foram aprovados neste Senado. Estou aqui há quase cinco anos e não assisti ao Senado recusar nenhum empréstimo, não obstante, muitas vezes, com pareceres contrários do Banco Central.  

O Sr. Álvaro Dias (PSDB - PR) - V. Exª tem razão, Senador Lúdio Coelho. Faltou realmente completar o raciocínio, como bem disse V. Exª. O Senado tem sido também conivente. Poucos Senadores resistem aos apelos de natureza política e votam contra a concessão de empréstimos, mesmo aqueles que contrariam todas as resoluções. Estamos afrontando, rasgando diariamente as resoluções que são aprovadas pelo próprio Senado Federal. Enquanto isso, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que é mérito do Governo e do Presidente, porque a encaminhou ao Congresso, continua tramitando morosamente na Câmara dos Deputados. É preciso que essa lei seja uma ameaça aos irresponsáveis, no que diz respeito ao endividamento público.  

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB - MS) - Muito obrigado, Senador Álvaro Dias.  

O Sr. Álvaro Dias (PSDB - PR) - Apenas, Senador Lúdio Coelho, inspirado pela presença aqui do nosso ex-Presidente José Sarney, quero fazer justiça a um dos Ministros da Fazenda, o ex-Ministro Mailson da Nóbrega, que se preocupou e muito com a questão da dívida pública e, durante dois anos - não me lembro bem do período em que esteve à frente do Ministério da Fazenda - em que esteve à frente daquela Pasta, o Ministro impediu que qualquer empréstimo público fosse concedido a Estados em situação de liquidez. Aliás, nem mesmo os Estados com boa situação financeira puderam contrair novos empréstimos, em função da política adotada, sob orientação do Presidente José Sarney, pelo Ministro Mailson da Nóbrega. Faço questão de registrar esse fato como um bom exemplo.  

O SR. LÚDIO COELHO (PSDB - MS) - Muito obrigado, Senador Álvaro Dias. Estou de acordo: o Ministro Mailson manteve-se naquela linha traçada pelo Presidente Sarney na época.  

Sempre digo àqueles que me perguntam como vai terminar este assunto que me parece que o tempo vai levar a sociedade brasileira a tomar consciência do que se está passando. Vamos ter que redesenhar a máquina pública brasileira vagarosamente, a partir dos Municípios, dos Estados, das Câmaras, das Assembléias, do Congresso Nacional. A máquina pública brasileira precisa ficar do tamanho das nossas receitas e os gastos públicos precisam ficar menores que as receitas, porque os impostos e tributos não são feitos somente para pagar os funcionários e o funcionamento da máquina pública.  

Todos que passaram pelo poder, ou pelo menos quase todos, e os que estão no poder foram eleitos pela população brasileira. Acredito que, sendo assim, só a própria população vai forçar os homens públicos a adotar uma linha adequada. Estamos vendo as dificuldades de Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que se conserva firme no propósito de manter a estabilidade da moeda, porque parece que não existe nada pior para a população que a inflação.  

Quando fui Prefeito de Campo Grande, peguei o auge da inflação. Houve mês em que ela foi maior do que 80% - se não me engano, 87%. Cheguei a pagar a folha de pessoal quinzenalmente, porque os salários perdiam por completo o poder de compra.  

Há pouco o Senador Lúcio Alcântara falava aqui sobre a situação do Nordeste e da Amazônia. Somos um País em que há uma diferença de rendimentos entre as pessoas enorme, com bolsões de pobreza absoluta. Temos um País continental, e as coisas efetivamente não são fáceis.  

O Congresso Nacional não conseguiu fazer a propalada reforma política. Hoje, temos 38 Partidos políticos no Brasil, e não demos conta de fazer isso no Congresso. Se formos aguardar que aconteça o que ocorreu nos Estados Unidos ou na Inglaterra, onde a população, com a passar do tempo, aglutinou-se em torno de Partidos políticos que melhor representavam os interesses públicos, tenho a impressão de que levará muito tempo.  

Não conseguimos fazer a reforma da Previdência na sua totalidade, para que ela só gaste o correspondente ao que é pago por quem trabalha e para que o restante da sociedade não sustente os beneficiários.  

Não conseguimos fazer a reforma tributária nem a reforma do Poder Judiciário. Então, isso me leva a pensar que só a pressão da sociedade vai reformar o comportamento dos homens públicos do nosso País. E é preciso que haja mudança de comportamento. Todos os setores da Administração Pública são objeto de críticas permanentemente desta tribuna - críticas à saúde, à educação, à segurança, à justiça, aos transportes! De onde vamos tirar recursos? Da saúde para injetar na educação? Da segurança para destinar à justiça? Como transferir recursos, se não os temos absolutamente para nada disso? Portanto, é preciso haver mudança de comportamento, aprimoramento na maneira de gastar os recursos públicos.

 

Tenho transmitido ao Governo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso deveria dizer à Nação, com clareza, qual o quadro que vivemos hoje. Nosso desenvolvimento é remoto! Nosso crescimento econômico, único caminho capaz de gerar emprego e de combater a pobreza, é remoto! Como vamos fazer face a cerca de R$100 bilhões que a Nação tem de pagar de juros por ano? Temos uma dívida de US$480 bilhões, sendo que US$380 bilhões são de dívida interna, a juros altíssimos. Como faremos face a isso?  

Então, penso que o Presidente Fernando Henrique deveria dizer à Nação com clareza que passaremos por um período que exigirá muito trabalho, muita economia e muito sacrifício. Não adianta dizer que daremos saúde de Primeiro Mundo à população brasileira com renda de Terceiro Mundo. Ofereceremos à Nação brasileira serviços do tamanho das nossas receitas. Não adianta, o resto é conversa fiada.  

Permanentemente tenho escutado desta tribuna críticas contundentes ao Presidente da República, mas quero dizer à Nação brasileira que o Senhor Presidente é um grande patriota, que tem feito um esforço enorme, não obstante a incompreensão de setores importantes da vida pública brasileira, para levar o País a bom caminho. O que estamos colhendo é o que se plantou nos últimos 50 anos: prefeitos, autarquias e administração pública de uma maneira geral a gastar mais do que podiam, sob o aplauso da população, que não compreendia a gravidade da irresponsabilidade de se gastar o que não se tem.  

Sempre falo de uma maneira simples: a Administração Pública é muito parecida com os princípios da administração da família. Nenhuma família pode gastar permanentemente mais do que ganha. Pode gastar num parto, numa doença, num casamento, mas não pode gastar permanentemente, sob pena de trazer o desequilíbrio para o lar, de as meninas fugirem de casa, de o marido largar da mulher. Nação é assim, e o Poder Público tem que seguir esses princípios; mas há uma turma de "modernos" pensando que é diferente, e que levou o País a esta situação de absoluta dificuldade.  

Ouvimos agora mesmo o discurso verdadeiro do Senador Álvaro Dias sobre o sistema habitacional, em que a pessoa paga e fica devendo mais do que o valor do imóvel. Os companheiros agricultores brasileiros estão na maior dificuldade. Erros graves foram cometidos no começo do Plano Real: aquela supervalorização da moeda e outros mais graves ainda; mas esses erros já cometemos e agora temos de consertá-los.  

A Nação brasileira tem que se dedicar ao trabalho. Não há outro caminho, a não ser trabalho e perseverança. Esta Nação é muito boa. Não temos furacões, como se vê nos Estados Unidos. Temos a seca no Nordeste e aquela população que me dá tristeza, pois há famílias passando sede em pleno século XX. Desde criança - e faz muito tempo -, escuto falarem sobre a seca nordestina e sobre as dotações que a Nação fazia, mas cujo paradeiro era desconhecido. No entanto, não temos tido competência para eliminar a sede das famílias, em pleno século XX. É o fim da picada! E estamos assistindo a Nação gastar muitos recursos lá, desde que é Nação.  

Entretanto, em todo o caso, somos uma Nação nova. Estamos fazendo 500 anos, mas na realidade, há um século atrás, tínhamos uma população muito pequena. Parte muito pequena do território nacional era ocupada; era quase só a costa. Todo esse Brasil aqui é novo. Esse enorme Brasil central é novo. Há regiões ocupadas quase que de 50 anos para cá. Temos capacidade de trabalho e, graças a Deus, não temos conflitos raciais e religiosos. Precisamos é de trabalho. É nisso que estou pensando.  

Agradeço a paciência de V. Exª, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/1999 - Página 27252