Pronunciamento de Nabor Júnior em 11/10/1999
Discurso no Senado Federal
CRITICAS AS DECLARAÇÕES DO LIDER DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, JOÃO PEDRO STEDILE, DURANTE MANIFESTAÇÃO DENOMINADA MARCHA POPULAR PELO BRASIL, REALIZADA EM BRASILIA.
- Autor
- Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
- Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
REFORMA AGRARIA.:
- CRITICAS AS DECLARAÇÕES DO LIDER DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, JOÃO PEDRO STEDILE, DURANTE MANIFESTAÇÃO DENOMINADA MARCHA POPULAR PELO BRASIL, REALIZADA EM BRASILIA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 12/10/1999 - Página 27242
- Assunto
- Outros > REFORMA AGRARIA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, DESNECESSIDADE, VIOLENCIA, REIVINDICAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, PREJUIZO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, REFORMA AGRARIA.
- CRITICA, PRONUNCIAMENTO, JOÃO PEDRO STEDILE, LIDER, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, REFERENCIA, POSSIBILIDADE, UTILIZAÇÃO, VIOLENCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, REIVINDICAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
O SR. NABOR JÚNIOR
(PMDB - AC. Pronuncia os seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão da terra no Brasil ganha contornos crescentemente agudos e ameaçadores, em virtude dos problemas que a cercam. Não se pode concentrar a culpa da situação em qualquer autoridade, pessoa ou movimento de qualquer matiz ideológico; o ônus dos erros cometidos em cinco séculos têm de ser partilhados por toda a sociedade, que deve inspirar, igualmente, a proposta capaz de quebrar os atuais impasses.
A primeira preocupação das parcelas responsáveis pela cidadania deve ser no sentido do desarmamento dos grupos paramilitares, que montam guarda nas fazendas ameaçadas de invasão, desarmando-se também o espírito dos líderes dos trabalhadores.
O clima de violência latente não trará qualquer contribuição positiva para o encaminhamento da questão; ao contrário, só produzirá acirramento de ânimos e o endurecimento recíproco das posições. Cada denúncia de formação de tropas de jagunços por um proprietário é rebatida com o alarme em torno de propostas radicais, lançadas por dirigentes das organizações ligadas aos sem-terra.
Todos lemos, na edição da última sexta-feira de O Globo , as declarações do Sr. João Pedro Stédile, propondo a realização de manifestações violentas; destruição de postos de pedágio nas rodovias e até mesmo o fechamento das mesmas; o boicote no fornecimento de energia elétrica. Tudo isso, em meio a uma onda de invasões de propriedades rurais em diversas regiões do País.
Falando aos demais participantes da Marcha Popular pelo Brasil, o Sr. Stédile não mediu palavras, nem teve limites em suas investidas contra a sociedade.
Perdoem-me V. Exªs se me vejo forçado a, mesmo sob constrangimento, conspurcar os Anais da Casa com palavras chulas, mas são citações textuais, estampadas entre aspas na matéria do consagrado matutino do Rio de Janeiro: "o objetivo é derrubar o modelo econômico do Governo e dar um pontapé na bunda do FMI".
E os chutes que ele pretende dar no povo brasileiro também são perigosos: "que os trabalhadores cruzem os braços nas fábricas, parem as barragens e não deixem as hidrelétricas funcionarem; quer, também, que todo sem-terra invada um latifúndio e que os 52 milhões de estudantes não compareçam à escola. Aos que moram perto dos pedágios das rodovias, sugeriu que quebrem os equipamentos, pois, a seu ver, o pedágio é mais uma exploração imposta pelo FMI".
Encontramos nessas propostas dois tipos de intenção: o primeiro é legítimo, no sentido de que as pessoas usem os recursos propiciados pela democracia para manifestar desagrado ou apoio a qualquer atitude de qualquer pessoa. A greve dos trabalhadores, assim como o pronunciamento dos jovens nos pátios escolares e em seus portões, é um direito sagrado.
Inaceitável, todavia, é o incentivo à depredação dos postos de pedágio; é a tentativa de condenar às trevas toda a população, por meio da paralisação das usinas hidrelétricas; é a invasão indiscriminada de glebas rurais, o que propiciaria uma explosão de violência fora de qualquer controle ou medida.
Sou a favor da reforma agrária, porque defendo a função social da terra; não aceito que o Brasil tenha de importar gêneros alimentícios, enquanto imensas vastidões rurais permanecem abandonadas ou com um aproveitamento muito inferior às suas potencialidades. Condeno, com veemência, a formação de milícias privadas para atacar quem apenas quer produzir comida e conquistar meios para criar os filhos. No entanto, existe uma distância muito grande em propiciar um explosivo clima de violências e agressões às estruturas da democracia!
Vejo, neste plenário, homens e mulheres que dedicaram toda a vida à causa da liberdade, à luta contra a tirania, aos combates diuturnos em prol da reconstrução das instituições que se assentam no debate franco, na prevalência das leis e na soberania da Justiça. Vivemos tempos sinistros, no finado regime militar; não podemos repetir aquelas experiências tenebrosas, mesmo invertendo os sinais: da extrema direita para a extrema esquerda.
O destempero verbal do Sr. Stédile é perigoso, pela posição preponderante que desfruta dentro do movimento dos sem-terra. Todos somos pessoas experimentadas na vida pública e sabemos que um carbonário irresponsável é capaz de levar a massa ensandecida a cometer as maiores atrocidades — e não falo de direita ou de esquerda; falo de situações concretas, como os discursos de Adolf Hitler, que empolgou toda a Alemanha e resultou nos terríveis episódios que mancharam, indelevelmente, as páginas da História da Humanidade.
O lado positivo de todo o episódio pode ser encontrado nas reações de pessoas sensatas, dotadas de responsabilidade política e social. O Senador Eduardo Suplicy, sem abrir mão de sua coerência ideológica, deu ao tema um louvável tom de equilíbrio. Disse S. Exª: "Apóio a luta por justiça e dignidade, mas não posso deixar de discordar de táticas violentas. Acho que foi um exagero de linguagem".
O pronunciamento do Ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, um dos mais importantes líderes políticos de nossos dias, foi no mesmo sentido, o de condenar o destempero emocional do principal líder do MST: "Concluo que a manifestação tenha ocorrido num momento de exaltação. Acho que, ao voltar à realidade, o Sr. Stédile perceberá o quão importante é o respeito às leis e ao estado de direito. São esses os princípios que garantem a livre manifestação".
Alguns membros do Governo cogitam de acionar mecanismos repressivos, como a Lei de Segurança Nacional, para punir o Sr. João Pedro Stédile por seus desatinos.
Entendo o critério de responsabilidade que dá base a essas iniciativas, mas acredito que sua adoção deve ser precedida de avaliações serenas, quando se fizerem mais distantes as manifestações que tumultuaram a vida de Brasília no final da semana passada. A principal dúvida a ser respondida, na prática, no que toca ao uso ou não da Lei de Segurança Nacional, é prática e objetiva: deve-se usar esse instrumento, remanescente da ditadura, para apagar incêndios em uma área sensível e explosiva como a questão agrária? Ao invés de eliminar focos deflagrados, não estaremos criando novos, com previsíveis repercussões na ordem pública interna e na imagem externa do País?
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos permitir que o destempero de uns poucos jogue o Brasil no lodaçal da violência política; a provocação às autoridades não deve ser respondida com truculência policial ou uso de velhas ferramentas, forjadas no regime militar. De outra parte, a Nação tem o direito, até mesmo o dever, de defender-se de agressões e ameaças, como aquelas contidas nas exortações do Sr. Stédile.
É preciso prudência para atender a todas essas questões, conciliando o que puder ser conciliado. Mas o que for proposto em termos irracionais, ou contrários à ordem democrática, deve ser enfrentado com a firmeza do diálogo sereno e equilibrado. Sem esquecer, jamais, o risco que um fósforo aceso pode representar para o tanque de combustível que apresente vazamentos.
A palavra, já dizia Marco Aurélio, é a mais poderosa das armas. Para defender-se do discurso malévolo, a sociedade deve usar o verbo límpido, positivo e luminoso. E a nós, como líderes da consciência nacional, incumbe a tarefa de apontar esses caminhos construtivos, dobrando resistência à direita e contornando radicalismos à esquerda.
Nesse equilíbrio, e apenas nele , poderemos encontrar as verdadeiras soluções para o grave problema centenário da ocupação da terra e da exploração dos recursos agropecuários no Brasil.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
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