Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS QUESTÕES DE SEGURANÇA NA AMAZONIA LEGAL. DEFESA DA REATIVAÇÃO DO PROGRAMA CALHA NORTE.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE AS QUESTÕES DE SEGURANÇA NA AMAZONIA LEGAL. DEFESA DA REATIVAÇÃO DO PROGRAMA CALHA NORTE.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/1999 - Página 27246
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • DENUNCIA, OCORRENCIA, ABANDONO, FRONTEIRA, REGIÃO NORTE, ESPECIFICAÇÃO, POSSIBILIDADE, INTERVENÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, REGIÃO AMAZONICA.
  • LEITURA, EDITORIAL, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), REFERENCIA, POSSIBILIDADE, ARTICULAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, CISÃO, REGIÃO AMAZONICA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REFERENCIA, ATENÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, POSSIBILIDADE, INTERVENÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, NECESSIDADE, REATIVAÇÃO, PROGRAMA, DEFESA, FRONTEIRA, REGIÃO AMAZONICA, GARANTIA, SOBERANIA NACIONAL, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde que assumi o meu mandato como Senador, representando o Estado de Roraima, em fevereiro deste ano, tenho denunciado desta tribuna o descaso e o abandono a que estão relegadas as imensas fronteiras norte e oeste do Brasil, mais precisamente a fronteira da Amazônia brasileira com os países vizinhos, a começar pela Guiana Francesa, o Suriname, a Guiana (ex-Guiana Inglesa), a Venezuela, a Colômbia, o Peru, a Bolívia e o próprio Paraguai. Muitos Parlamentares e mesmo outros ilustres brasileiros também têm alertado o Brasil para os riscos da perda da Amazônia, em face da cobiça internacional. Não é de hoje, aliás, que a ação contra a unidade brasileira na região vem sendo denunciada. Mas o Brasil, com raros momentos de exceção, vem sendo pensado e vivido apenas no litoral.  

O que avançou, e muito, foi a ação internacional para a fragmentação da Amazônia. Sobre o assunto, quero transcrever integralmente o editorial publicado no Correio Braziliense de 10 de outubro deste ano, sob o título RISCO AMAZÔNICO:  

O mapa da Europa modificou-se várias neste século. Países surgiram e desapareceram. Fronteiras andaram de um lado para o outro. Estados se dividiram e se reuniram. Impérios surgiram e terminaram. Aquilo que parecia sólido e eterno desmanchou-se no ar. O Velho Continente é exemplo vivo da força política e de suas surpreendentes conseqüências.  

Nas Américas, os limites territoriais foram fixados nas lutas pela independência realizadas no século passado. Ao norte, os desbravadores do oeste conquistaram a Califórnia aos espanhóis e invadiram o norte do México. No sul, as antigas colônias espanholas se libertaram do colonizador, construíram novas repúblicas e contornaram o Império do Brasil. Os limites das fronteiras foi respeitado ao longo da história, com exceção da guerra do Paraguai.  

É oportuno lembrar a convivência pacífica entre países fronteiriços após o encontro do Presidente Fernando Henrique Cardoso com Andrés Pastrana, da Colômbia. Alguns centros de estudos políticos norte-americanos entendem ser viável que ocorra nas Américas fenômeno semelhante ao verificado na Europa. E o principal exemplo é a Colômbia. Quase a metade do país já não responde ao comando de Bogotá. Lentamente, as áreas liberadas por traficantes e guerrilheiros estão conseguindo autonomia. O país está se dividindo.  

Trata-se de exemplo fortíssimo. Eloqüente. O crime organizado, o tráfico de drogas, a desorganização do Estado e a ineficiência dos governos adubaram o campo onde brotou o vírus da desestruturação do país. O Presidente Fernando Henrique, que se dispõe a auxiliar a Colômbia naquilo que lhe for solicitado, tem muito a observar na fotografia que reproduz a situação do vizinho.  

A fronteira entre Brasil e Colômbia tem mais de 1.600 quilômetros. É aberta. Uns poucos soldados, com equipamento ultrapassado, fazem a vigilância da região. Recentemente começaram a funcionar quatro radares do Projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), mas a Força Aérea Brasileira não tem autorização para derrubar aviões intrusos. É tudo muito fácil naquele trecho. O tráfico de drogas encontra avenida pavimentada à sua frente. Já faz estragos no Acre e em Rondônia. Contaminou a política. Foi esse o caminho da Colômbia. Quando os dirigentes abriram os olhos, o mal estava feito.  

Um país corre o risco de escorrer pelo ralo da história e se dividir de forma dramática. O Panamá é filho de uma costela colombiana. Existe essa tradição por lá. É bom lembrar que a Amazônia é uma só. Caso surja novo país, independente e autônomo na região, seus limites serão definidos pela arbitragem das armas e dos tribunais internacionais. Os brasileiros não são especialistas em nenhum dos dois quesitos.  

Os dois Presidentes concordaram, no encontro de Letícia, em defender a democracia, o estado de direito e admitiram que o caminho da paz deve-se realizar sem ingerências externas. São bonitas palavras. E melhores as intenções. Mas, pela primeira vez no século, há uma efetiva ameaça na fronteira norte: "Não se trata da hipotética cobiça internacional. É o risco amazônico."  

Quero também, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, transcrever o artigo da lavra do jornalista Márcio Moreira Alves, no jornal O Globo , intitulado "Riscos na Amazônia":  

As nações desenvolvidas devem estender o domínio da lei que é comum a todos no mundo. As campanhas ecológicas internacionais sobre a Região Amazônica estão deixando a fase propagandista para dar início a uma fase operativa, que, obviamente, pode ensejar intervenções militares diretas na região", disse John Major, Primeiro-Ministro britânico, em 1992.  

A afirmação foi recolhida pelos militares brasileiros. Não sei em que circunstâncias Major fez essa declaração, a mais direta que um chefe de governo de um país industrializado jamais fez sobre o assunto. No entanto, ela se junta a outras, de conteúdo semelhante: "O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia", disse François Mitterand, em 1989; o chefe do serviço de informações das Forças Armadas dos Estados Unidos, Patrick Hugles, respondendo a uma pergunta durante um debate, em abril de 1998, disse: "Caso o Brasil resolva fazer um uso da Amazônia que ponha em risco o meio ambiente dos Estados Unidos, devemos estar preparados para interromper esse processo imediatamente".  

Apesar da clareza dessas declarações, os diplomatas acham que os militares erram o alvo quando acreditam no risco da Amazônia ser invadida por uma potência industrializada. Indagam o motivo para quererem ocupar oficialmente a região. Não há de ser pela sua biodiversidade e pelos tesouros ainda por descobrir da sua fauna e da sua flora. Perguntam: por que os americanos mandariam os marines se podem comprar na feira ou recolher no mato as plantas e os bichos cujos princípios ativos podem servir à sua indústria farmacêutica, quando isolados e patenteados? Sobre esse tipo de comércio não há o menor controle. Tanto assim, que a maior empresa de peixes amazônicos para aquários é da Alemanha. Muito mais ameaçadores, como pretexto para uma intervenção, são os narcotraficantes, que entram e saem da região à vontade, e os militares fingem que não os vêem. Segundo os diplomatas, é a destruição da floresta que pode também dar pretexto a intervenções, e é ao seu controle que se referem políticos como Mitterand, quando lançou a teoria da soberania limitada. Mas, antes de apelar para as armas, os desenvolvidos apelam para o dinheiro. Esta é a razão de terem assinado, durante a Rio-92, no Rio de Janeiro, o Programa PPG-7, um fundo de financiamento de centenas de milhões de dólares, do qual falaremos outro dia. Controlar as queimadas e incêndios é ainda uma das razões da prioridade dada pelos Estados Unidos ao financiamento do Projeto Sivam, cujas obras civis já estão avançadas e que já tem quatro radares funcionando, como a comissão de congressistas pôde ver em São Gabriel da Cachoeira. Sivam quer dizer Sistema de Vigilância da Amazônia e é o maior projeto de controle do meio ambiente em curso no mundo. Os radares do Sivam, embora concebidos para controlar as centenas de vôos ilícitos que ocorrem todos os dias na Amazônia, de pouco servirão, na prática, para combater o narcotráfico. É que a lei, aprovada no Congresso, que permite aos caças da FAB abater aviões ilícitos, não foi regulamentada. Não foi nem será – dizem os diplomatas –, porque os Estados Unidos não deixam. Os peruanos já abateram dezenas de aviões, usando os caças tucanos que nos compraram, mas é porque, no Peru, a operação é controlada pela DEA americana. O Brasil não toleraria uma intromissão semelhante.  

Os militares não querem saber dessas sofisticações de análises. Para eles, tanto faz se a intervenção estrangeira tem como pretexto a destruição do meio ambiente ou o combate ao narcotráfico. Tratam de se preparar para uma guerra de guerrilhas, porque sabem que Forças Armadas não se improvisam na hora de necessidade. Ou existem e têm unidades de pronto emprego, ou o País fica indefeso.  

O Centro de Treinamento de Guerra na Selva, em Manaus, é um dos melhores do mundo, se não for o melhor. Lá, os combatentes aprendem, com duros exercícios, a sobreviver na floresta, bebendo água das plantas e comendo o que podem apanhar, cobras inclusive. Nas aulas teóricas, lêem os trabalhos de Ho Chi Minh, do General Giap, de Che Guevara. As muitas ações sociais que desenvolvem, tratando da população civil nos seus hospitais, difundindo o ensino do português nas escolas, no fundo fazem parte da preparação militar. É o povo quem sustenta uma guerrilha, como os americanos descobriram no Vietnã, quando uma divisão vietcongue completa, com artilharia e tudo mais, brotou debaixo da terra em Saigon, na ofensiva do Tet, que acabou de desmoralizar as mentiras do Pentágono sobre a boa condução da guerra.  

Portanto, nada há a estranhar quando o General Lessa, comandante militar da Amazônia, escolheu o Deputado Federal e ex-guerrilheiro José Genoíno para falar, em nome do Congresso, a um batalhão, formado, armado e de cara pintada, no Centro de Guerra na Selva.  

Enquanto a maioria das elites intelectual, política e empresarial brasileiras se concentra, pensa e vive no eixo Rio-São Paulo, tratando a Amazônia como quintal do Brasil, a ação internacional vai dominando sorrateiramente uma área que corresponde a quase dois terços do País. Só o Estado do Amazonas é maior que os sete Estados do Sul e do Sudeste. Cada vez mais procura-se concentrar o desenvolvimento nessas regiões, levando-se em conta apenas o dado demográfico. Parece até que a Amazônia é um quintal cercado, protegido e desocupado, que deve ser mantido assim em benefício do grande "Sul maravilha". Mas o próprio Sul vem pagando caro por essa visão míope dos governantes, pois a migração das regiões mais pobres para as grandes cidades e a transformação das nossas fronteiras amazônicas em canal aberto para o narcotráfico e o contrabando de armas terminam por causar estragos naquelas cidades, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde as drogas e as armas ganham força a cada dia. É pelo "quintal" que estão entrando. A Colômbia deveria ser o exemplo mais perfeito para o Brasil.

 

Quero, para ilustrar ainda mais as minhas palavras, transcrever notícia publicada no Jornal do Brasil , de 8 de outubro, com a seguinte manchete: "Colombiano alerta o Brasil".  

Militar recomenda combate rigoroso aos narcotraficantes e aos guerrilheiros.  

O comandante do Exército da Colômbia, General Harold Bedoya, ex-Ministro da Defesa, recomendou a adoção de providências para o combate mais rigoroso ao narcotráfico, advertindo que, em caso contrário, o Brasil poderá viver situação grave como a colombiana. Bedoya aproveitou para confirmar a presença de sete guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e do Exército de Libertação Nacional (ELN) atuando livremente no Brasil.  

"Se o Brasil não tomar uma providência neste ano ou no próximo, a situação pode ficar tão grave quanto na Colômbia", afirmou o militar, durante depoimento de uma hora e cinco minutos na Comissão Parlamentar de Inquérito do Narcotráfico na Câmara dos Deputados. "A sorte da Colômbia é a sorte do Brasil. A desgraça da Colômbia também é a desgraça do Brasil", completou.  

Harold Bedoya disse que há máfias atuando em conjunto na Colômbia, Brasil, Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, Espanha e Bélgica – países apontados por ele como grandes produtores e abastecedores do mercado da droga no mundo. Segundo o general colombiano, a máfia brasileira é especializada em compra e venda de armas para abastecer o mercado da droga.  

Infiltrados. O comandante do Exército da Colômbia alertou que sete agentes das FARC e do ELN atuam no Brasil, em Brasília e em cidades-chave para o narcotráfico mundial na Região Amazônica. Mesmo portando uma lista com os nomes dos sete guerrilheiros, guardada no bolso, o General não quis divulgá-la para a CPI nem para a imprensa. O Jornal do Brasil revelou, no mês passado, a presença em Brasília de dois desses militares, pertencentes às FARC: Hernán Ramirez e Oliverio Medina. Mesmo sem ter citado nomes, Bedoya disse que os agentes publicam artigos em jornais brasileiros e conversam com autoridades.  

"A ação de combate ao narcotráfico deve ser global", defendeu o General. "Não é um problema único da Colômbia. O que está em jogo é toda a riqueza ecológica da Região Amazônica".  

O Presidente Fernando Henrique Cardoso tem adotado algumas medidas para reverter essa situação. Mas precisa intensificar as ações do Governo Federal na Região Amazônica e corrigir algumas outras, como a entrega de muitas ações do Governo para ONGs – Organizações Não-Governamentais –, com nítidos e profundos vínculos internacionais. Até mesmo a saúde indígena está sendo passada para o domínio dessas entidades, e o mais grave é que é feito com o repasse de verbas brasileiras para essas organizações, enquanto o Exército, a FAB e a Marinha passam pelo pior período de restrição de recursos e, portanto, ficam limitadas na importante tarefa de defender nossas fronteiras, inclusive dando, como sempre deram, assistência às comunidades indígenas e não indígenas que habitam os distantes municípios fronteiriços da Amazônia brasileira.  

É hora de pensar na Amazônia de maneira mais nacionalista e com a visão de que todos pagaremos a conta pela desagregação daquela imensa área ainda brasileira!  

É necessário reativar o Programa Calha Norte, aumentar os investimentos nos municípios localizados na faixa de fronteira e criar novas Unidades da Federação por desmembramento de áreas dos gigantescos Estados do Amazonas, Pará e Mato Grosso, bem como criar pólos de desenvolvimento sustentado em toda a Região Amazônica.  

A hora é agora. Se não fizermos agora, não faremos nunca mais!  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/1999 - Página 27246