Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEFICIT PUBLICO BRASILEIRO.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEFICIT PUBLICO BRASILEIRO.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/1999 - Página 27605
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, DADOS, DIVIDA PUBLICA, BRASIL, OMISSÃO, GOVERNO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, FALTA, RESPONSABILIDADE, ESTADOS, MUNICIPIOS, CRITICA, TENTATIVA, COBRANÇA, CONTRIBUIÇÃO, APOSENTADO.
  • GRAVIDADE, FALTA, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL, PROVOCAÇÃO, DESEMPREGO.
  • ANALISE, EFEITO, CRESCIMENTO, DIVIDA PUBLICA, AUMENTO, TAXAS, JUROS, TRIBUTAÇÃO, PREJUIZO, PRODUÇÃO.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, REGISTRO, RELATORIO, BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), SUGESTÃO, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, AVAL, DIVIDA, GOVERNO ESTADUAL, OBJETIVO, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, CRITICA, POLITICA FISCAL, BRASIL.
  • GRAVIDADE, DIVIDA PUBLICA, ESTADO DO PARANA (PR).
  • CRITICA, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, AUTORIZAÇÃO, AUMENTO, DIVIDA, ESTADOS, APREENSÃO, ORADOR, RETORNO, INFLAÇÃO.
  • EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, PROJETO DE RESOLUÇÃO, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, QUORUM, SENADOR, AUTORIZAÇÃO, EMPRESTIMO, ESTADOS, MUNICIPIOS, UNIÃO FEDERAL.

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a decisão do Supremo Tribunal Federal causou profundo impacto no Governo da União. Ao decidir que não se podem cobrar contribuições das próprias pessoas que se beneficiam delas, o Supremo Tribunal Federal exigiu do Governo providências, medidas de afogadilho, para tapar o rombo de R$2,4 bilhões. Como sempre, alguns poucos cortes de gastos públicos, mais impostos, mais taxações.  

Sem dúvida, R$2,4 bilhões é um número expressivo, mas é preciso destacar que há outros números mais significativos. Vamos a eles: o PIB nacional, de R$900 bilhões; a receita federal, de R$180 bilhões; a dívida pública, ao redor de R$500 bilhões; serviços e juros da dívida pública, por ano, de cerca de R$90 bilhões, e, por mês, de R$7,5 bilhões. Portanto, sem dúvida, há números mais significativos do que aqueles.  

O déficit público é inegavelmente o maior problema do País. A dívida pública é a matriz geradora de todos os problemas. Certamente, não fosse essa imensa dívida pública, o Governo não estaria preocupado em cobrar contribuições dos inativos para a Previdência Social. É óbvio. O País arrecadou, em nove anos, com as privatizações, R$70 bilhões, e paga, neste ano, cerca de R$90 bilhões de juros e serviços da dívida. Além disso, há uma espécie de inércia geral com aquele que é indiscutivelmente o maior problema do País: poucos se importam com a dívida pública brasileira.  

No Governo há muita conivência, complacência, omissão com a irresponsabilidade de alguns entes públicos nacionais no trato da questão fundamental da dívida pública, porque arraigou-se nos organismos governamentais de Estados e Municípios, sobretudo, a mentalidade de conceituar a divida pública da forma mais irresponsável possível. Dívida não se paga, administra-se – e, aliás, administram pessimamente a dívida pública brasileira.  

Se esse exemplo do setor público fosse seguido pelo setor privado, certamente seria bem superior o número de empresas que se verifica hoje, em razão da crise econômica, que é conseqüência, sobretudo, da dívida pública brasileira, que cresce de forma incontida e assustadora.  

A conseqüência é inevitável: a economia não cresce; como a economia não cresce, cresce o desemprego. Por isso, o Brasil ostenta a marca triste de quarto país do mundo em número de desempregados, com mais de sete milhões de brasileiros nessa situação. Somos superados apenas pela Índia, pela Indonésia e pela Rússia. Abrigamos em território nacional 5% do total de desempregados do mundo.  

O desemprego cresce. Os investidores estrangeiros afastam-se, e a miséria avoluma-se. Como conseqüência, temos o crescimento incontido da violência e da criminalidade no País. A dívida pública é responsável pelas nossas taxas de juros, que são as mais altas do mundo. Enquanto nos Estados Unidos pratica-se uma taxa ao redor de 5,2%; na Alemanha, de 5%, no Brasil praticamos uma taxa de juros ao redor de 19% - e chegamos a 49% no início do ano de 1999.  

É evidente que, com altas taxas de juros, o setor produtivo nacional acanha-se, fragiliza-se, torna-se impotente para realizar novos investimentos, uma vez que não há investimento lucrativo com taxas de juros na estratosfera, como estamos praticando no Brasil. Não há atividade produtiva rentável com taxas de juros desse porte.  

Essas altas taxas de juros ocorrem paralelamente a uma carga tributária que, para um para um país em desenvolvimento, é elevada em excesso. Essa carga tributária está ao redor de 35% do PIB, enquanto a do Chile, por exemplo, fica em torno de 20% do PIB - e o Chile oferece serviços públicos de melhor qualidade em relação ao Brasil. A nossa carga tributária é semelhante à da maior economia do mundo, que é a dos Estados Unidos da América do Norte. É evidente que, para um país em desenvolvimento, são taxas insuportáveis, são impostos insuportáveis. As empresas precisam modernizar-se. Devem investir na sua própria modernização, buscando maior competitividade, sobretudo porque vivemos a globalização.  

Não é por outra razão, Sr. Presidente, que o Banco Mundial, em relatório recente, faz uma recomendação, para muitos esdrúxula, ao nosso País:  

"Brasil deveria deixar estados quebrarem".  

É a recomendação do Bird, expressa em um documento que publicou recentemente. Trechos dele transcritos no jornal O Globo dizem o seguinte:  

"O BIRD acredita que o Brasil só vai resolver seus problemas fiscais no dia em que o Governo Federal deixar um estado dar um calote em seus credores, ao invés de bancar a dívida feita pelos governadores".  

Aliás, o Itamar Franco precedeu esse ensinamento do BIRD.  

"Segundo a diretoria do BIRD, isso faria com que os estados deixassem de se endividar tanto e, ao mesmo tempo, estimularia os emprestadores a tomar maior cuidado na hora de fechar um negócio.  

Convencer os emprestadores de que o Governo Federal não bancará as dívidas estaduais requer mais do que declarações de intenção, particularmente à luz da recente história de ajudas desse tipo no Brasil. O Governo Federal precisa demonstrar seu compromisso deixando um governo estadual declarar default (iliquidez) e deixando que o emprestador e o estado negociem acordo entre si", recomenda o BIRD. Essa sugestão faz parte de um capítulo especial sobre o programa de reformas estruturais no Brasil. A etapa referente à descentralização fiscal é registrada no documento como um exemplo para que os demais países não cometam os mesmo erros. Segundo o BIRD, o processo brasileiro resultou "numa série de crises fiscais intergovernamentais, que acentuam as dificuldades".  

Nesse relatório do BIRD, ressalta-se a gravidade da situação brasileira, por não encontrar o Governo soluções para melhor administração da dívida pública do País. É evidente que o mal maior não é o volume, mas sim o perfil da dívida e sua forma de financiamento, que onera de forma extraordinária o setor privado.  

A dívida dos Estados e Municípios, segundo o Banco Central - e está aqui o relatório último do Departamento da Dívida Pública do Banco Central - chega, hoje, a 225 bilhões 623 milhões de reais. E ela cresce de forma assustadora.  

Tomo o exemplo do meu Estado. O Paraná é talvez, proporcionalmente no Brasil, o Estado mais inadimplente do País. Isso pode ser surpreendente, mas é real. Um Estado, antes organizado, desorganizou-se. E a dívida pública paranaense é a que mais cresce no Brasil. Não é uma afirmativa irresponsável do Senador que ocupa agora a tribuna; é o registro oficial do Departamento de Dívida Pública do Banco Central do Brasil. A dívida do Paraná cresceu, neste ano, para R$8,71 bilhões. Serão acrescentados, neste mês, segundo o Governo Estadual, cerca de R$2,5 bilhões de repasse do Banco Central para saneamento financeiro do Banco do Estado do Paraná. Ultrapassaremos, então, R$11 bilhões de dívida fundada do Governo do Paraná.  

E o crescimento foi assustador. Em janeiro de 98, a dívida estava em torno de R$4,8 bilhões. Passou, como vimos, para mais de R$11 bilhões. Nenhum outro Estado do País apresentou desempenho tão dramático como o Paraná agora, desfazendo o conceito histórico de Estado paradigma da Federação. É lamentável essa constatação, Sr. Presidente.  

Sobre a dívida do Paraná pretendo fazer um pronunciamento específico, provavelmente na próxima semana, porque, se um Estado como o meu, tido e havido como acima da média, considerado rico, encontra-se nessa situação de pobreza, de falência, de iliquidez absoluta, de incapacidade completa de saldar seus compromissos financeiros, realmente este País perdeu o rumo, e, sobretudo, o Governo perdeu o rumo, porque não estabelece um freio na irresponsabilidade que campeia entre alguns governos nacionais.  

É óbvio que o Governo Federal pronuncia um discurso, mas a prática não tem similaridade com o discurso pronunciado. Ele até encaminha ao Congresso Nacional um projeto de responsabilidade fiscal, mas fica apenas na ação inicial e parece não demonstrar nenhum interesse em respeitar as premissas que ele próprio estabeleceu para responsabilizar os gastadores irresponsáveis deste País, porque, ao tempo em que encaminha o projeto ao Congresso, continua com a mesma prática de negociar politicamente novos empréstimos e de permitir rolagens impróprias das dívidas estaduais. É bom frisar que não é só o Poder Executivo; o Poder Legislativo tem que assumir também a sua responsabilidade, porque, no Senado Federal, poucos são os Senadores preocupados em conter o endividamento público no Brasil.  

É evidente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que estamos abrindo as portas para o retorno da ciranda inflacionária. É um risco sério a volta da inflação, porque dívida transforma-se em inflação. Se não encontrarmos solução para melhorarmos o perfil da dívida brasileira e não encontrarmos uma estratégia de pagamento mais compatível com as necessidades de crescimento deste País, certamente estaremos anunciando o retorno da ciranda inflacionária. Com o fim da inflação, que foi sem dúvida o grande mérito do atual Governo, esperavam-se reformas que impedissem que os gastos fossem superiores à receita. Essas reformas não ocorreram. Continuamos gastando sempre muito mais do que arrecadamos. De janeiro a julho deste ano, os Estados e Municípios brasileiros gastaram R$80 bilhões a mais do que arrecadaram, em despesas de custeio da máquina administrativa, investimentos, juros e serviços da dívida pública. Oitenta bilhões a mais do que se arrecadou! E não podemos evidentemente responsabilizar os inativos deste País por um rombo de R$2,4 bilhões – que, julga o Governo, poderia evitar, cobrando contribuições de aposentados –, quando se permite essa licenciosidade da irresponsabilidade que se torna cada vez mais perversa para com o povo brasileiro de governantes incapazes de gerenciar as finanças públicas dos seus Estados.  

Estaríamos hoje vivendo, não fosse a dívida pública, um momento ímpar no Brasil, sem dúvida estaríamos vivendo um momento histórico, porque há um superávit primário nas contas da União da ordem de R$20 bilhões. Não fosse o financiamento dessa dívida pública poderíamos, por exemplo, dobrar os gastos com a educação e a saúde no Orçamento do próximo ano.

 

Vejam, portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse é realmente o maior drama brasileiro, o maior problema deste País, a matriz geradora de todos os problemas econômicos e sociais insolúveis no Brasil.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite V. Exª um aparte?  

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR) - É com a maior satisfação que lhe concedo o aparte, Senador Pedro Simon.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Sei que é uma injustiça o meu aparte durante este brilhante, profundo pronunciamento e de grande conteúdo que V. Exª está fazendo. Aliás, V. Exª, que já participou desta Casa, foi um dos mais notáveis e extraordinários Senadores que esta Casa teve. Lembro-me muito bem que, quando V. Exª governou o Estado do Paraná, o seu nome foi aventado na convenção do PMDB à Presidência da República. Creio que a história teria sido diferente se o PMDB tivesse escolhido o nome de V. Exª; o Collor não teria ganho aquela eleição e talvez a história tivesse sido outra muito diferente. V. Exª defendia alguns argumentos que tinham lógica. Ninguém gostou, ninguém foi mais apaixonado pelo Dr. Ulysses Guimarães do que eu, mas ele vivia aquele trauma da morte do Dr. Tancredo Neves aos 74 anos, e o povo via naquilo uma angústia. O Dr. Ulysses pagou o preço de um erro de todos nós do PMDB: ter um pé no Governo Sarney, um pé na Oposição. O povo não gostou disso. O povo queria realmente um perfil como o de V. Exª, que era de um Estado extremamente importante, com uma administração tremendamente séria, de tremenda competência. Só que ganhou o Collor, e não V. Exª. Mas se V. Exª tivesse sido o candidato, teria sido o Presidente. Penso ser muito profundo o seu pronunciamento, de muito conteúdo, seriedade e de muita credibilidade, porque V. Exª é o ilustre Presidente do PSDB do Paraná e mesmo assim sente a obrigação e a responsabilidade, tendo em vista seu compromisso e a sua consciência, em dizer aquilo que deve ser dito. Apenas acrescento uma questão, que é uma interrogação para mim, com relação aos números apresentados por V. Exª. Foram feitas todas as privatizações, desde que o falecido Ministro Sérgio Motta as começou, com um argumento: as privatizações seriam feitas para pagar a dívida. Dizia-se que mudaríamos o perfil do Brasil, porque essas empresas estatais têm dívidas e têm de fazer investimentos enormes; o País não tem condições de fazer esses investimentos. Então iremos privatizá-las e, com isso, vamos receber uma "bolada" muito grande com a qual vamos pagar o principal, diminuindo infinitamente a dívida. O que gastamos com os investimentos nas estatais vamos utilizar para diminuir mais a dívida e as estatais, com o envolvimento estrangeiro, vão passar a produzir mais. Essa foi a tese de cinco anos atrás. A única coisa que realmente aconteceu foi a privatização das estatais. E o resto?  

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR) - Senador Pedro Simon, primeiramente, comove-me os conceitos de V. Exª a meu respeito. Modestamente, recolho-os como estímulo a minha atividade política. V. Exª é memória viva da política brasileira e recorda-se de determinados detalhes que caem facilmente no esquecimento. Muito obrigado pela consideração, que é muito mais fruto da generosidade do seu coração.  

Quanto às privatizações, foi certamente uma afirmativa singela, uma esperança vã de saudar compromissos imensos de uma dívida pública a médio ou longo prazos impagável com o resultado das privatizações. Há pouco, citei os números: em nove anos, R$70 bilhões o resultado das privatizações. Aliás, 40% do capital utilizado nas privatizações foi de recursos oriundos do BNDES, além de recursos de fundos de pensões, etc, recursos públicos pagando a privatização de empresas estatais. Vejam a comparação: juros e serviços da dívida em 99, cerca de R$90 bilhões; resultado da privatização em nove anos, R$70 bilhões. Portanto, credito a esperança de resolver o problema a essa afirmativa singela do Governo brasileiro.  

Mas a responsabilidade é maior. Essa dívida realmente é impagável. É preciso administrá-la de outra maneira. A forma de financiamento da dívida pública tem de ser alterada para não onerar a sociedade brasileira como vem fazendo, impondo sacrifícios imensos e perversos sobretudo à população trabalhadora. Devemos administrar a dívida, reorganizando-a com prazos longos, como ocorre com países que possuem credibilidade e lançam títulos para 30, 40 ou 50 anos de prazo, como, por exemplo, os Estados Unidos e a Itália.  

Agradeço-lhe a condescendência quanto ao tempo, Sr. Presidente, e encerro o meu pronunciamento dizendo que pretendo voltar ao assunto já na próxima semana. Trata-se de um tema para a nossa insistência, sobre o qual devemos aprofundar nossos estudos e para o qual devemos buscar soluções.  

A minha primeira proposição nesta Casa foi um projeto de resolução cujo objetivo é mudar o quorum para aprovação de novos pedidos de empréstimos para Municípios, Estados, e União, estabelecendo dois terços de votos para tanto. Espero que essa matéria seja aprovada rapidamente para que, neste plenário, a dívida pública mereça, doravante, maior atenção de todos os Srs. Senadores. É o futuro deste País que está em jogo. Estamos - repito - correndo o sério risco de escancarar as portas da economia brasileira para a ciranda inflacionária, que já passou, mas deixou, sem dúvida, vítimas, durante muito tempo, da sua ação inclemente sobre a vida brasileira.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/1999 - Página 27605