Discurso no Senado Federal

ANALISE DE REUNIÃO OCORRIDA NO CANADA, POR INICIATIVA DA ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL "FORUM DAS FEDERAÇÕES".

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • ANALISE DE REUNIÃO OCORRIDA NO CANADA, POR INICIATIVA DA ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL "FORUM DAS FEDERAÇÕES".
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/1999 - Página 27244
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CANADA, ENCONTRO, FEDERAÇÃO, INICIATIVA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DEBATE, POLITICO, GOVERNANTE, CIENTISTA POLITICO, AMBITO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, REALIZAÇÃO, ENCONTRO, DISCUSSÃO, SITUAÇÃO, FEDERAÇÃO, EFEITO, GLOBALIZAÇÃO.
  • COMENTARIO, EFEITO, GLOBALIZAÇÃO, PAIS, CRESCIMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, CRITICA, INEXISTENCIA, POLITICA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acabei de regressar do Canadá, onde participei de uma reunião convocada por uma organização não-governamental chamada Fórum da Federações.  

Com o apoio do governo canadense, essa organização reuniu políticos, governantes, acadêmicos, cientistas políticos de todo o mundo, mas, principalmente, de nações organizadas sob a forma federada, para discutir, no mundo atual, o problema das federações.  

Reunião aberta pelo Primeiro-Ministro do Canadá, o Jean Chrétian e encerrada pelo Presidente Clinton. Isso, por si só, dá uma idéia da importância dessa reunião, que visava, justamente, discutir as características federativas, os governos dos estados federados e a sua situação diante das mudanças por que o mundo está passando, mudanças rápidas, sob a denominação comum que se tem usado: globalização - a que os franceses preferem chamar de mundialização -; das características dos governos nos estados federados; e também das relações que essas unidades federativas podem ter face a globalização, a internacionalização, a formação dos grandes blocos de países e a integração econômica entre as diferentes nações do mundo.  

Alguém pode pensar que se trata de uma abstração, de um tema meramente acadêmico, para a discussão de pessoas que desejam enriquecer seus conhecimentos sobre a organização dos estados, a convivência entre países e as relações políticas e econômicas entre as federações e, nestas e nos estados federados em relação aos outros países do mundo.  

Na verdade, o tema é palpitante e importante. O fato de ter-se realizado próximo à cidade de Montreal, na Província de Québec, Canadá, uma federação que enfrenta problemas, porque lá há uma tendência separatista. Québec, província de origem francesa, detém 30%, aproximadamente, da população canadense e, mais ou menos, também 30% da sua economia. Há alguns anos se promoveu um plebiscito para consultar a população sobre uma possível separação da província do Canadá, e os anti-separatistas venceram por pouco mais de 50 mil votos.  

Comparando-se à situação dos Estados brasileiros, as províncias canadenses têm um alto grau de liberdade. Há um nível de autonomia bastante razoável das províncias em relação ao governo central. Tanto é assim que todos os documentos, em todas as reuniões oficiais, são bilingües, em francês e em inglês. Mas o problema persiste, permanece.  

Essas tendências separatistas ocorrem, sobretudo, onde há problemas religiosos, étnicos e também econômicos. Apesar de o mundo viver com os percalços que isso tem acarretado para diferentes países, sobretudo para os em desenvolvimento, vivemos um período de grande integração mundial, principalmente econômica, muito mais do que cultural, a formação de grandes blocos de nações, como o Mercosul, a União Européia e o NAFTA.  

Na verdade, se há esse movimento de integração de países na formação desses grandes blocos econômicos e até políticos, por outro lado, o paradoxo é, justamente, a desagregação de certos Estados federados, de certas federações, a partir da radicalização política, religiosa ou étnica. O maior exemplo dessa desagregação é a Iugoslávia, uma federação que se desfez. Ali está a Croácia, o Kosovo e Montenegro, entre outras, tudo aquilo que formava a antiga Federação Iugoslava, e se desintegrou. A própria federação russa enfrenta secionismos, tendência de separação, beligerância entre os estados federados. E mesmo em países onde as instituições políticas e democráticas são muito antigas e que têm a característica de um Estado altamente centralizado, como a Grã-Bretanha, observamos, nos últimos anos, uma tendência de fortalecimento de governos locais. Tanto é verdade que se instalou um parlamento na Escócia, parlamento regional, e outro no País de Gales. Essas duas regiões ganharam alguns poderes, mais autonomia administrativa e até política.  

Isso mostra - e ficou bem claro durante toda a conferência - que o sistema federativo parece ainda ser o sistema mais moderno de organização dos Estados, porque respeita as minorias, as diferenças regionais, as etnias, os costumes, a língua, a religião.  

De sorte que é preciso fortalecer esses laços entre os estados federados que se reúnem para criar uma federação, que é a sua representação externa, que detém o monopólio de certas ações privativas da federação, da União, como é a representação externa, a defesa nacional, e assim por diante.  

Mas o que isso tem a ver com o Brasil?  

Quarenta por cento da população mundial vive em federações, em países organizados sob a forma federativa, como os Estados Unidos, a Índia, o Brasil, o Canadá, o México e a Austrália. Claro que o nível de autonomia desses estados federados, o nível de liberdade dos governos locais, varia muito de um país para o outro. O protótipo da federação talvez seja os Estados Unidos. Por quê? Quando eles se separaram da Inglaterra, eram colônias que guardavam entre si uma certa independência. No momento em que se libertaram da colonização inglesa, resolveram se organizar sob a forma de uma federação, fazendo um pacto federativo.  

No Brasil, passamos de um governo extremamente centralizador, que foi o do Império, para a República. A República, que foi também, de certa maneira, um movimento de uma elite pensante, principalmente uma elite militar, o que fez? José Murilo de Carvalho, no seu livro sobre a República, repete aquela frase de que "o povo, bestializado, assistiu à proclamação da República". A República, na verdade, não foi fruto de uma luta popular, mas de uma mobilização da elite. O Império se desagregava, saía muito desgastado da Guerra do Paraguai, incompatibilizado com a Igreja, com os militares, com o Exército. Ingressamos na República e importamos esse sistema federativo dos Estados Unidos, tanto que a denominação política do Brasil era República Federativa dos Estados Unidos do Brasil - e isso foi fundamentalmente não só dele, mas uma obra de Rui Barbosa. Ao longo da nossa História da República e nas diversas Constituições que temos tido, ora aumenta, ora diminui essa autonomia dos Estados ao sabor das mudanças políticas e econômicas que vão se dando aqui.  

Nunca tivemos problemas graves de secessão, quer dizer, de separatismo no Brasil. No Império tivemos duas tentativas disso. Uma, no Nordeste, a chamada Confederação do Equador, envolvendo em 1824 basicamente Pernambuco e Ceará, e outro, no Rio Grande do Sul, a chamada Revolução Farroupilha.  

Não temos grandes problemas internos no Brasil seja do ponto de vista étnico, cultural, lingüístico, e das nossas minorias. O que existe é um grave problema de disparidade regional em relação a condições sociais e econômicas, entre regiões extremamente pobres e altamente populosas, como é o caso do Nordeste e o Sul e Sudeste do País; ou regiões muito pobres, mas de população muito rarefeita, como é o caso da Amazônia, também em relação a essas regiões altamente desenvolvidas do País.  

Portanto, o risco que corremos de haver algum tipo de desagregação é justamente em função dessa disparidade de desenvolvimento entre essas regiões. Nesse particular, penso que o Governo brasileiro tem pecado - disso tenho dado testemunho e cobrado muito da União - ao não ter políticas claras de desenvolvimento regional. Sem isso, vamos ingressar numa luta fratricida, cuja identificação se dá na chamada guerra fiscal entre os Estados. Os Estados pobres, subdesenvolvidos, para atraírem investimentos, concedem grandes favores fiscais, com o objetivo de fixar empresas que possam criar postos de trabalho, promover o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida das suas populações.  

A discussão sobre a reforma tributária é da maior importância, porque é o principal pacto que pode ser refeito entre a União, os Estados e os Municípios.  

Ninguém ignora que, a partir da Constituição de 1988 - a meu modo de ver, corretamente -, promoveu-se uma grande descentralização no Brasil, fortalecendo-se os Estados e, principalmente, os Municípios. Descentralizaram-se as atividades e as ações administrativas. Houve, inclusive, um fortalecimento fiscal da receita dos Estados e, sobretudo, dos Municípios. No entanto, não houve uma correta repartição de competências, que ficaram mal definidas ou indefinidas ou superpostas entre os três níveis hierárquicos da Federação - a União, os Estados e os Municípios -, o que causou uma certa confusão administrativa e até política entre esses níveis de Governo.  

Há pouco tempo, conseguimos precisar melhor essas competências, por exemplo, na área da educação, quando ficou estabelecido que o ensino fundamental cabe aos Municípios, o ensino médio, aos Estados, e o ensino universitário, à União. Nesse caso, as competências ficaram mais claras e mais definidas. Embora os instrumentos de financiamentos possuam imperfeições, o Fundef - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental -, por exemplo, foi um instrumento que permitiu melhorar a educação no Brasil, no ensino fundamental, porque estabeleceu condições mais estáveis de financiamento do ensino fundamental, responsabilidade dos Municípios.  

Por isso, Sr. Presidente, acredito que é preciso maturidade aos principais agentes políticos do País e aos que ocupam posição de destaque nas instituições políticas nos Estados, nos Municípios e na União, para refazer o pacto federativo.  

Sei que há problemas sérios como o da representação dos Estados na Câmara dos Deputados. Acredito ser muito difícil alterar essa representação em um clima de normalidade de funcionamento das instituições, porque há Estados sobre-representados e sub-representados, como, por exemplo, o Estado de São Paulo. Entretanto, a grande assimetria existente, sob o ponto de vista econômico, entre São Paulo e os demais Estados do País, recomenda que não se dê também a esse Estado uma hegemonia política de participação maior na Câmara dos Deputados.  

Há muito a se fazer, como o sistema tributário, a taxação do consumo, a questão de se taxar na origem e não no destino final dos produtos - o próprio mecanismo essencial do ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços -, bem como a capacidade que os Estados têm de isentar produtos e operações. Isso tudo demanda uma discussão profunda, porque o principal pacto que deve presidir o funcionamento das nossas instituições políticas é o Pacto Federativo, um pacto entre os Estados, os Municípios e a União. Esse esforço tem de ser desenvolvido sob pena de se agravar a deterioração das relações entre os Estados.

 

O problema da Previdência que agora estamos enfrentando talvez seja uma excelente ocasião para termos uma decisão de grande impacto federativo: o diálogo do Presidente com os Governadores. O problema da Previdência não é só do Governo Federal; é também dos Governos Estaduais e até dos Municípios, independentemente da posição política dos Governadores ou da relação política deles com o Presidente da República.  

Então, diante da realidade, talvez seja possível pactuar alterações na legislação previdenciária que reflitam o interesse geral do País, dos Estados e dos Municípios. Sem isso, é muito difícil caminhar. Mas é preciso que esse acordo não seja apenas um enunciado vazio ou o resultado de esperteza política num determinado momento para obter modificações legais ou constitucionais que não sejam a expressão de um entendimento entre as partes visando ao interesse geral da população brasileira.  

Faço, Sr. Presidente, esse pequeno relato dos trabalhos que se desenvolveram nesse fórum de Federações, ressaltando a importância para o Brasil da saúde política da Federação brasileira e da necessidade premente de nos entendermos, sob pena de assistirmos a uma deterioração dessas relações e a uma espécie de desagregação entre os Estados, que poderá levar, inclusive, a movimentos de relacionamento – senão político – econômico direto entre os Estados e blocos econômicos.  

A economia da Amazônia, por exemplo, sofreu, em grande parte, internacionalização. O mesmo poderá acontecer amanhã no Nordeste, na medida em que nossa proximidade geográfica com os Estados Unidos é maior. Em virtude de nossas relações econômicas com esse país ou com o bloco todo – o NAFTA – podemos prescindir de relações mais estreitas com o Sul e o Sudeste do País, o que não é bom, de maneira nenhuma. Para que o Brasil vá bem, é preciso que São Paulo, o Sul e o Sudeste do Brasil também estejam bem e que o Nordeste encontre o caminho da sua redenção econômica e do seu progresso social.  

Esse é o grande desafio que temos diante de nós, entre tantos outros. Sem dúvida, esse é um dos principais, porque dele decorre a nossa unidade política e a força do Brasil como um país de grande extensão territorial, de grande expressão populacional e que tem um destino a cumprir no conjunto dos diferentes países em todo o mundo.  

Essa, Sr. Presidente, era a mensagem que eu queria deixar aqui, pedindo que, principalmente no Senado, reflitamos sempre e cada vez com maior profundidade, com os espíritos desarmados, sobre essas questões federativas, fundamentais para o Brasil,. Não são abstração, não são tema de devaneio ou de mera indagação acadêmica; dizem respeito à realidade que nós estamos vivendo neste momento, sobretudo no terreno fiscal, com grandes desajustes entre os Estados, com grande competição entre os Estados, muitas vezes comprometendo, até, a integridade nacional, na medida em que cada um. cuida de si e o conjunto deixa de ser visto como de interesse geral, do interesse de todos.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/1999 - Página 27244