Discurso durante a 139ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS A INTENÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO DE PROPOR UM PACTO NACIONAL PARA DISCUTIR A QUESTÃO DA PREVIDENCIA SOCIAL.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • COMENTARIOS A INTENÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO DE PROPOR UM PACTO NACIONAL PARA DISCUTIR A QUESTÃO DA PREVIDENCIA SOCIAL.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/1999 - Página 27310
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, DECISÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROPOSIÇÃO, PACTO, CONVOCAÇÃO, GOVERNADOR, DISCUSSÃO, PROBLEMA, PREVIDENCIA SOCIAL, POSTERIORIDADE, DECISÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DECLARAÇÃO, INCONSTITUCIONALIDADE, COBRANÇA, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, APOSENTADO, AMPLIAÇÃO, ALIQUOTA, SERVIDOR PUBLICO CIVIL.
  • DEFESA, COMPETENCIA, CONGRESSO NACIONAL, DISCUSSÃO, PACTO, ENTENDIMENTO, PROJETO DE LEI, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, logo após a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a questão do desconto da contribuição previdenciária dos inativos, o Senhor Presidente da República anunciou a intenção de propor uma espécie de Pacto de Moncloa em relação à questão da Previdência. Disse que convocaria a sociedade, a Oposição e os Governadores para discutir esse tema. Está, agora, convocando uma reunião com alguns Governadores para o próximo dia 16, quando será iniciado aquilo que foi chamado de pacto.  

Há momentos da história dos países em que é necessária uma união das diversas forças políticas, das diversas instituições, das diversas organizações da sociedade no sentido de encontrar um caminho para determinado problema que aflige o conjunto dessa sociedade. Isso já aconteceu em vários países do mundo.  

No Brasil, infelizmente, a palavra "pacto" está profundamente desgastada. Nessa questão da Previdência Social, nós da Oposição, quando da discussão da matéria neste Senado, tivemos a oportunidade de desafiar não só o Presidente da República como o então Ministro Reinhold Stephanes, defendendo que a questão da Previdência não poderia, de forma nenhuma, ser encaminhada como uma questão de Governo ou uma questão de Oposição. Mas não fomos ouvidos.  

Naquele período, o Governo atravessava altos índices de popularidade. A população avaliava, em sua grande maioria, de forma muito positiva o Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso. O Governo, então, fazia ouvidos de mercador a todas as propostas que destoassem da oficial encaminhada pelo Governo Federal para a reforma da Constituição no que diz respeito à Previdência Social, tanto na época da sua tramitação na Câmara dos Deputados como no Senado Federal.  

Logo que a imprensa noticiou o Pacto de Moncloa relativo à Previdência, fui procurado para dar minha opinião e disse que qualquer discussão sobre a Previdência, em torno de um entendimento entre o Governo e a Oposição ou entre os diversos partidos do Congresso Nacional, deveria ter como ponto de partida o projeto do Deputado Eduardo Jorge, do Partido dos Trabalhadores.  

Esta semana, vejo, na imprensa, que o Governo anuncia a intenção de discutir o referido projeto. No entanto, é necessário que se defina, em primeiro lugar, os participantes desse — usarei essa palavra, embora entenda que ela esteja muito desgastada — pacto; em segundo, qual o fórum em que ele será estabelecido. Considero que, em função da prática que vem adotando, o Governo Fernando Henrique Cardoso perdeu credibilidade, ao propor qualquer caminho de pacto com a Oposição. Quero deixar registrado que, ao afirmar isso, não estou fugindo da responsabilidade que qualquer Parlamentar e a Oposição têm nessa discussão de encontrar uma saída para a Previdência Social.  

Digo que o Governo perdeu credibilidade, porque, apesar de propor esse pacto — volto a dizer que, quando discutimos a Previdência Social em nosso País, temos de fazê-lo de forma global, e não parcial, como fez o Governo, quando tentou impor o processo de discussão da emenda constitucional —, utilizou o seu rolo compressor e a sua Maioria na Câmara dos Deputados, para aprovar um projeto que modifica a Previdência do INSS, a fim de introduzir a figura do Fator Previdenciário — cujo cálculo, para ser entendido, talvez venha a ser objeto de mestrado em Matemática em algumas faculdades.  

Enfim, o Governo acena com um discurso de impacto. Convoca os governadores e, ao mesmo tempo, fez aprovar, por meio de sua Maioria, na Câmara dos Deputados, esse projeto.  

Aliás, queria fazer um parêntese para discutir essa questão da reunião dos governadores. Entendo que os governadores, todos eles, têm autonomia para comparecer ou não. Agora, gostaria de lembrar que, no primeiro semestre — não lembro mais o mês; creio que foi abril ou maio —, realizou-se uma reunião em Brasília, com a presença dos governadores, inclusive os da Oposição — a única exceção foi o Governador de Minas Gerais, Itamar Franco —, em que se tirou fotografia para a imprensa e da qual todos saíram, dizendo que havia sido positiva; em que ficou acordado que se formariam comissões para estudar não só o problema da Previdência, mas do endividamento e do FEF. O fato é que aquela reunião caiu no vazio, porque o Governo não se dispôs a encaminhar absolutamente nada do que foi combinado.  

Depois dessa reunião, foi feita outra em Aracaju, Sergipe, com a presença de praticamente todos os governadores. Surgiu a idéia de seis Governadores, representando os demais, solicitarem uma nova reunião com o Presidente da República, para cobrar de Sua Excelência o encaminhamento daquelas questões que haviam sido iniciadas na reunião em Brasília. Isso aconteceu em julho; de lá para cá, o Governo não se dispôs a encontrar com essa comissão de governadores. E, agora, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, convoca 13 ou 14 governadores para discutir especificamente a Previdência, sob a alegação de que é um assunto que interessa a todos.  

É verdade: trata-se de um assunto que interessa a todos os governadores. No entanto, também lhes interessa o problema da dívida e do FEF. Como disse, cada governador tem autonomia para decidir se vai ou não, mas entendo que o correto seria eles irem, para dar encaminhamento àquela reunião realizada em abril ou maio do primeiro semestre deste ano, e não apenas para debater a Previdência Social. Essa reunião não pode ser para discutir apenas o que interessa ao Governo Federal, que agora está em papos-de-aranha em função da determinação do STF, querendo que os governadores encontrem uma saída. Lembro que o Governo não se dispôs a encontrá-la durante esses cinco anos em que a questão estava sendo debatida no Congresso Nacional.  

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador José Eduardo Dutra, V. Exª me permite um aparte?  

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT - SE) - O Senador Ramez Tebet solicita um aparte, Sr. Presidente. Vou concedê-lo logo, para depois entrar na questão específica da Previdência.  

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador José Eduardo Dutra, procurarei ser breve, porque sei que a sessão se estenderá até às 18h30min, e é claro que V. Exª ocupa essa tribuna para um assunto momentoso. Eu ia falar hoje sobre outro assunto referente ao meu Estado, mas não tive tempo e o farei amanhã. Quero dizer que quase concordo com V. Exª, mas considero importantíssimo que os governadores se reúnam; a sociedade tem que se reunir. Precisamos fortalecer a Federação brasileira. Como bem diz V. Exª, não é só a questão previdenciária, mas a dívida dos Estados, o enfraquecimento das Unidades da Federação, a dificuldade em que vivem os Municípios brasileiros; tudo isso está a nos preocupar imensamente. No entanto, nunca devemos recusar-nos a participar de um encontro, de uma reunião, de uma convocação do Presidente da República, que é sempre uma oportunidade de debater, de expor idéias, de fazer força para encontrar a solução. E essa questão previdenciária é de suma importância. Fui daqueles que sempre defenderam direitos adquiridos e continuo defendendo-os, Senador José Eduardo Dutra; no entanto, a questão previdenciária é discutida no mundo inteiro. Penso que não é possível debater apenas a Previdência; há também que tratar da reforma tributária. Saliento que não podemos deixar de louvar a iniciativa de quem convoca ou convida os governadores dos Estados brasileiros para discutir questões. Tanto a Previdência quanto a reforma tributária precisam ser abordadas. Sei que a palavra "pacto" está em desuso — como diz V. Exª —, mas ela significa contrato, união. Nesse sentido, sou a favor de que a sociedade brasileira, o Presidente da República, os governadores, os prefeitos, todos nós movimentemo-nos, porque positivamente entendo que a Federação está muito prejudicada.  

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT -SE) - Nobre Senador Ramez Tebet, respeito a opinião de V. Exª, mas mantenho a minha. Como V. Exª mesmo disse, existe uma série de questões que tem que ser discutida.  

No meu entendimento, essa reunião deve ser um desdobramento da reunião anterior, que foi realizada no primeiro semestre, cuja pauta não era exclusivamente a Previdência. Creio, inclusive, que V. Exª pode até ir e propor que a pauta seja ampliada. Caso não consiga, a meu ver, a reunião perderá o sentido.  

Entrando na questão da Previdência, em primeiro lugar, quero registrar minha opinião. Para mim, o fórum em que esse pacto poderá ser realizado — continuarei insistindo nessa palavra, apesar de considerá-la desgastada —–, em que esse entendimento poderá ser feito é o Congresso Nacional. Continuo afirmando que o Governo perdeu a credibilidade nesse período, porque — vamos lembrar —, quando a primeira proposta da Previdência, lá pelos idos de 1995, estava em tramitação na Câmara dos Deputados, o Governo chamou a CUT, a Força Sindical, o então Ministro Reinhold Stephanes, o Relator. Sentaram à mesa, chegaram até a alguns entendimentos, e depois o Governo roeu a corda. Como disse, a época era de céu de brigadeiro, os índices de pesquisa estavam ótimos para o Governo, a sua maioria na Casa era absolutamente tranqüila. Então, o Governo pensou: "para que esse negócio de CUT e Força Sindical? Para que isso? Vamos votar e pronto". Era esta a lógica: vota e a maioria aprova. Agora, como não deu certo, então o Governo quer chamá-los para pactuar.  

Entendo que o Congresso Nacional pode exercer esse papel, inclusive com mais competência que o Governo. E insisto em que o ponto de partida para essa reforma radical da Previdência Social é o projeto do Deputado Eduardo Jorge.  

Aproveito para, aqui, contestar as informações que sempre saem na imprensa de que esse projeto não foi abraçado pelo PT. Não é verdade! É verdade que esse projeto é anterior, é de 1993. Mas, em 1995, o PT formalizou o projeto do Deputado como proposta sua, em suas linhas gerais. O que se modificava era o período de transição. O projeto do Deputado Eduardo Jorge propunha que as regras valeriam para todos que estivessem há 15 anos no mercado de trabalho, e a proposta do PT era a de que ele só valeria para quem ingressasse no mercado de trabalho.

 

Penso que a proposta do PT foi um tanto quanto sonhadora. Particularmente, tendo a aliar-me à proposta original do Deputado. Mas os princípios gerais do projeto estavam lá incorporados e nele insistimos quando aqui chegou. O Senador Roberto Freire apresentou um projeto exatamente nessa linha. Apresentei também um projeto, sob a forma de emenda, exatamente nessa linha, porque existem princípios básicos que devem nortear uma discussão sobre a Previdência.  

O primeiro deles: discutir previdência significa discutir - olha a palavra de novo - um "pacto" entre gerações, que não pode ser discutido apenas à luz da contabilidade, de uma questão meramente contábil. O segundo: discutir previdência social quando a Constituição de 88 estabeleceu o princípio de seguridade social - incluindo previdência, saúde e assistência social -, necessariamente, e muito mais importante ainda, em um País como o Brasil, tem de levar-se em consideração um princípio de solidariedade entre os diversos setores sociais. Portanto, a partir daí, se esse princípio é levado em consideração, não podemos cair na esparrela de que a questão é meramente contributiva: quem não contribuiu, quando chegar aos 60 ou 70 anos, que se dane. Em um País como o Brasil, isso, além de absurdo, chega a ser uma prática absolutamente ofensiva à própria sobrevivência de milhões de brasileiros.  

E quais são os pontos básicos do projeto? O primeiro: um sistema único de Previdência Social até determinada faixa - no projeto, são propostos dez salários mínimos -, em que estarão incluídos todos os brasileiros, servidores públicos, trabalhadores da iniciativa privada, parlamentares, militares, juízes. Uma previdência única e universal até um teto a ser discutido. Dez salários mínimos é um índice bastante razoável, abrangerá cerca de 90% dos brasileiros.  

O segundo: a gestão da Previdência tem de deixar de ser meramente estatal e passar a ser pública, com um conselho gestor com a presença dos quatro entes interessados na Previdência - o Governo, os empresários, os trabalhadores e os aposentados. É essa gestão pública que evitará o que já aconteceu por diversas vezes na história do Brasil: o desvio de recursos da Previdência Social para outras áreas que não têm nada a ver com ela. Fala-se hoje que a Previdência está quebrada, mas se esquece que já construíram a Ponte Rio-Niterói e a Transamazônica com o dinheiro da Previdência. Isso aconteceu exatamente porque, durante aquele período e principalmente no período autoritário, havia uma gestão meramente estatal. Daí a importância de se colocarem, dentro do sistema geral da Previdência Social, entes que têm informação e peso na sociedade. Militares, parlamentes e juízes estão fora do sistema geral. Para esses setores, tanto faz se o dinheiro do INSS é utilizado para tapar buraco do orçamento porque eles não são afetados, eles têm um sistema próprio, público de previdência social.  

A importância de ser um sistema único se deve ao fato de que esses setores, que têm condições de fazer com que a sua voz seja ouvida, estarão lá fiscalizando, controlando e gerindo os interesses da previdência pública.  

O terceiro pilar dessa proposta da previdência social é que, a partir desse patamar proposto, de dez salários mínimos, instituir-se-ia a previdência complementar, pública e privada, porque serviria não só como previdência. Em todos os países do mundo, os fundos de pensão têm-se transformado nos principais indutores de desenvolvimento, quando os seus recursos são aplicados nessa direção, porque são os setores que têm mais liquidez e capitalização.  

No Brasil, a previdência complementar sempre foi encarada como algo de privilegiado. Muitas vezes ouvia-se falar dos empregados da Petrobrás, do Banco do Brasil e da Vale do Rio Doce - citavam somente as estatais, esquecendo-se de que muitas empresas privadas e multinacionais têm previdência complementar e, na maioria das vezes, sem qualquer contribuição do segurado, porque utilizam esse tipo de previdência até como uma política de recursos humanos.  

No País, a previdência complementar passou a ser tratada como coisa de marajá, quando, na verdade, é a única forma de fazer com que alguns setores de renda superior a esse da previdência pública ingressem no sistema e garantam sua aposentadoria de acordo com o seu salário e, além disso, serviria como fator indutor da economia.  

São propostas radicais, sim. Lembro inclusive que, quando estávamos numa audiência pública com o então Ministro Reinhold Stephanes, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, o Ministro disse que o PT propunha o sistema único, mas só para inglês ver, porque não tinha coragem de enfrentar as corporações do servidor público.  

Fiz um desafio público ao Ministro Reinhold Stephanes quanto à avaliação de S. Exª: na Câmara foi essa a proposta do PT, então vamos iniciar esse processo aqui no Senado. Já que, ao contrário de todas as outras propostas de emenda constitucional do Governo, no caso da Previdência, interessava ao Governo modificar - como, aliás, foi modificado, porque a proposta que veio da Câmara não foi a proposta original do Governo. Portanto, não valia, na questão da Previdência, aquele velho argumento que ouvimos aqui várias vezes, de que tinha que votar logo, de que não podia modificar, porque ainda voltaria para a Câmara.  

Enfim, a emenda voltou para a Câmara, mas como uma meia-sola. Em vez de optar por uma medida mais estrutural, mais radical e mais duradoura para a reforma da Previdência e estabelecer uma fase de transição que levasse em consideração os direitos adquiridos e a expectativa de direitos, portanto, uma fase de transição mais alongada, o Governo optou pelo caminho inverso. Fez uma meia-sola na reforma, com uma fase de transição mais abrupta. O resultado nós conhecemos, o Supremo Tribunal Federal fez o que era esperado. Disseram que foi um julgamento político, uma revanche, uma vendeta, porque não havia sido aprovado o teto.  

Não sou jurista, mas qualquer pessoa minimamente informada saberia que isso era de se esperar. O Governo tentou aprovar uma emenda constitucional, não conseguiu; foi derrotado. Depois, conseguiu aprová-la no Congresso como projeto de lei ordinária. O mais esperado aconteceu: o Supremo opinou pela inconstitucionalidade da proposta, por unanimidade. Até ministros que ao longo do tempo têm sido mais condescendentes com o Governo votaram contrariamente ao projeto aprovado nesta Casa, porque, realmente, era uma proposta absurda.  

Outro aspecto a ser levado em consideração na discussão da Previdência refere-se aos servidores públicos. A nossa proposta prevê a extinção do regime especial de aposentadoria para o servidor público. Deve-se ter o mesmo sistema para todos os brasileiros, abrangendo um teto de até 10 salários mínimos.  

Há algumas meias verdades passadas à imprensa com o objetivo de desvirtuar a informação ou contrapor alguns setores da sociedade ao servidor público. Uma delas diz respeito ao teto do regime previdenciário, de R$1.200,00. É dito em manchetes que o servidor público se aposenta com salário integral. Todavia, não é dito que quem trabalha na iniciativa privada ou em uma empresa estatal só contribui com um percentual que incide sobre o valor de até R$1.200,00; enquanto que, para o servidor público, a alíquota incide sobre o salário integral. Essa diferença fundamental entre esses contribuintes da Previdência não é mencionada nem pelo Governo nem pela imprensa, quando, por diversas vezes, tentam atribuir culpa ao servidor público, colocando-o como um judas a ser malhado.  

São situações diferentes, reitero. O servidor público, se não me engano, contribui com 11% sobre o que realmente recebe, enquanto aquele trabalhador que ganha menos de R$1.200,00 contribui em relação ao seu salário real, podendo, portanto, perceber um salário de aposentaria condizente com sua contribuição. Já o trabalhador que percebe R$3 mil ou mais contribui com 11% da parcela do seu salário até de R$ 1.200,00. Acima desse valor, se tiver algum fundo de pensão, contribuirá com num índice maior.  

A segunda falácia são as médias. Sempre que se fala em média — e os economistas adoram isso, com todo o respeito ao Senador Saturnino Braga, que, apesar de ser engenheiro, tem especialização em economia —, fico receoso. Lembro-me sempre daquela antiga piada do economista que vai caçar. Só tendo duas balas na espingarda, dá de cara com o leão. Ao dar o primeiro tiro, a bala passa à esquerda do leão; ao dar o segundo, a bala passa à direita, e ele diz: "bom, estou tranqüilo, porque, na média, matei o leão". Esse é o risco quando se fala em média.  

Gostaria de ver publicado pelo Governo, isso nunca ocorreu, um gráfico da distribuição, em termos de valores, da aposentadoria dos servidores públicos. É lógico que há servidores públicos que se aposentaram com valores exorbitantes, até porque há aquele efeito cascata, aquele efeito repique incorporados ao salário. E, quando há um número razoável de pessoas nessa situação, ocorre um aumento natural na média. Ao fazer-se uma distribuição por faixa salarial, por exemplo, de servidores públicos que se aposentaram com proventos de R$300 a R$500, de R$500 a R$1.000, de R$1.000 a R$1.200, até R$2.000, observar-se-á que 90% não têm aposentadoria muito diferente daquela da iniciativa privada.  

Outro aspecto que também não é abordado: as aposentadorias dos servidores públicos estaduais e municipais são muito inferiores as dos federais. Quando se fala em serviço público e se quer falar em média, tem-se que somar as aposentadorias dos servidores dos Estados, dos Municípios com as da União para, aí sim, calcular-se a média. Assim, talvez fosse uma média mais aproximada da realidade. Não se pode é continuar falando que a média do INSS é de quatro salários mínimos, enquanto a média do Executivo é de 11, a do Legislativo é de 32 e a do Judiciário é de mais de 40. É lógico que há distorções. Mas, não será com essa estratégia de eleger-se apenas alguns responsáveis que o Governo alcançará alguma solução.

 

Abordarei um último ponto, Sr. Presidente, pois vejo que o tempo da sessão já está se esgotando.  

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) - Alerto V. Exª que o tempo da sessão está esgotado, mas, tendo em vista a importância do tema, a Mesa solicita que conclua o seu discurso.  

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT - SE) - Sr. Presidente, concluirei, mas esse é um assunto ao qual pretendo voltar em outro dia.  

O último ponto é o que se refere à idade mínima. Aliás, como a Câmara dos Deputados reprovou a idade mínima para aposentadoria, o Governo inventou o fator previdenciário, uma forma de colocar a idade mínima na lei. Considero perfeitamente natural estabelecer-se uma idade mínima para aposentadoria, até para se evitar absurdos como, por exemplo, o do ex-Ministro Reinhold Stephanes, da Previdência, que se aposentou no vigor dos seus 40 e poucos anos.  

Insistimos por diversas vezes que se aprovada, nesta Casa, a emenda que leva em consideração a renda pessoal, votaremos a favor da idade mínima. É inadmissível que se tenha uma mesma para idade mínima para alguém que começa a trabalhar aos 14 anos de idade - normalmente até pelo fato de ter começado a trabalhar nessa idade para sustentar a família é quem ganha menos - e que contribui durante 35 anos, chega aos 49 anos e não pode se aposentar porque a idade mínima é 60 anos. Então, ficará durante 11 anos contribuindo não para a sua aposentadoria, porque para ela já contribuiu, mas para que os filhos da classe média, classe média alta, que entram no mercado de trabalho aos 25 anos e trabalham 35 anos, possam se aposentar aos 60 anos.  

Então num país como o Brasil, com essa distribuição de renda, a idade mínima só é aceitável se for introduzido um fator que leve em consideração a renda e a idade com que a pessoa ingressou no mercado de trabalho. Essa é a única saída para uma reforma da Previdência que introduza, incorpore os princípios básicos, citados por mim, de um pacto de gerações, de solidariedade social, que permitam à Previdência autonomia financeira, livre de problemas de caixa.  

Essas questões não são novas. Como disse, são emendas e propostas já apresentadas aqui quando da discussão da Previdência. Estamos dispostos a discuti-las novamente. No entanto, insisto em dizer que o Congresso Nacional é o fórum onde essa matéria tem de ser discutida.  

Não vejo, à luz da forma como se comportou nesse período, credibilidade e autoridade por parte do Governo para propor esse pacto, porque, mais uma vez, aproveita-se de um momento em que está conjunturalmente ruim perante a opinião pública e busca salva-vidas junto aos Governadores. Quando tem qualquer sobrevida, acaba se esquecendo das propostas que ele mesmo faz de pacto de entendimento e passa o rolo compressor, como aconteceu na Câmara recentemente na votação do chamado fator previdenciário.  

Entendo que essa questão da Previdência merece a atenção de todos os Parlamentares e de todos os Partidos. O próprio Governo, em outras épocas, reconhecia que o melhor projeto era o do Deputado Eduardo Jorge; o mais radical inclusive. Não fugiremos, se realmente essa for a intenção dos Parlamentares da Maioria nesta Casa. Reapresentaremos o projeto e debateremos sobre esses princípios que consideramos fundamentais para a manutenção da Previdência pública no Brasil, observados os princípios de pacto de gerações e de solidariedade social.  

Muito obrigado.  

 

× ª


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/1999 - Página 27310