Discurso durante a 139ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE AS PERSPECTIVAS DA POPULAÇÃO JOVEM BRASILEIRA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • REFLEXÃO SOBRE AS PERSPECTIVAS DA POPULAÇÃO JOVEM BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/1999 - Página 27320
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, JUVENTUDE, OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, RESULTADO, PESQUISA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), DIVULGAÇÃO, DADOS, DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, JUVENTUDE, CRESCIMENTO, ANTECIPAÇÃO, INICIO, EXPERIENCIA, SEXO, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA, FALTA, ATENÇÃO, ALTERAÇÃO, COMPORTAMENTO, PREVENÇÃO, RISCOS, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • COMENTARIO, MANIFESTAÇÃO, JOSE SERRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), PROPOSIÇÃO, POLITICA, INCENTIVO, JUVENTUDE, PREVENÇÃO, CONTAMINAÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • APREENSÃO, NOTICIARIO, IMPRENSA, CONFIRMAÇÃO, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, JUVENTUDE, VIOLENCIA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, REINTEGRAÇÃO SOCIAL, VIABILIDADE, EXPECTATIVA, JUVENTUDE, FUTURO, INCENTIVO, PARTICIPAÇÃO, VIDA, PAIS, EXERCICIO, CIDADANIA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, quisera eu estar, hoje, aqui, nesta tribuna, a tecer loas e a vislumbrar futuro promissor a toda a população jovem do Brasil. Nesse 2 de outubro se comemorou o Dia Internacional da Juventude, o que, em princípio, deveria ganhar o sentido de uma data cercada de entusiasmo, euforia e esperança. No entanto, o jovem deste final de milênio parece assustado com, e neutralizado pela, realidade que vê, sem conseguir esboçar qualquer sinal de reação, crítica ou mobilização. O pessimismo que exala é desolador.  

No caso brasileiro, o quadro de perspectivas que se lhe afigura não suscita grandes expectativas. Lá no fundo, o desemprego e a ignorância são a contrapartida de um País que ainda se depara com índices escandalosos de injustiça social e econômica. Mesmo assim, a educação surge, ainda, como a alavanca transformadora dos jovens, a partir da qual se pode sonhar com um horizonte menos sombrio. Prisioneiro de uma contraditória situação, o jovem que percebe na sociedade moderna e desigual o desencanto de suas forças é o mesmo que deposita na formação educacional a esperança de uma vida melhor.  

É mergulhado nessa contradição, portanto, que convido todos a uma pequena incursão reflexiva sobre o perfil da juventude brasileira dos tempos atuais. De antemão, já exponho minhas reservas quanto a ambição da proposta, pois tenho plena convicção de que não há uma, e só uma, juventude brasileira, mas sim uma pluralidade de caras, vozes e itinerários, a cuja fiel descrição jamais poderia atender. Com a permissão dos cientistas sociais, aproprio-me do conceito "tipo ideal" para justificar a versão de um imagem sintética da juventude brasileira, fundamentada em pesquisas recentemente publicadas. Dito isso, vamos revisitar algumas dessas pesquisas que bem caracterizam o jovem e a jovem do Brasil.  

Pois bem, há poucas semanas, o Ministério da Saúde e o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) publicaram resultados de pesquisa realizada sobre o comportamento sexual de nossa juventude. A bem da verdade, descreve um perfil, no mínimo, inquietador sobre nossa população jovem. Em primeiro lugar, revela que cresce o número de garotos e garotas que começam a vida sexual antes dos 15 anos. Mais precisamente, 47% dos homens e 32% das mulheres entrevistadas declararam ter, com menos de 15 anos, experienciado relação sexual pela primeira vez. Isso contrasta radicalmente com os dados colhidos em 84, quando o mesmo índice apontava 35% para os homens e 14% para as mulheres. Para espanto de todos, ao invés de inibir o ingresso de jovens no circuito das relações sexuais, a proliferação das doenças sexualmente transmissíveis nos últimos 15 anos parece ter coincidido com a incorporação de faixas etárias mais baixas dentro do universo de parceiros disponíveis para o sexo.  

Tal resultado vai ao encontro de outros dados anteriormente divulgados sobre o avanço da precocidade feminina, no Brasil, para fins reprodutivos. O número de partos realizados em jovens de 10 a 19 anos, em 98, se expandiu em 20% ,quando comparado com o registrado em 97. E não é só isso. Enquanto 40% das adolescentes que engravidam voltam a engravidar num período de 36 meses, 80% dos filhos gerados são, de fato, sustentados com a ajuda dos avós maternos. E mais, 70% das jovens que engravidam abandonam a escola depois do nascimento do filho.  

Retomando a pesquisa do Ministério da Saúde, ela detecta que 44% dos jovens ingerem bebida alcóolica antes de culminar o ato sexual. O índice se afigura mais dramático na medida em que se compara com outros verificados nas faixas etárias superiores. Por exemplo, entre pessoas de 26 a 40 anos, a percentagem já cai para cerca de 25%. Não surpreende, portanto, a informação de que, na faixa etária masculina entre 16 e 19 anos, o índice de entrevistados que confirmam o uso de drogas por, pelo menos, uma vez chega a 26%.  

No tocante à segurança no sexo, que consiste num dos fatores mais relevantes e reveladores do perfil juvenil, uma das conclusões a que se chegou com a pesquisa é de que, embora a grande maioria dos jovens esteja bem informada sobre os riscos da AIDS, ela não se preocupa em mudar de comportamento. Ou melhor, segundo a interpretação de Elza Berquó, demógrafa do Cebrap e coordenadora da pesquisa, o estudo mostra que não haveria estreita relação causal entre o grau de conhecimento e o grau de exposição a riscos, contrariando senso comum até há pouco vigente. Talvez aqui resida a conseqüência mais grave da disseminação do pessimismo na vida dos adolescentes.  

Ciente do impasse, o Ministro da Saúde, José Serra, já manifestou sua preocupação em propor uma política educativa que incentive os jovens não somente a adquirir a teoria preventiva, mas também a transformá-la em prática cotidiana. Não sem razão, uma das estratégias do Governo será a de, agora, estimular o uso absolutamente necessário da "camisinha" entre os jovens.  

O lado mais perverso desse quadro é que os grupos de jovens que menos sabem sobre a AIDS são exatamente aqueles com menor escolaridade, os mais pobres e os de regiões menos desenvolvidas. Na mesma linha, as mulheres jovens e pobres compõem o grupo no qual a contaminação da AIDS vem crescendo mais rapidamente.  

Sr. Presidente, mas se, do ponto de vista das práticas sexuais, a juventude brasileira pode ser caracterizada como um conjunto largamente homogêneo de condutas e ações, do ponto de vista dos valores, dos interesses e das visões de mundo, o panorama se configura de modo bem heterogêneo. A Unesco realizou pesquisa entre jovens de Brasília no começo de 99 e identificou, claramente, dois grupos bem distintos e quase antagônicos de jovens: o "jovem zona sul" (Plano Piloto) versus o "jovem periferia" (reunindo os jovens das cidades satélites de Planaltina, Samambaia e Ceilândia).  

Do lado do "jovem zona sul", se verificou que 90 % dos entrevistados estudavam, aspirando a obter diploma universitário, profissão de prestígio e bom emprego. Do lado do "jovem periferia", se constatou que apenas 60% dos entrevistados eram estudantes, cujo sonho de vida preponderante consistia na busca de emprego: qualquer emprego. Isso obviamente não carrega em si um sinal de novidade, mas reforça a tese de que o fosso social no Brasil divide e opõe, abruptamente, não somente classes, mas também o imaginário que povoa a cabeça de milhões de jovens da mesma idade.  

Não por acaso, tampouco, no imaginário dos jovens da "zona sul", o jovem da "periferia" é construído como aquele que representa a violência, a pobreza e ao qual a raça negra mais se associa. Em contrapartida, no imaginário dos jovens da "periferia", o jovem da "zona sul" se aproxima da imagem daquele sujeito arrogante que não trabalha, que explora os outros e que pensa que tudo pode. Trata-se, sem dúvida, de autênticos estereótipos que reproduzem seu antagonismo no tempo e no espaço, na esteira de uma sociedade que, secularmente, não resolve problemas básicos de desigualdade econômica, de distribuição de renda, de acesso à infra-estrutura urbana e de acesso à educação formal.  

O mais frustrante é que a mídia no Brasil parece se nutrir dessa fonte imagética para congelar padrões rígidos e hierarquizados de consumo e de gosto entre os jovens. O sociólogo Brasilmar Ferreira Nunes, professor da UnB, denunciou, em artigo intitulado "Jovens no Beco sem Saída", com muita propriedade, que a indústria do entretenimento vende uma falsa imagem do País, como se a juventude brasileira fosse toda branca, saudável, escolarizada e habitando moradias minimamente decentes. Para ele, a mídia opera sua "magia comunicativa" como se a violência entre os jovens do Brasil fosse um fenômeno típico dos grupos mais pobres da sociedade.  

Ora, bem sabemos que a realidade não condiz nem de longe com o palco feliz montado pelas mídias. Basta ler os jornais das grandes cidades brasileiras para atestar o constrangedor envolvimento de jovens oriundos das classes privilegiadas na proliferação de atos de vandalismo, espancamento, estupro e toda sorte de violência. Como pano de fundo, avulta a questão do preconceito, da discriminação e da exclusão social e cultural dirigida contra as populações "qualitativamente" minoritárias do País.  

Por outro lado, é atrás dos jovens de classe média que a mídia corre incessantemente, na expectativa de expandir seu universo de espectadores e consumidores. Tais jovens movimentam a economia nacional, consumindo desmesuradamente telefones celulares, roupas, bicicletas, sanduíches e bebidas. O mercado publicitário sabe que o jovem consome tudo e, por isso, desperta sua cobiça, merecendo das agências tratamento especial. A julgar pelo número de pares de tênis vendidos em 98 no País, entre 15 e 16 milhões, não restam dúvidas sobre a participação decisiva dos jovens nesse mercado, que movimenta 1 bilhão de reais por ano. Isso para não mencionar o mercado de bicicletas, no qual se estima uma movimentação de 750 milhões de reais por ano, para cujo consumo o segmento de adolescentes contribui com a parcela de 45% da clientela total.  

De tudo isso uma certeza, a juventude repercute valores recebidos e anuncia novidades, desempenhado papel crucial no emaranhado tecido econômico-cultural da sociedade, intitulando-se representante maior do conflito da transição entre gerações. Nesse sentido, é muito significativo constatar por meio de pesquisas uma incômoda descrença dos jovens em relação à política e as instituições públicas. Pelo menos, foi isso que detectou o livro Fala Galera: juventude, violência e cidadania , organizado pela Unesco e pela Fiocruz, que publica resultado de pesquisa realizada no início de 99, junto a 1.200 jovens cariocas das classes A, B, C, D e E.  

Ali, percebe-se que os jovens do Rio de Janeiro nutrem verdadeira aversão à política, aos 3 Poderes e – o que causa preocupação – ao regime democrático. Sem confiança nos valores da ordem pública, recorrem à hostilidade, ao preconceito social, contra minorias sociais de toda sorte. Nessa lógica, o livro dispara que 20% dos jovens consultados consideram normal humilhar um ser humano em virtude de sua opção sexual ou profissional. Nunca é demais ressaltar que o direito à diferença constitui conceito-chave na formação das sociedades democráticas e justas.

 

Sr. Presidente, de sua parte, o Governo cumpre sua tarefa, apostando em reformas pontuais na estrutura educacional do País. O Censo Escolar de 99, por exemplo, registra que o número de matrículas no ensino médio cresceu nada menos que 57% em relação a 1994. E não é só: 32,6% dos jovens entre 15 e 17 anos estão matriculados, indicando crescimento de 10% em relação ao número de 94. Para o ano 2000, o Ministro Paulo Renato trabalha com a meta de chegar a 50% dos jovens entre 15 e 17 anos matriculados nas escolas. O desafio foi lançado.  

Por fim, apesar do tom alarmista impresso em cada pesquisa aqui abordada e discutida, acredito que a sociedade aos poucos começa a compreender que o pessimismo da juventude se reduz a mero mal-estar passageiro se medidas de reintegração social forem logo acionadas. Para tanto, o Governo parece trilhar o caminho certo, tomando decisões apropriadas nas áreas de saúde e educação já aqui comentadas. Nesse contexto, cabe ao jovem brasileiro maior dose de tolerância com o processo político, deixando de renunciar ao papel de cidadão que a democracia lhe atribui, mas exercendo com participação e entusiasmo sua função de construtor da Nação.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

 Ø ¿


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/1999 - Página 27320