Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE QUEDA DA BOLSA DE NOVA YORQUE E SUA RELAÇÃO COM A CRISE DO CAPITALISMO MUNDIAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • REFLEXÕES SOBRE QUEDA DA BOLSA DE NOVA YORQUE E SUA RELAÇÃO COM A CRISE DO CAPITALISMO MUNDIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/1999 - Página 27826
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, BOLSA DE VALORES, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PROVOCAÇÃO, CRISE, CAPITALISMO, MUNDO.
  • CRITICA, CAPITALISMO, CONCENTRAÇÃO, RIQUEZAS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), APROVEITAMENTO, EMPOBRECIMENTO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, DESTRUIÇÃO, PROCESSO, PRODUÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última sexta-feira, a Bolsa de Nova Iorque fechou com uma queda de mais de 11%, que só perdeu para a queda ocorrida naquela quinta-feira negra de outubro de 1929 e que abriu as portas do inferno não só para a sociedade capitalista como também para todo o mundo.  

Aquele colapso da Bolsa, que até hoje não foi bem compreendido, foi o antecessor de um colapso no processo produtivo, de uma crise que fez com que, por exemplo, a produção de carros, a produção de duráveis da linha branca, despencasse de 5.300.000 unidades, em 1929, produzidas nos Estados Unidos, para 900.000 unidades em 1931 e para apenas 700.000 quatorze anos depois. Nesses quatorze anos, a produção do setor mais dinâmico da sociedade capitalista caiu de 5.300.000 para 700 mil unidades. As forças produtivas foram cercadas e juguladas. As forças produtivas que o capitalismo desenvolveu até 1929 não encontraram mercado, por isso caíram. Não puderam encontrar essa cumulação fantástica ocorrida até 1929 nos Estados Unidos tampouco o trabalho humano, o excedente e a taxa de lucro produzida por aquele trabalho para sustentar o processo.  

Quando isso ocorre, de vez em quando sentimos que alguém – como Alan Greenspan, Diretor-Geral do Federal Reserve Bank (FED), nos Estados Unidos – percebe que as Bolsas estão quentes demais. O processo está criando uma pressão. Trilhões de dólares se amontoam em reservas por este mundo afora. Por exemplo, só os fundos de pensão e de aposentadoria nos Estados Unidos detêm cerca de US$17 trilhões, ou seja, dois PIBs norte-americanos. Esses fundos, devido à necessidade de disporem de liquidez a cada momento, são obrigados a se dirigir, principalmente, para a Bolsa de Valores. Enquanto se vai retirando o dinheiro da produção e do comércio numa economia falida, para a especulação, para comprar papéis, para comprar títulos do Governo, bonds, treasure notes nos Estados Unidos e aqui esses R$500 bilhões que se canalizaram para a compra dos papéis da nossa dívida pública – R$500 bilhões –, a atividade produtiva chora e pena, aqueles que ainda podem e poderiam investir com algum lucro não têm recursos porque, nesta fase senil do capitalismo, nesta crise fantástica, foram todos canalizados para a especulação. E essa especulação só se manterá enquanto novos recursos afluírem para a Bolsa, valorizando as antigas ações, esquentando ainda mais o processo, esquentamento que faz tremer o Sr. Alan Greenspan, Presidente do Banco Central norte-americano, e causa-lhe insônia.  

De modo que, quando há um esfriamento como esse, que pode se transformar em um congelamento total, em uma glaciação total da atividade capitalista mundial, quando se verifica um tremor desses, o qual não se sabe se vai chegar aos nove pontos da escala Richter, aqueles que já perderam há muito tempo o fio da meada, o controle dessa situação, que é absolutamente incontrolável, não têm controle algum.  

Assim, é óbvio que o Presidente do Banco Central norte-americano, um dos mais poderosos homens do mundo, treme em suas bases diante de fatos sobre os quais sabe que não tem poder algum e torce para que a Bolsa dos Estados Unidos esfrie, caia, deixe de esquentar tanto. Mas, quando ela cai como aconteceu na sexta-feira, obviamente, ele também não consegue dormir, porque não sabe aonde vai parar essa queda, uma vez já principiada na quinta-feira negra de 1929, na Bolsa de Nova Iorque, e que perdurou pelo menos 14 anos.  

Apenas em 1941, o PIB americano se igualou ao de 1929. Ocorre que, nesse produto industrial dos Estados Unidos, em 1943, não entravam os carros que deixaram de ser produzidos, as geladeiras, os artigos de consumo. Esse PIB cresceu nos seus setores bélicos, militares e espaciais. Um PIB, portanto, desumano; um PIB que em nada servia ao homem, a não ser para sua destruição. As forças produtivas não foram contidas apenas, mas destruídas por esse sistema que se implantou no mundo.  

Por que o capitalismo acumula com essa voracidade? Por que o capitalismo concentra, como está acontecendo agora, só nos Estados Unidos, mais de 40% das riquezas do mundo? Por que 5% da população que moram nos Estados Unidos podem destruir, anualmente, mais de 40% das matérias-primas mundiais? Por que, como mostraram as últimas pesquisas feitas nos Estados Unidos, 1% da população norte-americana continuou a se enriquecer, enquanto os 5%, 10% mais pobres se empobreceram ainda mais durante os nove anos de prosperidade norte-americana?  

Não é apenas a África; não somos apenas nós na América do Sul; não é apenas o resto do mundo que se empobrece na medida em que o capitalismo central se enriquece e se afoga em sua adiposidade. Não pode parar de crescer e cresce até que sua adiposidade, sua gordura especulativa, sua seiva aguada, sem os conteúdos vitais necessários, mostre, numa crise fantástica, a realidade interna e oculta por um falso desenvolvimentismo.  

Os Estados Unidos demonstram essa grande capacidade de sustentar-se sobre a pobreza do mundo. Além da perigosa Bolsa, que mostrou as suas garras e o grau de sua periculosidade na última sexta-feira, outros fenômenos preocupam demais a potência do Norte.  

Ao deixar de investir no grande setor que sustentou o processo de crescimento norte-americano, que sustentou o emprego e o lucro nos Estados Unidos, ao deixar de investir na guerra, é óbvio que aquele país só poderia sobreviver se encontrasse outras atividades lucrativas onde investir os US$17 trilhões, frise-se, os US$17 trilhões que foram gastos apenas na Guerra Fria.  

Sobre isso, desejo reportar-me a um episódio que considero interessante. Trata-se da declaração do diretor de uma agência de pesquisas norte-americana, a TEW, que desejava saber qual o fato que os norte-americanos consideravam como o mais importante deste século. Disse ele ter ficado surpreso quando verificou que nenhum dos entrevistados se referiu a esse fato fantástico: US$17 trilhões foram gastos apenas na Guerra Fria, jogados fora em guerra e espaço. Ninguém respondeu que este era o fato mais fantástico do século!  

Escrevi, em 1958, em Roma, em uma tese que defendi naquela ocasião, que, para mim, era a guerra o fato central, sem o qual não se poderia compreender o século XX. Houve 344 guerras entre 1740 e 1974. Para felicidade minha – quer dizer para felicidade da minha tristeza –, de acordo com Eric J. Hobsbawn, em seu último livro, intitulado A Era dos Extremos , é impossível entender o século XX sem colocar em seu centro a guerra. Diz o autor que ocorreram 76 guerras internacionais em um brevíssimo lapso de tempo.  

Desse modo, então, era natural e normal que, uma vez que esse grande centro dinamizador, o capitalismo, desenvolvesse ao máximo as suas forças produtivas, entraria em crise e passaria, como passou, a desenvolver as forças improdutivas e destrutivas; porém, altamente remuneradas. E, para que fossem bem remuneradas e dessem bastante lucro, esses setores, que atraíam mais capitais, retiravam recursos que poderiam ser investidos em alimentos, em roupas, em carros, em qualquer coisa, atraindo-os para o setor mais lucrativo, que passou a ser o bélico, o espacial, os setores destrutivos necessários ao capitalismo.  

Volto-me, agora, para Marx, que foi considerado, numa pesquisa feita pela BBC, via Internet, como já referi aqui desta tribuna, o homem mais inteligente do milênio – notem: não do século, mas do milênio. Isso depois de tantos gastos para provar que Marx não tinha razão; depois de tanto sacrifício para mostrar que Marx estava enganado, ou ainda, para mostrar que as forças produtivas não se desenvolveriam a ponto de causar e exigir a superação desse estrangulamento das atividades humanas, do trabalho humano, da inteligência humana, esse estrangulamento que representa cada dia mais as relações sociais do capitalismo.  

Marx havia previsto, sim, a crise de sobreacumulação, de excesso de capital. O problema do capital é o próprio capital, que se desenvolve principalmente no seu setor metálico, mecânico, técnico, que substitui e desemprega o homem, enriquecendo a máquina. Essa civilização obviamente iria esbarrar nos problemas criados pelo próprio capital: o capital desempregador, empobrecedor, concentrador de renda e de riqueza.  

Na sessão de amanhã, a Hora do Expediente será dedicada a homenagear o Dia do Professor, mas vou falar sobre o assunto hoje. Não acredito que educação resolva o problema. Sou professor a vida inteira e meu pai foi professor até a sua morte. Eu tinha motivos para me encantar com a possibilidade do ensino. É óbvio que acho fantástica a possibilidade que tem o homem de desenvolver seu intelecto, seu conhecimento, seu saber. Não tenho dúvida nenhuma de que essa é uma das formas mais sublimadas que a humanidade pode ter de aplicar a energia de sua vida, erotizar o saber, erotizar o conhecimento e transformar o mundo também por meio dessas transformações que a cabeça, o cérebro, a inteligência levam até a prática. Mas é um grande equívoco, um engodo falar que a educação resolve. A educação, sozinha, não resolve coisa alguma.  

Quando eu morava na Inglaterra, tive um limpador de janela que era formado em Física, tinha mestrado em Física, em Oxford. E era limpador de janela! Milhares de PhDs estão trabalhando em postos de gasolina como frentistas. No Brasil vemos a todo momento médicos servindo como porteiros, como motoristas. Alguns até conseguem ser digitadores, desempregando aqueles que teriam uma habilitação suficiente para desempenhar essas funções menos qualificadas.  

De modo que uma sociedade bem-educada, uma sociedade de filósofos miseráveis, maltrapilhos, uma sociedade de advogados desempregados, uma sociedade de doutores esmolambados, sem emprego e sem futuro, obviamente só poderá ser uma sociedade com mais clareza e mais clarividência para as suas frustrações, as suas limitações, do que o desajuste entre o ensino e a sua possibilidade de atuar na prática e voltar ao ensino novamente, ampliando o seu saber, para aplicar esse saber acrescido numa prática engrandecida. Sem essa unidade entre estes pólos - trabalho, emprego e cultura - a cultura fica com uma perna só, não se sustenta e vira mero engodo, promessa vã.

 

Nos Estados Unidos, com exceção daqueles que estão próximos do capital, 5% da população continua a se enriquecer, ultrapassa os 500 mil dólares por ano de renda, enquanto o seu trabalho principal parece ser o de desalojar, formular com o seu saber, o downsizing, a reengenharia, as formas pelas quais a máquina, a técnica, o capital constante desalojam e desempregam o ser humano.  

O SR. PRESIDENTE (Agnelo Alves) - Lamento informar a V. Exª que o tempo está esgotado.  

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF) - Agradeço a V. Exª a paciência. Eu gostaria apenas de dizer que, quem sabe, em uma segunda ou sexta-feira despovoada, eu poderia até falar alguma coisa sobre a visão que aprendi e que procurei levar avante a respeito da crise do processo dialético e crítico que impulsiona a história do capitalismo.  

Tenho convicção formada há muito tempo de que todas as contradições que Marx determinou, ainda em um capitalismo embrionário, limitado, cresceram, desenvolveram e estão se manifestando na crise completa do capitalismo mundial, que já começou a se manifestar já no sudeste asiático, e há muito tempo, desde 1990, está presente no Japão, onde há uma corrente de marxistas que fala na crise de sobreacumulação, de excesso de capital que, obviamente, ameaça a economia japonesa já há muito tempo e que se manifestou na grande crise de 1990.  

Encerro meu pronunciamento e agradeço a paciência com que me permitiram colocar essas palavras.  

Muito obrigado.  

 

n ü


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/1999 - Página 27826