Discurso no Senado Federal

CONSAGRAÇÃO DE KARL MARX COMO 'O GENIO DO MILENIO' EM PESQUISA REALIZADA PELA RADIO BBC DE LONDRES, VIA INTERNET.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • CONSAGRAÇÃO DE KARL MARX COMO 'O GENIO DO MILENIO' EM PESQUISA REALIZADA PELA RADIO BBC DE LONDRES, VIA INTERNET.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/1999 - Página 27781
Assunto
Outros > IMPRENSA. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, PRONUNCIAMENTO, ROBERTO REQUIÃO, SENADOR, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, PROVIDENCIA, REFERENCIA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, GRUPO ECONOMICO, EDITORA, EFEITO, REFORÇO, DEMOCRACIA.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, PESQUISA, IMPRENSA, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, ESCOLHA, INTELECTUAL, CIENTISTA, FUNDAMENTAÇÃO, INFLUENCIA, PENSAMENTO, SOCIEDADE, AMBITO INTERNACIONAL.
  • APRESENTAÇÃO, CONCLUSÃO, PESQUISA, AMBITO INTERNACIONAL, ESCOLHA, KARL MARX, INTELECTUAL, CIENTISTA, RESPONSAVEL, INICIO, PENSAMENTO, CRITICA, CAPITALISMO.
  • COMENTARIO, APREENSÃO, QUALIDADE, CRISE, SISTEMA, CAPITALISMO, AMBITO INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, EFEITO, GLOBALIZAÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar a minha fala, eu gostaria de dar os parabéns, um abraço efusivo, um amplexo de consciência para consciência ao nobre Senador Roberto Requião, que acaba de fazer mais um libelo no sentido de defender o espaço da dignidade e da democracia neste País.  

Hoje, eu não precisaria de 20 minutos, porque esse tempo não seria suficiente para que eu lesse um pronunciamento que, talvez, um dia, faça aqui desta tribuna. Ao invés de fazê-lo, eu gostaria apenas - e para isso não preciso tanto tempo - de lembrar uma coisa: a BBC de Londres patrocinou uma pesquisa na Internet para saber qual seria o grande cérebro, o gênio dos nossos mil anos, não do nosso século - brevíssimo século como dizia Eric John Hobsbawn -, mas do nosso milênio, um milênio povoado de muitos e genuínos gênios da raça. Quem será o mais inteligente homem que existiu nesse milênio? É a BBC de Londres que lança essa pergunta e colhe as respostas. Será Einstein, com a sua Teoria da Relatividade revolucionária? Será Freud, com a sua penetração escafandrista no inconsciente humano? Será Freud, o que tentou decodificar as mensagens mascaradas do nosso inconsciente? Será o grande autor de Novum Organun , que afirmou que o nosso pensamento é produzido socialmente, traz consigo os ídolos, os preconceitos, as formas equivocadas de ver o mundo, e através desses condicionamentos da educação, desses desvios de uma educação deseducadora? Será que através das distorções que a religiosidade, principalmente aquela que era tão imperante, tão condicionante nos tempos de Bacon, a quem me refiro, autor do Novum Organun , novos instrumentos, novas formas de entender o pensamento humano?  

Alguns, durante muito tempo, acharam que Shakespeare era um apelido, um outro nome que Bacon utilizava para realizar a sua obra literária. Essa tese foi superada, mas, de qualquer maneira, é um marco, é um momento pelo menos igual ao de Descartes, que poderia ser considerado mecanicista por alguns conservadores, como o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ou poderia ser considerado um gigante do nosso milênio. E há tantos outros, em tantos terrenos do conhecimento e da ação humana. Talvez Leonardo Da Vinci. Há muita gente boa para ser coroada por essa pesquisa.  

E quem foi escolhido como o homem do milênio, a cabeça do milênio? Ninguém mais ninguém menos do que o vilipendiado, do que o marginalizado, aquele que grande parte da humanidade não leu e não gostou, incluída nesta humanidade o Sr. Roberto Campos, que, tenho certeza absoluta, nunca leu Marx, mas tem uma ojeriza voltada para aquilo que desconhece e teme. E, talvez, tema mais por desconhecer profundamente.  

O Sr. Roberto Campos, que ocupou todos os cargos neste País, com exceção da Presidência da República - Ministro, Embaixador, membro da Academia Brasileira de Letras, Senador -, no seu discurso de posse no Senado Federal, ao criticar o conceito marxista de desemprego, adotou os conceitos de Blaug, um autorzinho de pensamento econômico, ao invés de mostrar que conhecia alguma coisa do original. Se S. Exª conhece Marx, ele tranca esse conhecimento a sete chaves, porque só se manifesta a respeito dele com críticas completamente infundadas e fora da realidade.  

Karl Frederic Marx foi satanizado durante o século XX pela Direita, pelo pensamento reacionário, cujas raízes profundas impedem a evolução verdadeira e a superação de nossa civilização, afirmando e reafirmando sua presença que vampiriza a sociedade e tentando erguer os seus avanços através da marginalização de um número cada vez maior de seres humanos.  

Aprendi a ser marxista, com muito orgulho, e passei a vida inteira tentando vencer a minha burrice, através da leitura e da pesquisa. Sempre procurei não colocar interesses políticos, interesses subalternos, baias, dogmas, ideologias e interesses menores nas minhas relações com os meus alunos. Procurei, na medida do possível, aproximar-me da realidade. Sei que a realidade não tem dono, que é um processo em contínua transformação. De modo que temos de ser muito modestos ao tratarmos com essa realidade fugidia e com o processo de transmissão do conhecimento aos nossos alunos.  

Felizmente, escrevi pouco, porque considerei muito séria a transposição do meu ser, das minhas idéias, dos meus princípios para o papel. Escrevi pouco mais de duas mil páginas, mas não consegui publicar praticamente nada. Existe uma censura que pesa não apenas neste Senado Federal, uma censura que tampona a capacidade de expressão dos políticos dos pequenos partidos de oposição, alijados dos pontos de visualização de sua atividade.  

Assim, a censura que recebemos, um pouco mais forte e mais direta no regime militar, não se pode comparar à censura que o liberalismo capitalista da época de Marx lançou sobre ele. Judeu, de início alemão, filho de um advogado judeu, jovem ainda, com pouco mais de vinte anos, diretor da Gazeta Renana , foi praticamente expulso da Alemanha. E na sua peregrinação, como os grandes personagens da nossa História, acabou se imortalizando. Por onde Jesus Cristo andou e peregrinou não se sabe ao certo até hoje, mas o fato é que Ele, como Mao Tsé Tung, como Marx, como todos os perseguidos, estava caminhando como Ulisses para a mitologia ou para a história, para a eternidade.  

Marx também foi escorraçado da França, encontrando em Londres um lugar onde poderia escrever sua obra, complicada, principalmente para a nossa cabeça unidimensional. É muito difícil que nós, simplistas, que patinamos no nível da aparência, consigamos entender uma linguagem que sempre mostrou que a aparência não passa de uma manifestação do que há de real, interno e oculto nos fenômenos capitalistas. Que os fenômenos monetários constituem um véu e quase uma superestrutura econômica dentro do econômico. Os fenômenos de inflação e de deflação, esse conteúdo irreal que o capitalismo produz, interage sobre a realidade. A mentira é real no capitalismo, faz parte dele.  

Se quisermos estudar o capitalismo na sua integridade, temos que estudar as mentiras, as ilusões, as místicas e a mitologia que o capitalismo produz: a mitologia neoliberal que sucedeu à mitologia liberal que Marx tão bem criticou; a forma pela qual o pensamento humano é produzido, defendo os interesses de classe, sendo os portadores de justificativas para aquela estrutura social iníqua que ele tão bem conheceu e cujas conseqüências sofreu na carne.  

Sem emprego, sem dinheiro, sem recursos, casado com uma nobre alemã, Westfallen - o seu cunhado foi ministro na Alemanha no tempo de Bismarck -, Marx sofreu as conseqüências de sua visão crítica, construtiva, da necessidade que ele via de que, nas transformações do mundo e na grande agilidade e eficiência do capitalismo, emergia uma classe social que não tivera ainda olhos e cabeças.  

O que a economia, a produção econômica tinha de melhor até então era, simplesmente, ou quase exclusivamente, a tradução dos interesses de banqueiros e de industriais: apenas o ponto de vista da classe dominante, jogando, obscurecendo a participação dos trabalhadores, essa classe emergente que encontrou em Marx o seu olho, a sua boca, a sua forma de expressão. E esse foi o grande pecado: trazer à tona o ponto de vista que tinha de ser esquecido, marginalizado, tal como a própria classe operária, a própria classe trabalhadora o fora. Portanto, a "praga" de Marx penetrou em todos os ramos das ciências humanas a partir dele.  

Penso que, declaradamente ou não, tudo o que se escreveu depois de Marx foi tentando fazer uma crítica a ele ou tentando desenvolver, inclusive, ramos das ciências humanas das quais ele havia sido o fundador ou para as quais havia trazido contribuições da máxima importância.  

A Sociologia do Conhecimento, por exemplo, que é a ciência que pretende estudar essa produção social do pensamento humano, sem Marx, praticamente não se teria firmado, apesar das contribuições de Scheller, de Karl Mannheim e de tantos outros,  

Assim, ao invés de uma idéia conservadora, o avanço, o enriquecimento, as conquistas da burguesia, que partiu do trabalho, que partiu do artesanato, da manufatura e da grande indústria e foi criando o seu pensamento, a sua ideologia, a ideologia liberal e neoliberal, a ideologia que dizia que não devia haver governo. Por quê? Obviamente o governo contra o qual a burguesia iria insurgir-se era o despotismo aristocrático, o despotismo da sociedade estruturada, estratificada nos moldes anteriores.  

Dizer que deveria haver equilíbrio orçamentário era retirar dinheiro do rei e fazer com que, por meio de um equilíbrio orçamentário, ele gastasse menos, gastasse apenas aquilo que arrecadou. Tratava-se de enfraquecer o rei para tomar conta do poder. Essa foi a grande inteligência das propostas burguesas iluministas, mecanicistas, tal como de todas essas cabeças que nos dirigem, do Banco Central ao Ministério da Fazenda e todos os outros. São todos mecanicistas, iluministas e acreditam que exista uma força estranha e superior capaz de ajustar a ação humana aos pontos de equilíbrio melhores, eternos e ideais, para a sociedade humana.  

Obviamente, essas idéias, naquele momento, foram muito úteis para a classe social que queria crescer, que estava crescendo, acumulando poder e riqueza e que um dia varreria a aristocracia do poder. Se a aristocracia, se os reis despóticos não pudessem emitir dinheiro e tivessem que reduzir o seu poder lítrico, obtido pelo monopólio da emissão de dinheiro, melhor seria para a burguesia, porque isso enfraqueceria os reis e impediria que eles armassem grandes exércitos, tivessem o poder de corromper seus aliados e cooptá-los.  

Esse negócio de equilíbrio orçamentário, de dizer que a moeda é neutra foi uma esperteza que a burguesia inventou para enfraquecer o poder. Por esse motivo está esse poder esfarrapado, ou seja, porque não entendeu que talvez o principal instrumento, conforme Marx dizia, é que a dívida pública é valor que não se valoriza. Vão se pagando juros e mais juros sem se valorizar o dinheiro. Já o capital é um valor que se valoriza, volta para a produção, emprega trabalhadores que valorizam o capital, sendo um processo de valorização e de autovalorização do dinheiro.

 

Foi preciso muito tempo para que alguém dissesse: "acorda burguesia, deixa de ser burra". Essas suas idéias de equilíbrio orçamentário, dos poderes para quê? Obviamente para colocar nas mãos dos juízes, já burgueses, dos Deputados, representantes da população, poder que antes era enfeixado nas mãos do déspota, dividindo os poderes do déspota para enfraquecê-lo, a grande arma verbal ideológica foi o equilíbrio dos poderes, que, na prática, realmente nunca existiu. Foi preciso um Keynes que dissesse: "Burguesia burra, já tomamos o poder há muito tempo e o dinheiro é nosso agora. Vamos produzir dinheiro porque estaremos produzindo poder, força, ganharemos guerras e nos eternizaremos no poder; faremos as grandes obras e os desarranjos também, que, afinal de contas, nos perpertuarão no poder.  

A burguesia não entendeu que a sua ideologia era uma esperteza, era uma armadilha para chegar lá. Ao chegar lá, ela se prendeu na sua própria armadilha, do equilíbrio orçamentário, do equilíbrio dos poderes, em vez de se preocupar fundamentalmente com a dinâmica do capital. Marx diz também que nenhum sistema anterior ao capitalismo foi tão eficiente quanto ele.  

Na Idade Média, a Igreja arrecadava os seus dízimos e a sua riqueza e enterrava esse dinheiro ou em catedrais, ou em exércitos, ou no ouro dos tesouros que a Igreja Católica amealhou. Esse dinheiro não voltava para a produção como força crescívida; ele era imobilizado. A sociedade capitalista é que o transforma em capital e, por meio do trabalho não pago, valoriza esses recursos; e investe mais e acumula mais.  

Para manter esse sistema, é necessário que não haja aristocratas dormindo sob as suas glórias com os seus punhos de renda. É necessário que haja capitalistas inventivos, capitalistas que descubram novos mercados, capitalistas que revolucionem constantemente o sistema. Foi isto que Marx falou. Um grande elogio àqueles que adoram a eficiência. Contudo, a eficiência é muito perigosa. Perigosíssima! Por quê? Porque o capitalismo, o mais eficiente de todos os sistemas, é como se fosse um organismo que produz mais sangue do que as veias conseguem permitir que circule. Então, há explosões, há crises nesse sistema; crises que revelam as contradições que movem esse gigante; que o movem necessária e fatalmente. A crise é algo necessário; não pode ser evitada. Não há governo capaz de evitá-la.  

O capitalismo, esse gigante fantástico, não é tão inteligente quanto os seus defensores fazem crer. Não tem imaginação. As medidas anticíclicas, de combate à crise, que existem hoje, muitas delas estavam presentes, por exemplo, na crise de 1847; na crise de 1861, que Marx, no terceiro tomo de O Capital, tão bem analisa. Estavam presentes na crise de 1861 a 1865 e na crise de 1873 a aproximadamente 1990 – a mais prolongada das crises do capitalismo.  

Portanto, essa sociedade contraditória, que vive, que se fortalece e enriquece por intermédio do empobrecimento, é concentradora de renda. Ela cria uma máquina que, de acordo com Marx , tem três partes: o motor, a linha de transmissão e a máquina-ferramenta, que é a mão da máquina. Marx diz que a revolução industrial parte dessa parte da máquina, a máquina-ferramenta, que pule, que lixa, que martela, que corta. A máquina-ferramenta é que substitui o homem, porque ela é a mão da máquina; por isso ela pode substituir a mão-de-obra humana. E a substituirá, de acordo com Marx, até a utilização de trabalhadores chegar a um ponto em que o seu limite será zero – limite no sentido matemático do termo.  

De modo que o desemprego capitalista, esse desemprego tecnológico, foi administrado durante 50 anos, durante os quais o Governo resolveu gastar dinheiro, emitir dinheiro para reempregar trabalhadores, para abrir frentes de trabalho, para aumentar a dívida pública.  

A que devemos essa grande acumulação de capital na Holanda? À existência da dívida pública, diz Marx. Portanto, o Governo se endivida para alimentar os banqueiros, os capitalistas. Sem dívida pública, banqueiros e capitalistas vão se enxugar também, vão falir, como está acontecendo no Brasil, sob as barbas de um ex-marxista, ao comando desse processo burro, estúpido, do ponto de vista do capitalismo. Do ponto de vista da humanidade, é totalmente desumano.  

Estamos chegando naquele limite a que Marx se refere. Mas é somente Marx que fala que o sistema cria desemprego e reduz salário, como se zero fosse o seu limite? Não. Keynes fala isso várias vezes. Aquele que sucedeu Alfred Marshall, na Inglaterra, Pigou, diz que salário zero assegura o pleno emprego. E o incrível é que hoje, no Brasil, o salário anda perto de zero, com 130 miseráveis reais por mês, e o desemprego crescente e assustador.  

Se o Brasil fosse pagar, como a Austrália, R$2,8 mil por mês de salário mínimo, em vez dos R$130,00 aí é que o desemprego brasileiro revelaria a sua potencialidade. Mas quando se achatam os salários, o salário que deixamos de ganhar vai pagar outros trabalhadores. Então, somos nós, trabalhadores, que criamos oportunidades de emprego e dinheiro para reempregar – o dinheiro que nos foi levado.  

O que Marx quis fazer, entre outras coisas, foi levar à frente o humanismo diante de um sistema metálico, desumano. Percebeu muito bem que não se pode maximizar o lucro e maximizar a vida humana, que são incompatíveis. Ou optamos pela vida humana, pela sua maximização, ou optamos pelo capital. Não há conciliação possível.  

Eu, que tanto pelejei para não me dobrar, se tivesse encontrado argumentos, já estaria do outro lado há muito tempo ou, talvez, não tivesse saído do outro lado, onde nasci. Mas fui para a proximidade daqueles que só chegam lá quando têm coragem. Sem coragem não se chega lá. Desculpem-me a expressão – podem até retirá-la dos Anais –, ... ...não chega lá!  

Aqueles que querem usufruir o dia-a-dia, os réis a mais de amanhã, de uma promoçãozinha, neste nosso sistema reacionário e conservador, não são capazes de enxergar o mundo, de ver e compreender o mundo e sentir as angústias e a possibilidade de superação desta sociedade, uma sociedade que, inexoravelmente, será superada.  

É pena que o custo de sua superação de novo recaia sobre os trabalhadores, sobre os aposentados, sobre as crianças. Isso faz parte da lógica do sistema. Sempre foi assim dentro do capitalismo.  

Assim, é muito natural que alguns seres duais, que querem, nas eleições ou perto delas, mostrar o seu lado humano, depois mostrem que são adoradores do capital, são sacerdotes do capital, são escravos do capital. Esses seres duais, obviamente, têm que ser trânsfugas quando se aproximam e chegam a entender alguma coisa da mensagem daquele que essa pesquisa, agora, afirma ser a inteligência do milênio. Não respeitam a inteligência do milênio e não podem respeitá-la. Não devem respeitá-la mesmo.  

O mundo visto como um processo de globalização está lá, n’ O Manifesto Comunista , e em todas as obras de Marx. A hipótese dele é a do capitalismo desenvolvido em escala mundial. É assim que ele trabalha, é assim que ele vê. Ele teve que fazer uma extrapolação, como se o capitalismo tivesse se desenvolvido em escala mundial, globalizado-se, para fazer uma análise dessa totalidade cheia de diversidades e de contradições que é o sistema capitalista.  

A verdadeira cidadania, nós não a conhecemos. A cidadania está do outro lado e o capitalismo, monótono, repetitivo, não tem mais do que quatro ou cinco instrumentos, ao longo de toda a sua história, desde a crise de 1810 até esta, para administrar as suas contradições, para tentar superar a crise. Os mecanismos são muito poucos. O capitalismo, esse gigante, tem pouca imaginação; ele também cria os seus limites de ação e de avanço.  

O que vemos, agora, é a tentativa desesperada de se solucionar o problema de um capitalismo que atingiu esse nível de globalização, esse nível de acumulação de capital.  

O problema do capital, diz Marx, é o próprio capital. Ao se acumular e se concentrar demais, ele destrói as suas condições de reprodução, entra em crise, crise de sobreacumulação. Se deixa crescer alguns setores mais do que outros, ele entra em crise de desproporção; e se produz demais e reduz a renda e o salário de grande parte da sociedade – uma produção em massa sem massa de consumidores –, há uma crise de subconsumo e ele não resolveu crise alguma. Ele veio carregando os seus problemas e as suas contradições, e essas crises de subconsumo, de desproporção, de sobreacumulação aparecem, ressurgem, renascem em todo o colapso do sistema.  

Nada foi resolvido. Como dizia Delfim Netto, há pouco tempo, quando resolvemos um problema, criamos três. E não me consta que Delfim Netto seja marxista.  

Pois bem, o tempo não me permite quase nada. Eu queria apenas prestar, com estas palavras improvisadas, uma homenagem àquele que, felizmente, eu ainda vivi o suficiente para ver reconhecido, nessa pesquisa isenta da BBC de Londres, via Internet, escolhido, coroado como o cérebro do milênio.  

O filósofo Moses, na Alemanha, escreveu uma carta para um seu amigo dizendo: "Finalmente, você vai ter a oportunidade de conhecer Marx. Marx não é apenas Heráclito; ele é Heráclito e Hegel superados; Marx não é apenas Sócrates; Marx é Sócrates superado". E assim por diante. Marx tinha 24 anos de idade. Parece-me que ninguém, neste milênio e nessa idade, recebeu esses elogios. E era como se ele não tivesse acreditado nesses elogios. Ele não dormiu sobre os louros, preferiu dormir sobre os livros que lia, deitado no chão de sua casa, ou na biblioteca de Londres.  

Às vezes, temos também motivos para uma alegria real, verdadeira, neste mundo e neste País em que cada riso e cada alegria parecem ser impulsionados por um ato de alienação. Temos que perder a consciência da dor, do sofrimento e da marginalização em que vivemos; do que, há pouco tempo, o Sr. Everardo Maciel disse: "O Brasil é uma cleptocracia caminhando para uma narcocracia".  

Marx jamais xingou tanto, ofendeu tanto. Ele fez uma análise finíssima para mostrar como a igualdade das trocas contém uma desigualdade que se transforma em capital acumulado, e como o capital acumulado acaba criando as suas forças destruidoras, de autodestruição, que a crise manifesta.

 

Hoje, estou muito satisfeito, muito alegre. Desculpem-me se essa alegria, como qualquer uma outra, tem como contraface a alienação, a perda de consciência dessas tristezas que a nossa nobre Colega, que agora preside esta sessão, tão bem sabe expressar como experiência e como vivência e como vontade de superação, como vontade de solucionar, de resolver ou de amenizar essas agruras de nosso tempo, essas angústias de nossa sociedade.  

Senadora Heloisa Helena, agradeço a paciência com que me permitiu falar e registrar o coroamento, no final do milênio, daquele que foi, para tantos pesquisados na BBC de Londres, considerado o cérebro do milênio.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/1999 - Página 27781