Discurso no Senado Federal

MOROSIDADE DO GOVERNO FEDERAL NA REALIZAÇÃO DA REFORMA AGRARIA, FATO QUE VEM ACIRRANDO OS CONFLITOS PELA TERRA, DESTACANDO A REALIDADE DO MATO GROSSO DO SUL.

Autor
Juvêncio da Fonseca (PFL - Partido da Frente Liberal/MS)
Nome completo: Juvêncio Cesar da Fonseca
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • MOROSIDADE DO GOVERNO FEDERAL NA REALIZAÇÃO DA REFORMA AGRARIA, FATO QUE VEM ACIRRANDO OS CONFLITOS PELA TERRA, DESTACANDO A REALIDADE DO MATO GROSSO DO SUL.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/1999 - Página 28017
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • AUMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), PROMESSA, REFORMA AGRARIA, NECESSIDADE, URGENCIA, SOLUÇÃO.
  • CRITICA, GOVERNO, OMISSÃO, ATRASO, REFORMA AGRARIA, APREENSÃO, AUMENTO, MOVIMENTAÇÃO, SEM-TERRA, RODOVIA.
  • REGISTRO, DECLARAÇÃO, RAUL JUNGMANN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE POLITICA FUNDIARIA (MEPF), AUSENCIA, RECURSOS, INFRAESTRUTURA, PRODUÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA.
  • APREENSÃO, CONFLITO, SEM-TERRA, PRODUTOR RURAL, LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DO POVO, CORREIO DO ESTADO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ASSUNTO, REFORMA AGRARIA, ATUAÇÃO, GOVERNADOR.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PFL - MS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, confesso aos meus pares que tenho enriquecido o meu espírito e os meus conhecimentos sobre este Brasil de tantas contradições a partir do momento que passei a integrar esta Casa e a Comissão para Erradicação da Pobreza, de inspiração do nosso Presidente Antonio Carlos Magalhães. Digo isso porque as audiências públicas que se realizam levam depoimentos cada vez mais esclarecedores sobre a verdade da nossa riqueza e da nossa pobreza.  

Em razão disso, passei a observar com outros olhos a questão fundiária no Brasil e, de modo especial, no meu Estado, Mato Grosso do Sul. Um Estado potencialmente rico, mas que, a despeito das suas riquezas e do grande esforço da sua gente na produção da terra, tem assistido crescer a cada dia o número de pobres, especialmente na zona rural e, de modo ainda mais especial, nas faixas de domínio das estradas públicas, as federais. Essa horda de pobres é fruto das promessas de reforma agrária num Estado que tem terras para todos. Mais do que isso: num País onde há consenso em todas as camadas sociais em favor da reforma agrária, inclusive na classe política, seja ideologicamente de esquerda ou de direita.  

A Nação deveria estar vivendo momentos de confiança nos instrumentos da democracia para a construção de uma sociedade mais justa, seja no campo, seja nas cidades.  

No entanto, não é o que está ocorrendo.  

Há um festival de vontades em convergência, mas há também um vácuo de lógica nos fatos, que nos leva à conclusão de que o Governo não deseja a reforma agrária que prega.  

Não adianta tanta terra agricultável. Pouco importa a manifestada opção política do Governo Federal de executar a reforma agrária. De nada vale o apoio popular e político para que se faça de uma vez por todas o corte das áreas e os assentamentos sonhados. Também já não é suficiente a concordância dos proprietários com a desapropriação mediante pagamento em títulos da dívida agrária.  

O que está faltando? Está faltando a opção política do Governo Federal de fazer definitivamente a reforma agrária.  

Enquanto isso, preocupa-nos a figura do sem-terra, acampado nas estradas, nas faixas de domínio das BRs, no interior deste País. É uma figura complexa, de difícil definição. É um homem com esperança no peito em razão das promessas, muitas delas utópicas, do Governo e das organizações dos sem-terra. Por outro lado, é um homem aflito que não vê, na prática, a realização do seu prometido pedaço de terra. Na estrada, com a família, é um conduzido. Representa a execração pública da pobreza, misturada com sua condição de pré-invasor da propriedade alheia. Se de um lado é considerado um excluído, do outro é considerado um vilão.  

De consideração em consideração, sua família vai perecendo. O que é pior, com o perecimento de sua família, também perece a paz no campo. Do lado de cá da cerca, há a ameaça do sem-terra. Do lado de lá, a ameaça do proprietário rural na defesa da sua propriedade.  

Excluído ou vilão, aí está o homem, nosso irmão, brasileiro como nós e enganado como nós. Não há dinheiro nem para os sem-terra, nem para os produtores. Há, e muito, para o pagamento da dívida externa - com juros estratosféricos -, que aniquila a nossa soberania política e econômica.  

O Ministro da Reforma Agrária, Raul Jungmann, em seu depoimento na Comissão para a Erradicação da Pobreza, afirmou que dinheiro não falta para desapropriar terras suficientes para assentar todos os sem-terra do Brasil, justificando que não faz isso porque a reforma agrária não se faz só com terra, e sim com ela e com a infra-estrutura necessária para a produção. E confessa que para tudo isso não há recursos suficientes.  

Eu diria ao Ministro Raul Jungmann, como um de seus admiradores, pelo seu talento de administrador do quase impossível, mas com inteligência e diálogo democrático que, nessas alturas, dar só a terra já é um grande avanço. Em grande parte dos assentamentos hoje feitos, sequer existe água potável ou energia, uma escola ou um posto de saúde. Que o digam os prefeitos municipais, que se esforçam em solidariedade com os assentados para dividir a sua pobreza fiscal com a deles. Sensibilizados, os prefeitos comprometem a sua minguada receita, inviabilizando o município diante dos olhos irresponsáveis do Governo Federal.  

Sr. Presidente, Srs. Senadores, no Mato Grosso do Sul, atualmente, existem 76 assentamentos feitos pelo INCRA, com 12.031 famílias assentadas em 342.747 mil hectares. Segundo relatório do próprio INCRA, esses assentamentos precisam de 60 escolas para atender 51 dos 76 existentes. Quarenta e quatro precisam de água; 24, de concessão de crédito para habitação e de 535 km de estradas.  

Desse mesmo relatório do INCRA consta a seguinte informação:  

Escolas e Postos de Saúde - É oportuno esclarecer que também em função da limitação de recursos, há vários anos não tem sido possível a locação de recursos para a execução de obras visando ao atendimento às áreas de educação e saúde por parte do INCRA. A orientação transmitida às comunidades assentadas tem sido a de encaminharem os pleitos aos respectivos Ministérios (Educação e Saúde), via órgãos subordinados, no âmbito Municipal e Estadual - ou seja, por intermédio do prefeito e do governador do Estado.  

Por outro lado, o chamamento dos excluídos para a reforma agrária está fazendo aumentar a multidão de acampados nas estradas. Em razão da lentidão do Governo em dar a terra, os acampados, insuflados politicamente e sob a bandeira de apressar a reforma agrária, invadem terras produtivas, cometem crimes contra o patrimônio e contra o meio ambiente.  

Em meu Estado e em outros Estados, o conflito violento entre os acampados e os proprietários rurais está por um fio. Os proprietários rurais têm tido a paciência, não sei até quando, de dar tratamento jurídico e político às invasões, especialmente àquelas das terras produtivas. Sabem eles que qualquer ato de violência, mesmo em legítima defesa da sua propriedade, levantará a ira dos defensores dos pobres e excluídos e acabarão como vilões também.  

A pobreza da iniciativa do Governo Federal de efetivamente realizar a reforma agrária está jogando o sem-terra e o proprietário rural numa mesma vala - a vala dos vilões.  

A questão é grave. Daí pode nascer um movimento de ódio e rancores que não condiz com a formação do brasileiro. Por isso é urgente a adoção de providências para restabelecer não só o Estado de Direito, mas para dar solução definitiva para essas populações esperançosas de terra que acampam nas estradas deste Brasil.  

A reforma agrária é urgente. Nosso povo não pode esperar por mais tempo.  

Eu gostaria de me socorrer da imprensa do meu Estado para dar um retrato do que se passa no meio rural sul-mato-grossense - que não é diferente do meio rural de outros Estados. São reportagens dos jornais do meu Estado.  

Vejamos:  

(...)Até quando esses latifúndios desumanos vão continuar pisando nessas pessoas, indagou o Governador Zeca do PT? Para acrescentar: "Vamos trabalhar com firmeza para evitar arbitrariedades contra os sem-terra. Agiremos dentro da lei, mas para controlar a situação de humilhação às famílias.  

( Folha do Povo, 2 de outubro);  

"Sem-terras resistem e queimam pontes".  

Uma demonstração de resistência dos sem-terra que há três meses invadiram a Fazenda Austrália, com três mil hectares, em Deodápolis, surpreendeu ontem a tropa de 200 soldados da Polícia Militar, que foi até a local garantir o despejo. Os invasores incendiaram duas pontes de madeira e uma terceira parcialmente. Também colocaram vários obstáculos no meio de três estradas, dificultando o acesso até o acampamento deles.  

(Correio do Estado, 25/09/1999)  

"Tribunal de Justiça condena 16 sem-terra por saque".  

Eles receberam pena de três anos de reclusão e terão que pagar multa.  

Os condenados lideraram grupo com mais de 300 sem-terra, armados com ferramentas agrícolas no saque ao caminhão Mercedes-Benz, placa PX 1336, de Cascavel, no Paraná. Em apenas cinco minutos, conseguiram roubar cerca de 15 toneladas de alimentos e outras mercadorias que foram distribuídas entre 250 famílias acampadas na região.  

(Correio do Estado , em 24/09)  

"Polícia Militar mobiliza 400 para o despejo de sem-terra".  

Tropa de policiais foi enviada ontem para a retirada de 550 famílias sem-terra no interior (...)  

(Folha do Povo, em 24/09.)  

Outra reportagem. Os deputados ameaçam pedir intervenção federal no Estado. Aliados tomaram essa iniciativa para garantir o restabelecimento da ordem em Mato Grosso do Sul.  

Os deputados ameaçam pedir intervenção federal em Mato Grosso do Sul se o Governador José Orcírio dos Santos (PT) não tomar duras medidas para restabelecer a ordem no Estado. Os próprios aliados do Governo levantaram essa questão, preocupados com as invasões de terras, seqüestros, abates de reses e desobediência do Governador em não cumprir ordens judiciais de reintegração de posse.  

(Correio do Estado , 23/09/1999)  

 

Outra reportagem:  

"Pode haver mais saques, diz o MST".  

Movimento diz que fome pode levar famílias a saquear, devido ao atraso na distribuição das cestas básicas.  

O alerta foi feito ontem pelo Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, em Mato Grosso do Sul, Sr. Egídio Brunetto.  

Ele disse que já conversou com os acampados, mas alega que a fome é determinante entre os acampados da região de Itaquiraí, que, nesta semana, saquearam 61,7 toneladas de alimentos. "Chega uma hora que não dá para segurar", comentou, ontem, o coordenador do MST.  

(Folha do Povo , 23/09/1999)  

"Sem-terra vão ficar sem cestas"  

Zeca do PT avisou, ontem, que vai cortar o envio de cestas básicas para os acampamentos dos sem-terra.  

Inspirado no sábio chinês Confúcio, Zeca afirmou que não vai mais entregar os peixes, mas ensinar os sem-terra a pescá-los.  

"Todo mundo vai ter de pegar no cabo do guatambu", advertiu.  

(Folha do Povo

"Tensão no campo"  

Governador reage depois de ser criticado por falta de ação contra os sem-terra.  

O Governador José Orcírio dos Santos (PT) fez, ontem, a primeira crítica pública aos sem-terra do Estado. Em Dourados, ele condenou as invasões de fazendas que aterrorizaram os proprietários nos últimos meses e colocaram em risco a governabilidade. "Os trabalhadores rurais não podem continuar pensando que podem tudo em nome da reforma agrária", advertiu o Governador.  

Ele foi duramente criticado, até por aliados políticos na Assembléia Legislativa, pela falta de controle das ações dos sem-terra. Os Deputados ameaçaram inclusive com o impeachment do Governador se a medida não fosse adotada para minimizar o clima de tensão nas propriedades rurais.  

O Governador reagiu prometendo agir com pulso firme para manter a ordem no Estado. Ele quer mostrar que não perdeu a autoridade, condenando as invasões indiscriminadas, e mantém o idealismo pela defesa da reforma agrária.  

Nas críticas aos invasores, Orcírio dos Santos não citou, porém, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) como o responsável pela anarquia que se alastrou no campo. Em recente encontro com Deputados estaduais, José Orcírio teria dito que não estava defendendo a violência nem as invasões de propriedades e, depois, prometeu desocupar as áreas invadidas pacificamente. Mas, agora, o Governador endureceu o discurso contra os invasores de terra no Estado. Não deixou de criticar, também, a morosidade da implantação da reforma agrária no Estado. "As doze mil famílias acampadas em várias partes do Mato Grosso do Sul depõem contra o Estado", observou o Governador.  

(Correio do Estado , 14/10/1999)  

"José Orcírio tenta acabar com clima tenso e reaglutinar sua base aliada na Assembléia."  

O Governador José Orcírio dos Santos (PT) foi, ontem, à Assembléia Legislativa reatar as relações com os Deputados, acabando com o clima tenso e de confronto, depois de passar duas semanas atacando os seus aliados, inclusive a Bancada Federal. Ele ouviu muitas queixas, principalmente da sua base aliada, com atuação do Governo na busca da solução para os conflitos no campo."  

(Correio do Estado , 14-10-1999)  

"Sem-terra nos últimos dias invadiram oito fazendas e ontem bloquearam a MS-160"  

Os sem-terra resolveram revidar os ataques do Governador José Orcírio Miranda dos Santos promovendo uma série de ações. Mas lembraram que os protestos estão sendo feitos desde o início da Operação Despejo, realizada pela Polícia Militar no final do mês passado. O Coordenador da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Paulo César Farias, disse que todas as promessas feitas pelo Governador e em nome dele não foram cumpridas.  

Ontem mesmo eles bloquearam a MS-160, a 20 Km do centro de Sete Quedas. Cerca de oitocentos homens, mulheres e crianças paravam os veículos que passavam pela estrada. Os bloqueios relâmpago foram feitos também no feriadão, para angariar dinheiro. O congestionamento chegou a quatro quilômetros. Segundo Paulo César, os caminhões que transportam alimentos são saqueados.  

Enquanto isso, os sem-terra ligados à Fetagri (Federação dos Trabalhadores na Agricultura) estão desafiando, além do Governador, as autoridades judiciais e policiais com invasões em série. Durante o último final de semana e o início desta, eles invadiram oito fazendas no Estado. Segundo garantiram, é apenas o começo de uma série de ocupações.  

A meta é ocupar trinta propriedades rurais até o fim do ano. O Presidente da entidade, Sr. Geraldo Teixeira de Almeida, diz que a única forma de parar as invasões é abrindo novos assentamentos. Terça-feira, eles entraram nas fazendas Pouso Alegre e Dois Irmãos do Buriti, com dezenove mil hectares, ambas situadas em Bataguassu. Na madrugada do dia seguinte, invadiram a Fazenda Rancho Loma, em Iguatemi, com dois mil e quinhentos hectares.  

No final da semana passada, os sem-terra da Fetagri invadiram também as fazendas Guarani e Tererê, localizadas em Sidrolândia. No mesmo dia, entraram na Alegrete e Cachoeira Bonita, as duas em Rio Brilhante, além de terem invadido a fazenda Cachoeira Bonita, em Iguatemi. São oito invasões em apenas sete dias.  

Deste o início do ano, aconteceram oitenta e nove invasões de fazendas, sob a responsabilidade dos movimentos dos que coordenam os sem-terra.  

(Correio do Estado, 15/10/1999) 

É natural que o Senhor Governador pregue a luta em favor dos sem-terra, radicalizando, inclusive, unilateralmente a sua opção. É natural que os proprietários rurais defendam suas terras. É natural que os Parlamentares exijam a defesa do Estado de Direito. É natural que o povo peça paz no campo, para produzir melhor, exigindo a reforma agrária já. Mas o que não é natural e nem tolerável por todos nós é que essa situação perdure por mais tempo.  

Que reforma agrária é essa que instiga o desejo pela terra, mas a oferece mitigadamente, fazendo crescer o desespero do trabalhador, colocando-o em confronto com o produtor, com prenúncios fortes de iminente violência?  

O Ministro da Reforma Agrária, Raul Jungmann, tem merecido de todos nós os elogios pelos avanços que proporcionou à reforma agrária. Os resultados são acanhados, não pela falta do seu interesse e da sua pertinaz busca de soluções, mas por falta da disponibilização dos recursos necessários para a sua melhor execução.  

Como membro da Comissão para a Erradicação da Pobreza, ouvi as melhores autoridades sobre a exclusão social. Se fosse por mim, fosse só por mim, advogando os interesses do meu povo e da minha Pátria, eu decretaria o fim da pobreza com a efetiva e urgente reforma agrária, com recursos inclusive do imposto sobre a remessa de dólares para o exterior. Reconciliaria os homens do campo, os sem-terra e os com-terra, antes que ambos sejam considerados, injustamente, os promotores da violência que, historicamente, como Nação não aceitamos, e se tornem eles os vilões da Pátria.  

Que Deus nos guarde.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/1999 - Página 28017