Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AOS CENTO E CINQUENTA ANOS DE NASCIMENTO DE JOAQUIM NABUCO E O CINQUENTENARIO DA FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AOS CENTO E CINQUENTA ANOS DE NASCIMENTO DE JOAQUIM NABUCO E O CINQUENTENARIO DA FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/1999 - Página 28108
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, JOAQUIM NABUCO (PE), ESCRITOR, POLITICO, DIPLOMATA, INTELECTUAL, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO (FUNDAJ), OPORTUNIDADE, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, TRABALHO, ENTIDADE.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães; Sr. Vice-Presidente, prezado Marco Maciel; Senador Carlos Patrocínio, Srs. Afrânio de Mello Franco Nabuco, José Tomás Nabuco de Araújo, Dr. Fernando de Mello Freyre, Presidente da Fundação Joaquim Nabuco; senhoras e senhores familiares de Joaquim Nabuco, Srªs e Srs. Senadores, fiz questão de inscrever-me para falar nesta sessão de homenagem que o eminente Senador José Jorge propôs pela passagem do sesquicentenário de nascimento de Joaquim Nabuco e também pelos cinqüenta anos de existência da extraordinária Fundação Joaquim Nabuco.  

Essa fundação nos tem brindado com excelentes estudos a respeito da situação dos trabalhadores no Brasil.  

Com a força das palavras incansáveis, a todo momento renovadas ao longo da sua vida, desde quando jovem se tornou Deputado até o final de sua vida, da tribuna da Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional, nos seus livros, artigos, nos seus manifestos, Joaquim Nabuco tinha por propósito o alcance da justiça, da liberdade e do direito de todas as pessoas usufruírem da riqueza de nossa Nação.  

Inúmeros são os seus escritos que mereceriam ser lembrados por nós. Mas de todos, talvez um dos mais importantes - e eu gostaria de aqui mencionar - é o manifesto com cuja redação ele contribuiu e que pretendia acabar com a escravidão no Brasil.  

Eu gostaria de recordar algumas de suas palavras.  

"Há trezentos anos celebrou-se o primeiro contrato para introdução de africanos no Brasil e há trezentos anos que estamos existindo em virtude desse contrato."  

"O fato de ter sido o partido, que é em toda parte o representante natural da grande propriedade privilegiada, do monopólio da terra e do feudalismo agrícola, o autor do grande ato legislativo que paralisou a escravidão mostra, por si só, que, no momento em que o País puder de todo aboli-la, ela não achará até mesmo entre seus melhores aliados senão desertores."  

"A situação liberal torna-se depositária da escravidão e promete entregar o depósito, intacto, com as mesmas lágrimas e os mesmos sofrimentos que fazem a sua riqueza."  

"Não se enganem os nossos inimigos: nós representamos o direito moderno. A cada vitória nossa o mundo estremecerá de alegria; a cada vitória deles, o país sofrerá uma nova humilhação. O Brasil seria o último dos países do mundo se, tendo a escravidão, não tivesse também um partido abolicionista; seria a prova de que a consciência moral não havia ainda despontado nele. O que fazemos hoje é no interesse do seu progresso, do seu crédito, da sua unidade moral e nacional."  

"Levantando um grito de guerra contra a escravidão; apelando para o trabalho livre; condenando a fábrica levantada a tanto custo sobre a supressão da dignidade, do estímulo, da liberdade nas classes operárias; proclamando que nenhum homem pode ser propriedade de outro, e que nenhuma nação pode elevar-se impunemente sobre as lágrimas e os sofrimentos da raça que a sustentou com o melhor do seu sangue e das suas forças, mostramos somente sermos dignos de pertencer ao país livre que quiséramos ver fundado. Há muitos anos que foi colocada a primeira pedra do grande edifício, mas chegamos ainda a tempo de lançar os nossos obscuros nomes nos alicerces de uma nova pátria."  

Falando, em suas conferências, a respeito da batalha pela abolição da escravatura, Joaquim Nabuco, certo dia, em Lisboa, fez a seguinte reflexão sobre seus atos e procedimentos:  

"E por que não procederia eu assim? A história não está cheia de exemplos que me justificam? Por que ter contemplações com uma instituição que não se sacia de lágrimas humanas, que não tem horror ao sangue, que precisa, para existir, da ignorância e da degradação? Que povo jamais sofreu despotismo igual ao da escravidão doméstica, ao martírio da raça negra, à perseguição dos escravos? O que queríamos era fazer a escravidão envergonhar-se de si mesma, e essa vergonha já apareceu. Era que a escravidão não se confundisse com a pátria, não se identificasse com ela, e que, pelo contrário, o brasileiro tivesse o direito de denunciá-la à Europa e à América como inimigo mortal do seu país."  

Sr. Presidente, essa era a batalha de quem, todos os dias, chegava ao Congresso Nacional e dizia que não se podia continuar com aquela situação. Tenho a convicção de que se hoje Joaquim Nabuco estivesse vivo, ele estaria continuando a sua batalha.  

Ainda ontem, o Presidente Nacional da Central Única dos Trabalhadores, Vicente Paulo da Silva, em cerimônia no Ministério do Trabalho, entregou ao Ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, e também, em visita ao Senado, ao Presidente Antonio Carlos Magalhães, o mapa da população negra no mercado de trabalho no Brasil.  

Nesse estudo, realizado pelo DIEESE na região metropolitana de São Paulo, Salvador, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e Distrito Federal, do Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial, nota-se que a situação do negro no Brasil, hoje, em 1999, é muito pior do que a do branco. Com o desemprego, por exemplo, é ele quem mais sofre. Em Belo Horizonte, a taxa de desemprego da população não-negra é de 13,8%, contra 17,8% da população negra; no Distrito Federal, 17,5%, contra 20,5% dos negros; em Porto Alegre, 26% para os negros e 15,2% para os demais; em Recife, 23% para os negros e 19,1% para os demais; em Salvador, 25, 7% para os negros e 17,7% para os outros; em São Paulo, 22,7% para os negros e 16,1% para os outros.  

Eles também estão ganhando bem menos. Se examinarmos o rendimento médio mensal por etnia, veremos que, em Belo Horizonte, para os outros, o salário médio é de R$735, e, para os negros, R$444; no Distrito Federal, R$1.122 para os outros e R$165 para os negros; em Porto Alegre, R$628 para os outros e R$ 409 para os negros; em Recife, R$619 para os outros e R$363 para os negros; em Salvador, R$859 para os outros e R$403 para os negros; e em São Paulo, R$1.005 para os outros e R$ 512 para os negros.  

No Distrito Federal, enquanto para o homem branco o salário médio é de R$1.306, para o homem negro é de R$898. Para a mulher branca, R$923; e para a mulher negra, R$614.  

Esses dados demonstram que a luta pela libertação do ser humano, independentemente de sua origem, raça, sexo, qualquer que seja a sua condição, ainda precisa continuar. Tenho a convicção de que, se Joaquim Nabuco estivesse hoje nesta tribuna, estaria transmitindo ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao Vice-Presidente, Marco Maciel, e a todos nós, Parlamentares, que é chegada a hora de libertarmos efetivamente o ser humano e de colocarmos em suas mãos condições de sobrevivência digna. O Congresso deveria estabelecer que toda pessoa residente no Brasil tem de ter condições adequadas para freqüentar a escola, condições adequadas de moradia, condições adequadas de alimentação.  

É preciso que todos tenham os ativos necessários que possibilitem o seu desenvolvimento, para que depois não sejam discriminados - o que ainda ocorre. Os dados que acabo de ler denotam com clareza que o Brasil, desde 1888, abolida a escravidão, ainda não tomou as atitudes necessários para reverter as conseqüências de mais de 300 anos de escravidão. É preciso fazer isso, e precisamos ingressar no século XXI com esse direito definido.  

Tenho certeza, Sr. Presidente, de que, estivesse hoje Joaquim Nabuco estudando, como sempre fez - mesmo nas suas viagens à Europa procurava manter relações com aqueles que estavam pensando em como garantir liberdade e justiça ao ser humano -, estaria ele interagindo com as pessoas que hoje estão batalhando para que, em cada nação do mundo, se defina como um direito à cidadania uma renda básica; o direito à garantia de uma renda mínima como um direito inalienável da pessoa humana.  

Quero cumprimentar o Senador José Jorge pela iniciativa desta homenagem. Tenho certeza de que, em breve, neste País, a consciência será geral.  

Joaquim Nabuco ressaltou que até mesmo o Partido, constituído principalmente por proprietários e beneficiários da escravidão, em certo momento não quis mais defendê-la. Hoje, até mesmo um dos principais políticos do PFL, da base de Governo, que participou durante anos do regime de exceção neste País, está também dizendo que não podemos continuar, de maneira alguma, com o grau de miserabilidade que existe na nossa Nação. Tenho saudado o Presidente Antonio Carlos Magalhães por essa atitude. S. Exª tem dito que é preciso um esforço da Nação e do Congresso Nacional, diferentemente de outros que criticam seu encontro com o Presidente de Honra do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, para que se possa acabar com a miséria no País.  

Acho que foi positivo esse encontro e fico imaginando como Joaquim Nabuco o teria visto. Não posso adivinhar, mas acredito que, se convidado para participar do diálogo de segunda-feira última, teria expressado, com convicção, palavras como aquelas que eu há pouco citei, dizendo que o Brasil não poderia compactuar com o crime da escravidão, da mesma maneira que, hoje, não pode compactuar, de maneira alguma, com o fato de haver cerca de um terço da população brasileira vivendo com menos do que o suficiente para sobreviver e atender as suas necessidades vitais.  

Espero que iniciemos o Século XXI transformando essa triste realidade.  

Muito obrigado. (Palmas)  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/1999 - Página 28108