Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AOS CENTO E CINQUENTA ANOS DE NASCIMENTO DE JOAQUIM NABUCO E O CINQUENTENARIO DA FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AOS CENTO E CINQUENTA ANOS DE NASCIMENTO DE JOAQUIM NABUCO E O CINQUENTENARIO DA FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/1999 - Página 28111
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, JOAQUIM NABUCO (PE), ESCRITOR, JORNALISTA, ADVOGADO, DIPLOMATA, POLITICO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO (FUNDAJ), OPORTUNIDADE, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, TRABALHO, ENTIDADE.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, parlamentar, advogado, diplomata, escritor, jornalista, historiador, mas, também e sobretudo, abolicionista.  

Falo de Joaquim Nabuco, que de tão nobre ideal fez a razão superior de sua existência, quase toda dedicada à causa da libertação dos escravos.  

É esse o motivo da homenagem do Senado Federal à memória do grande brasileiro, no transcurso dos 150 anos de seu nascimento em terras pernambucanas de Recife.  

Se há motivos para evocar a figura desse notável brasileiro, amplia-se nossa responsabilidade nos dias atuais, diante da constatação de que, lamentavelmente ainda resta muito por fazer para tornar realidade a advertência do próprio Nabuco, para quem ao triunfo da abolição deveria seguir-se a adoção de medidas complementares em benefício dos libertados.  

A liberdade aos negros foi alcançada, mas ainda prevalece, no limiar de um novo milênio, tratamento desigual a iguais.  

A dedicação de Joaquim Nabuco em favor da abolição talvez possa nos servir agora de estímulo à continuidade de sua luta e, assim, quem sabe mais cedo que supomos, possam ser rompidas as barreiras do preconceito racial em nosso País, sobretudo no mercado de trabalho.  

A simples leitura dos jornais permite-nos, em qualquer dia, o levantamento de uma realidade que nos amargura. Como, por exemplo, a indicação do DIEESE de que, no Brasil, os negros recebem salários menores do que os brancos, são maioria nos postos de trabalho precários e convivem maios com o desemprego, além de se situarem mais distantes dos cargos de chefia.  

Entendo, Sr. Presidente e Srªs. e Srs. Senadores, ser este momento oportuno para trazer à lembrança ideais dessa grandiosidade, que movem o ser humano em suas lutas.  

Joaquim Nabuco, a esse propósito, sustentava que "um homem em geral não leva a efeito mais de uma idéia. E afirma, com humildade:  

"Eu dediquei-me todo à abolição."  

Esta homenagem estende-se também à Fundação Joaquim Nabuco, nossa notável instituição nascida de uma idéia de Gilberto Freyre e que, neste ano, está comemorando meio século de uma existência de êxito, comprovado pelas suas numerosas realizações, estudos e pesquisas sociais, que vão da economia ao meio ambiente..  

Suas origens datam de 1948, quando o então Deputado Federal Gilberto Freyre – o grande sociólogo e antropológo brasileiro – apresentou projeto de lei aprovado pelo Congresso e sancionaldo peloPresidente da República, Eurico Gaspar Dutra, convertendo-se na Lei nº 770, de 21 de julho de 1949.  

Além de seminários que promove periodicamente, a notável Fundação pernambucana disponibiliza aos estudiosos e ao público em geral, inclusive pela INTERNET, publicações, estudos e estatísticas versando sobre praticamente todas as áreas do conhecimento.  

Volto a falar de Nabuco, o abolicionista.  

Além de desempenhar atividades parlamentares por 10 anos, nosso grande abolicionista também se manifestava em outras tribunas, sobretudo a popular, dirigindo-se a todos os segmentos da sociedade civil, numa pregação em que sistematicamente incluía o tema que representava sua meta principal.  

Na avaliação do trabalho desse orador patrício , os historiadores são unânimes em atribuir a sua eloqüência a razão da justa fama com que era visto no País e até no exterior.  

Realmente, essa eloqüência estendera-se para fora do território brasileiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, ele retomou o discurso público e seus pronunciamentos influíram decisivamente no relacionamento entre aquele país e as nações latino-americanas, notadamente o Brasil.  

Nosso mais importante poeta parnasiano, Olavo Bilac, que conhecia Nabuco, considerava seu estilo como "modelo de concisão e clareza", acrescentando, ademais, que "o seu talento, amadurecido em pleno outono fecundo, produzia frutos opimos de sábia política e diplomacia previdente e providente".  

Foi, inegavelmente, como político, e com a bandeira que nesse campo empunhava que Joaquim Nabuco mais se destacou, depois de alguns anos de exercício de vida diplomática, primeiro em Londres e a seguir em Washington.  

Seu ingresso no cenário parlamentar não foi, contudo, muito fácil. A idéia de candidatar-se era algo com o que jamais sonhara, sobretudo porque a vida política nunca lhe despertara qualquer atrativo.  

O que o induziu a enveredar por esse caminho foi o acaso, na forma de um pedido da mãe, que lhe revelara ser esse o desejo manifestado, pouco antes de morrer, pelo pai, o Senador José Thomaz Nabuco de Araújo.  

Ao apelo ele aquiesceu, sem no entanto supor jamais que a insistência materna e o amor filial não apenas o estavam conduzindo à vida parlamentar, mas, também, a uma brilhante carreira política.  

O êxito alcançado pelo esforço pessoal, lastreado em sólida formação intelectual, não evitou que, em seu caminho, enfrentasse as asperezas de um começo árduo, diante das resistências opostas pelos grupos que então detinham o poder em Pernambuco.  

Inicialmente conhecido apenas pelo seu lado literário e artístico e recém-saido da diplomacia, Nabuco não encontrou receptividade entre os pernambucanos, mas, ao contrário, viu-se às voltas com uma forte oposição ao lançamento de seu nome como candidato.  

A rejeição, inicialmente restrita aos bastidores do antigo Partido Liberal foi vencida, mas, entre o eleitorado nada mudava, mantendo-se as resistências por mais algum tempo.  

As dificuldades da fase inicial de uma promissora carreira fizeram o novo parlamentar entender a grande, talvez a maior lição da natureza humana.  

Mas como a vida é um permanente aprendizado, tais obstáculos serviram-lhe de estímulo para que, investido do mandato, desse tudo de si e demonstrasse que o voto popular que o guindara ao Poder Legislativo não fora em vão.  

Nabuco, desde logo, deixou isso bem evidente . E, a partir daí, foi presença constante em plenário, exercitando com saber e dignidade o novo mister, ao qual se dedicava na plenitude.  

Sua estréia na tribuna ocorreu no dia 1º de fevereiro de 1879, não tendo sido necessários mais que uns poucos pronunciamentos, para que a Câmara toda percebesse que realmente Nabuco não estava ali à-toa.  

"Vejo uma situação liberal, homens liberais, mas não vejo idéias liberais – dizia Nabuco para que todos os ouvissem. E a isso acrescentava, ainda com maior veemência: "Não há senão um meio para resistir a esse destino implacável; é substituir os grandes homens, que nós perdemos, pelas grandes idéias !"  

Por grande idéia Nabuco entendia a luta pela emancipação dos escravos, fazendo questão, pela postura que desenvolvia, de deixar isso bem claro.  

Essas idéias, i.é, sua opção pelo fim do predomínio escravocrata, eram como que "brasa quente", pelo poder de sua oratória e pela firme convicção com que Joaquim Nabuco levava avante sua quase obstinada luta.  

Essa convicção é que tornava brilhante sua atuação como político militante. Do repúdio ao trabalho escravo, seu discurso passou também a exaltar o trabalho livre, revelando grande preocupação com o futuro sócio-econômico do ex-escravo.  

Srªs. e Srs. Senadores, os discursos de Nabuco sempre eram acompanhados atentamente pelos Deputados e pelas galerias. A Câmara, de fato, tornou-se a arena predileta de Nabuco.  

Ali, ao falar, recebia aplausos e manifestações, dos colegas parlamentares e também das galerias.  

Ele mesmo, Nabuco, faz uma autocrítica de seu primeiro ano de atuação como parlamentar:  

"Foi um ano de atividade e de expansão único em minha vida, esse de 1879, em que fiz a minha estréia parlamentar. Posso dizer que ocupei a tribuna todos os dias, tomando parte em todos os debates, em todas as questões... O favor com que era acolhido, os aplausos da Câmara e das galerias, a atenção que me prestavam, eram para embriagar facilmente um estreante..."  

De fato, sua presença na tribuna era praticamente diária, abordando todos os temas levados a debate. Falava sempre de improviso, sobre imposto de renda, sobre reforma constitucional, de eleições diretas e de política externa, mas também sobre a causa da liberdade religiosa.  

Seu tema primordial, porém, era o abolicionismo.  

Os abolicionistas depositavam esperanças nos discursos públicos e também nas campanhas que a imprensa desenvolvia com o objetivo de emancipação dos escravos.  

A idéia humanitária por ele conduzida em seus pronunciamentos na Câmara levou Graça Aranha, escritor, diplomata e amigo de Nabuco, a assim classificar o abolicionista por excelência:  

"Quando Joaquim Nabuco aparecia na plataforma, tratava-se de um cruzado, vestido na armadura brilhante de sua eloqüência."  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar de seu êxito como orador no Parlamento, Joaquim Nabuco experimentou duro revés em sua pretensão de recandidatar-se à Câmara dos Deputados. Os dirigentes do partido não aceitaram sua pretendida candidatura devido aos seus ideais de libertação dos escravos .  

Em consequência, ficou ausente da atividade parlamentar ao longo da legislatura 1881-1884 e a gota d’água que mais influiu para que sua candidatura tivesse sido vetada terá sido o projeto que apresentara em 1880, determinando a extinção da escravidão no Brasil.  

Por já não contar com a antiga tribuna para propagar sua luta em favor da emancipação dos escravos, Nabuco percebeu então a necessidade de, num outro canal, estender a todo o País as ações que ele e seus seguidores desenvolviam com aquele objetivo.  

Foi, assim, fundada a Sociedade Anti-Escravagista Brasileira.  

A nova entidade abraçou de corpo e alma a campanha abolicionista, colhendo os louros da idéia acalentada por Nabuco em 13 de maio de 1883, pouco tempo após essa intensificação da propaganda pró emancipação.  

Surgira, finalmente, o fim da escravidão negra no Brasil. Essa a maior contribuição de Nabuco ao Brasil. E o instrumento de que se valera para essa pregação,- instrumento decisivo, - foi o grande poder de sua oratória exuberante.  

Chegava-se, também, ao desfecho de uma vida de luta nem sempre compreendida.

 

Um desfecho que ao Brasil só engrandecia.  

E que, para o grande artífice desse esforço a emancipação dos escravos, representava o coroamento de uma causa que lhe servira de postura de vida.  

Vale aqui, por oportuno, lembrar que essa foi uma causa iniciada anos antes, num determinado dia em que – quis o destino - Joaquim Nabuco se comoveu diante de uma cena de tristeza imensurável.  

A cena é registrada em "Minha Formação", a autobiografia de Nabuco, onde se lê:  

"Eu estava uma tarde sentado no patamar da escada exterior da casa, quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido, de cerca de 18 anos, o qual se abraça aos meus pés, suplicando-me pelo amor de Deus que o fizesse comprar por minha madrinha, para me servir. Ele vinha das vizinhanças, procurando mudar de senhor, porque o dele, dizia-me, o castigava, e ele tinha fugido com risco de vida."  

E, como que para justificar sua luta pela emancipação dos escravos, completa:  

"Foi esse o traço inesperado que me descobriu a natureza da instituição com a qual eu vivera até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava... Por isso, combati a escravidão com todas as minhas forças, repeli-a com toda a minha consciência..."  

Por isso, também, ele, Joaquim Nabuco, é merecer da homenagem que hoje lhe tributa o Senado Federal. Como, igualmente, da homenagem e do reconhecimento de todos os brasileiros.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/1999 - Página 28111