Pronunciamento de Ney Suassuna em 21/10/1999
Discurso no Senado Federal
HOMENAGEM AOS CENTO E CINQUENTA ANOS DE NASCIMENTO DE JOAQUIM NABUCO E O CINQUENTENARIO DA FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO.
- Autor
- Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Ney Robinson Suassuna
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- HOMENAGEM AOS CENTO E CINQUENTA ANOS DE NASCIMENTO DE JOAQUIM NABUCO E O CINQUENTENARIO DA FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 22/10/1999 - Página 28114
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, JOAQUIM NABUCO (PE), ESCRITOR, JORNALISTA, ADVOGADO, POLITICO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).
O SR. NEY SUASSUNA
(PMDB - PB) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, "acabar com a escravidão não basta. É preciso destruir a obra da escravidão". Com essas palavras, síntese mais que perfeita do pensamento e da ação política de Joaquim Nabuco, inicio meu pronunciamento nesta sessão dedicada a celebrar a passagem dos cento e cinqüenta anos de nascimento desse notável homem público que Pernambuco deu ao Brasil.
Nada de fortuito teve a escolha dessa epígrafe. A um só tempo, ela traduz a extraordinária visão que Nabuco desenvolveu acerca do Brasil – especialmente quanto ao comportamento de suas elites, das quais era oriundo – e sua arguta visão histórica. Exatamente por isso, suas idéias atravessam a linha do tempo, jamais perdendo a atualidade.
Fixemos, desde já, nossa análise na crucial questão do escravismo que, situado na base dos três séculos de colonização do Brasil, manteve-se em vigor por quase todo o século XIX, a despeito das profundas transformações então operadas na economia mundial. Para Nabuco, o problema da escravidão assumia uma dimensão plural: era uma "nódoa", sob o ponto de vista social, inconcebível ante os mais elementares padrões éticos e morais; em termos econômicos, era a ponta- de-lança do atraso, incapaz de permitir o desenvolvimento do País dentro dos parâmetros estabelecidos por um capitalismo liberal, fundado na industrialização que se universalizava; mas, acima de tudo, era a negação intrínseca da possibilidade de a democracia deitar raízes em terras brasileiras.
Para ele, a persistência do regime escravocrata condenava o Brasil a ser "um país sem povo", pela absoluta ausência de cidadania. Monarquista, não via na República a garantia da democracia, somente possível com a valorização do trabalho livre. Não por acaso, por volta de 1886 – quando a campanha abolicionista atingia seu auge – ofereceu a Pedro II o sábio conselho para salvar a Monarquia: "Procurar o povo nas suas senzalas ou nos seus mocambos e visitar a Nação no seu leito de paralítica".
Creio residir nesse ponto, Senhor Presidente, a marca mais fulgurante do ideário de Joaquim Nabuco. Jamais teve a ilusão de que a democracia pudesse ser confundida com meros jogos políticos. A propósito, sempre teve clareza quanto ao caráter "fraudulento" do Parlamentarismo que aqui se praticava, sofrível encenação de um espetáculo emoldurado por maneirismos ingleses.
Foi além, no entanto. Teve a coragem intelectual e a grandeza cívica de apontar o desconforto de um cenário político, como o que tínhamos no Segundo Império, em que o bipartidarismo nada mais era que roupagem distinta a cobrir corpos semelhantes. "Nada mais parecido com um liberal do que um conservador no poder", ou, "liberais e conservadores são farinha do mesmo saco", expressões consagradas pela sabedoria popular, refletiam uma situação minuciosamente analisada e desnudada por Nabuco. Para ele, nossos Partidos ressentiam-se de crônica abstinência de idéias, de um corpo doutrinário, de modo a apontar-lhes diferenças significativas.
Muito adiante de seu tempo, nosso homenageado de hoje tinha consciência de que, vencida a barreira interposta por muitos setores das elites brasileiras, a abolição do trabalho escravo haveria de acontecer. No entanto, antevia com precisão que essa decisão, conquanto bem-vinda e indispensável, não poderia esgotar-se em si mesma. Conforme suas premonitórias palavras, era necessário dar o grande salto à frente, destruindo a obra produzida por quatro séculos de escravidão.
Nesse sentido, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, faço uso das lúcidas palavras do grande Gilberto Freyre, o fundador da Sociologia brasileira, a quem tanto devemos para a adequada compreensão de nossa formação histórica. Para o mestre de Apipucos, enquanto os políticos tradicionais desenvolviam uma visão apenas política ou somente econômica do problema da escravidão, Nabuco "a todos excedeu na amplitude social, humana, suprapartidária, que deu ao seu apostolado a favor dos escravos. E foi esse apostolado que fez dele um radical, com alguma coisa de socialista – socialista ético – em sua crítica ao sistema de trabalho e de propriedade dominante no Brasil Império: homens donos de homens; terras imensas, dominadas feudalmente por umas poucas e privilegiadas famílias; escravidão, latifúndio".
Penso ter Gilberto Freyre apreendido o sentido mais profundo do Nabuco reformador social. Quando o filho do Conselheiro e Senador do Império José Thomaz Nabuco de Araújo insiste na abolição, seguida de atitudes concretas que extingam as "instituições auxiliares da escravidão", está pensando no indispensável fim do "monopólio territorial"; está defendendo o trabalho efetivamente livre como condição para "o futuro, a expansão, o crescimento do Brasil"; está falando da valorização do trabalhador, alguém que carece de liberdade, proteção e amparo "em toda a extensão do País, sem diferença de raça nem de ofícios".
Fiel às suas crenças, Nabuco jamais esmoreceu em seu valente combate. Escreveu nos jornais. Usou, destemido, a tribuna parlamentar. Viajou mundo afora em busca de adesão à campanha abolicionista. Em 1880, ei-lo fundando a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, lançando manifesto e editando o jornal O Abolicionista . Percorreu as capitais de Portugal, Espanha, França e Inglaterra, buscando e recebendo apoios.
Como bem registra a Enciclopédia Barsa, "de 1882 a 1884 exilou-se voluntariamente em Londres, onde escreveu O Abolicionismo, em que expôs suas idéias para a libertação dos escravos e pela primeira vez usou a expressão ‘reforma agrária’, ao defender a idéia de que a emancipação só teria sentido se acompanhada pela democratização da terra".
De volta ao País e às atividades políticas, como Deputado eleito por Pernambuco, vemos Nabuco plenamente empenhado por uma monarquia federativa e pelo abolicionismo. Diversos opúsculos defendendo o fim da escravidão foram por ele escritos e divulgados. Em 1886, em Londres, vamos encontrar Joaquim Nabuco apresentando moção antiescravista na conferência da Associação de Direito Internacional. Incansável, vai ao encontro do Papa Leão XIII, a quem solicita um ato pessoal em favor da libertação dos escravos.
Quando se examinam as teses de Nabuco é que se confirma sua extraordinária atualidade! Com efeito, se pensarmos nas questões estruturais que se colocam na ordem do dia deste Brasil de 1999, haveremos de encontrar, em posição de relevo, os problemas envolvendo o acesso à terra e os decorrentes da exclusão social. Se voltarmos nossos olhos para um pouco mais de cem anos atrás, lá encontraremos Nabuco alertando para essas questões, identificando na manutenção da ordem escravista e na miopia das elites a razão de tais problemas.
A propósito, Sr. Presidente, em bela matéria publicada em sua edição de 20 de agosto último, o Jornal do Brasil , que teve em Nabuco um de seus fundadores, assim se expressou: "Neste fim de século que o Brasil transpõe carregando o estigma da concentração de renda, os 150 anos do nascimento de Joaquim Nabuco realçam a atualidade da sua visão histórica. No fim de século que viveu, Nabuco fez da sua posição privilegiada na elite política do Império trincheira de luta contra a ‘nódoa’ da escravidão, que ainda persistia só aqui e em Cuba".
Destaco, ainda, no texto do JB, algumas observações que convergem para a análise que aqui procedo. Em primeiro lugar, o sentido maior de sua obra: "Com o talento múltiplo de advogado, político, jornalista e historiador, ensinou em três livros fundamentais – O Abolicionismo (1883), Um Estadista do Império (1897) e Minha Formação (1900) – como a resistência da elite escravocrata, reunida no Estado imperial sob o arbítrio de Pedro II, impediu que o país entrasse no século 20 com a questão da democracia resolvida".
O segundo ponto que recolho do citado texto do Jornal do Brasil é uma espécie de conclusão que se pode fazer a respeito do fervor com que Nabuco se entregou à causa abolicionista, mas rigorosamente atento ao que se deveria fazer para dar consistência e densidade ao fim da escravidão. Diz o jornal: "No sonho de Nabuco, a Abolição era coroada por reformas sociais e econômicas que sacudiriam o país do atraso que vinha das fazendas". São as reformas que, mais de um século depois, o Brasil não conseguiu completar!
Tal como o pai, avesso às honrarias, Nabuco recusou o título de visconde que o governo imperial lhe concedeu. Fiel à Monarquia e ao imperador, afastou-se da atividade política com a instauração do regime republicano. Exatamente nesse período de aguda introspecção é que produziu a famosa biografia de seu pai – Um Estadista do Império –, marco da literatura histórica e política do Brasil. Os especialistas são unânimes em afirmar ser esta a mais significativa obra de análise da política brasileira no Segundo Reinado; enfim, um primoroso painel de nossas instituições ao longo da segunda metade do século, notadamente pelo que informa sobre as ações e o pensamento das elites de nosso País no período.
Em 1900, dois acontecimentos marcantes na vida de Joaquim Nabuco. Depois de dez anos "de luto pela monarquia extinta", finalmente aceita um convite formulado pelo governo republicano: atendendo ao apelo do Presidente Campos Salles, assume o cargo de ministro plenipotenciário em Londres, com a missão precípua de enfrentar o contencioso envolvendo os limites territoriais entre o Brasil e a Guiana Inglesa.
No mesmo ano, outro marco na vida de nosso homenageado: a publicação de Minha Formação . Considerada por muitos a melhor autobiografia jamais escrita por um brasileiro, é sua principal obra literária. Dela, disse Gilberto Freyre: "Da paisagem que Minha Formação evoca não há exagero em dizer-se que é a mais brasileira das paisagens: a do canavial; a do trópico úmido, onde, com o canavial, desenvolveu-se a primeira civilização que deu expressão mundial ao Brasil; e que foi a civilização do açúcar, a do engenho; a da casa-grande; a da senzala; a da capela de engenho; a do rio ao serviço dos engenhos".
Nabuco encerrou sua carreira nos Estados Unidos, onde faleceu, em janeiro de 1910, aos 61 anos de idade. Nomeado, em 1905, nosso primeiro embaixador em Washington, percorrera a América do Norte de ponta a ponta, realizando conferências, sempre difundindo o Brasil e a língua portuguesa.
Sinto-me feliz, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, de ter o privilégio de, na condição de Senador da República, participar dessas justas homenagens que esta Casa presta a um dos mais ilustres filhos que o Brasil conheceu. Por tudo o que aqui se disse, podemos e devemos nos orgulhar de um compatriota que, nascido em berço de ouro, foi capaz, como poucos, de compreender a alma brasileira; um político que jamais se deixou prender à rotina partidária, optando por entregar-se por inteiro à causa eleita; um intelectual que, convencido da necessidade de reformas profundas em seu País, ousou unir à inteligência que abre caminhos a paixão que os torna iluminados.
Era o que tinha a dizer.
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