Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA A JOÃO CABRAL DE MELO NETO.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA A JOÃO CABRAL DE MELO NETO.
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/1999 - Página 28458
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO CABRAL DE MELO NETO, DIPLOMATA, POETA, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a cultura brasileira, e mais especificamente a literatura e a poesia, foi fortalecida e engrandecida ao longo dos últimos cinqüenta anos pela contribuição de um grande homem que nasceu para esse fim, e que morreu sem deixar lacunas ou imperfeições na sua missão de iluminar o povo desta Nação. Infelizmente, já não podemos desfrutar da sabedoria e da arte que o grande poeta e escritor João Cabral de Melo Neto teve a generosidade de transmitir a todos aqueles que souberam prover-se de humildade e um espírito aberto capazes de sorver cada palavra da sua poesia.

João Cabral de Melo Neto, o diplomata cuja profissão exerceu por 40 anos, era, acima de tudo, um poeta preocupado com a construção literária, suas formas e imagens, sim, mas voltado também para os problemas sociais que atormentam a gente pobre deste rico e grande Brasil, em particular, do Nordeste Brasileiro, voltando grande parte de sua obra para denunciar esse triste estado de coisas, o que se vê principalmente no antológico Morte e Vida Severina.

Nascido em Recife, no dia 09 de janeiro de 1920, filho de Luiz Antônio Cabral de Melo e de Dona Carmem Carneiro Leão, João Cabral, apesar da origem metropolitana, tem, do interior, as melhores memórias da sua infância onde passou os seus 10 primeiros anos, convivendo com engenhos de açúcar e plantando aí as primeiras sementes para a carreira de poeta. Foi nessa época que travou suas primeiras relações com a atração e o fascínio que as palavras e a ficção exercem sobre o espírito humano, ao ler, pequenino ainda, histórias para os trabalhadores da cana que se reuniam todos à sua volta, atentos e cheios de espanto com as narrativas dos versos de cordel recitados pelo menino. Cinco décadas depois, relembraria, com saudades, essa fase de inocência, ao produzir, no final dos anos 70, o seguinte poema:

“No dia-a-dia do engenho,

toda a semana, durante,

cochichavam-me em segredo:

saiu um novo romance.

E da feira do domingo

Me traziam conspirantes

Para que lhes lesse e explicasse

Um romance de barbante...”

            Voltando ao Recife, em decorrência de perseguições políticas à família, João Cabral estudou no Colégio Marista até os 15 anos de idade, quando concluiu o curso secundário. É dessa época, inclusive, uma das suas lembranças mais felizes: a conquista do campeonato juvenil de futebol, jogando pelo Santa Cruz Futebol Clube.

Aos 17 anos começou a freqüentar, no Café Lafayette, o círculo da intelectualidade recifense de então, onde conheceu personalidades como o pintor Vicente do Rego e os escritores Ledo Ivo, Gastão de Holanda e Willy Levin, sendo por este último apresentado a Carlos Drummond de Andrade e a outros escritores e intelectuais no Rio de Janeiro.

Aliás, Carlos Drummond foi, reconhecidamente, uma inspiração, uma influência e uma grande amizade. Dizia Cabral, numa entrevista ao Jornal de Brasília, quando perguntado em que medida a poesia de Carlos Drummond foi importante para a sua própria: “Foi a poesia de Carlos Drummond que me convenceu de que eu seria capaz de escrever”. E essa influência fez sentir-se no início da obra de Cabral, nos seus primeiros livros, tendo recebido uma herança muito grande do antilirismo coloquial do poeta mineiro, mas, a partir dos livros seguintes, ele passou a cunhar o seu próprio caminho e o seu próprio estilo literário.

E não se pode dizer que, àquela época, João Cabral era um homem experimentado e ciente da gravidade das exigências da vida, afinal A Pedra do Sono, seu primeiro livro, cuja edição custeou de seu próprio bolso, nasceu ainda no seus 22 anos de idade, mas pode-se afirmar que sua obra é fruto de alguém que desde cedo preocupou-se em desfrutar de boas companhias e em freqüentar círculos intelectuais das rodas literárias, mesmo quando mudou-se para o Rio de Janeiro, onde, em 1945, publicou O engenheiro.

Versátil, prestou concurso para o Itamaraty e, aos 25 anos, já ingressava na carreira diplomática servindo em países como Paraguai, Senegal, Honduras e Portugal e, principalmente, na Espanha, onde passou grande parte da vida e onde conheceu vários outros artistas contemporâneos como os plásticos Joan Brossa, Antônio Tápies e Miró.

Mesmo exercendo suas funções representativas do governo brasileiro, o poeta não se descuidou da produção literária: escreveu Psicologia da Composição, Cão sem Plumas, Paisagens com Figuras, Uma faca só Lâmina e Morte e Vida Severina, obra que lhe rendeu o prêmio de Melhor Autor Vivo do Festival de Nancy, com a apresentação do espetáculo homônimo pelo grupo Tuca, em 1966, mesmo ano em que publicou A Educação pela Pedra pelo qual também conquistou diversos prêmios.

Em 1968, tendo editado Poesias Completas, pela Editora Sabiá, teve o seu talento e a grandiosidade da sua obra mais uma vez reconhecidos ao ser eleito para a Academia Brasileira de Letras-ABL, instituição que já lhe concedera, em 1955, o Prêmio Olavo Bilac. E acrescente-se à glória de ser um entre os imortais, o fato de que, a exemplo de tudo o que conquistou na sua prodigiosa vida, a recebeu em idade bastante jovem, aos 48 anos.

Viúvo, em 1986, de Dª. Stella Maria Barbosa de Oliveira, com quem fora casado por 40 anos e da qual tivera 5 filhos, João Cabral veio a se casar, depois, com a poeta Marly de Oliveira que o acompanhou até o final de seus dias. Considerava a família, um dos maiores valores do homem, tanto os entes presentes, e do círculo mais íntimo, como aqueles de grau de parentesco um pouco mais afastado, ainda que já tenham partido desta vida. Assim é que um de seus grandes orgulhos era a herança genético-cultural recebida de grandes expoentes da literatura nacional como Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, Mauro Mota e Antônio Moraes e Silva, o famoso Moraes do Dicionário de Língua Portuguesa.

Explica-se por esse nomes o grande talento e a perfeita afinidade entre o homem e as palavras, que fizeram dele o poeta que foi. Não foi Cabral apenas um dos grandes poetas do modernismo, mas um dos grandes poetas do século e da humanidade. Era um talento talhado para o Prêmio Nobel de Literatura, e se não o recebeu, a falta está não em sua obra - que é perfeita e completa - mas, fundamentalmente, na falta de visão do mundo para com a literatura brasileira.

Nas palavras de Carlos Garcia, Secretário de Cultura de Pernambuco, “João Cabral era o maior poeta vivo da língua portuguesa. Então, com a partida dele, quem perde não é Pernambuco, nem o Brasil apenas, mas a própria língua”.

Igualmente feliz, em sua definição da importância de João Cabral, não poderia deixar de ser o Vice-presidente Marco Maciel que, quando Governador de Pernambuco condecorou o poeta com a Medalha do Mérito dos Guararapes, ao afirmar: “Em João não sei quem é maior, se o homem ou sua obra. Exemplo de vida digna, sua poesia, impregnada do social, era, a um só tempo, pernanbucanamente telúrica e abrangentemente universal”.

No último dia 09, aos 79 anos, vítima de uma injusta cegueira que lhe tirou o maior prazer - a leitura, João Cabral morreu enquanto rezava, de mãos dadas com a esposa. Morto ele, perdemos um luzeiro que abrilhantava a nossa cultura e nos fazia um povo mais culto e orgulhoso do poeta que tínhamos. Mas a herança que nos deixou mostra que não ficamos órfãos, nem, tampouco, às escuras; o brilho da sua obra, nada poderá ofuscá-lo. O tempo passará, outras gerações virão, mas saberemos todos, os do presente e os do futuro, que um dia pisou nesta terra João Cabral, o poeta que iluminou os nossos olhos e espíritos com suas palavras, e nos tornou uma nação mais rica pelo bem que nos deixou.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/1999 - Página 28458