Discurso no Senado Federal

APOIO A ANTE PROJETO ELABORADO PELO MINISTERIO DA SAUDE, QUE PREVE A ELIMINAÇÃO DA HANSENIASE NO BRASIL.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • APOIO A ANTE PROJETO ELABORADO PELO MINISTERIO DA SAUDE, QUE PREVE A ELIMINAÇÃO DA HANSENIASE NO BRASIL.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/1999 - Página 28398
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, ELABORAÇÃO, PROJETO, AUTORIA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), REFORMULAÇÃO, SITUAÇÃO, SAUDE, SOLICITAÇÃO, INCLUSÃO, COMBATE, HANSENIASE, INICIATIVA, ORADOR.
  • APOIO, GOVERNO FEDERAL, EMPENHO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, HANSENIASE, BRASIL.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de dividir com o Senado Federal a responsabilidade em um assunto que acredito seja de interesse da Nação brasileira, de interesse e responsabilidade diretos do Ministério da Saúde.  

Trata-se de projeto que está sendo elaborado e concluído com muito zelo pela área técnica de dermatologia sanitária do Ministério da Saúde, por intermédio do Dr. Gerson Fernando Mendes Pereira, coordenador nacional da área técnica de dermatologia sanitária. Esse projeto aborda, a meu pedido, a possibilidade de nós, brasileiros, eliminarmos a hanseníase do território nacional.  

Venho tratando desse assunto há muito tempo, desenvolvendo uma interação, uma aproximação com a política nacional de saúde quando se fala na possibilidade do combate direto à hanseníase neste País.  

Trago o testemunho da história de uma doença que, no Estado do Acre, tem marcado muito as populações tradicionais, os nordestinos que migraram para a nossa região, e aqueles que viveram na Amazônia brasileira, em busca do ouro negro, que era a borracha. Ali, encontraram as mais distintas doenças, o beribéri, a malária, a febre amarela, e ainda encontraram uma grande barreira de interação e de liberdade social, que foi a grande prevalência da hanseníase.  

Nesse caso, temos de nos reportar não só ao Estado do Acre, mas também aos Estados do Amazonas e do Pará, onde o escritor baiano, grande figura amazônica, Artur Viana, fez as primeiras grandes descrições do comportamento da hanseníase na região amazônica ainda no século XIX. Mostrou ele o enriquecimento amazônico por meio da extração da borracha – o ouro negro –, cujo quilo chegou a ter o valor de mais de US$200 e, em alguns casos, mais de US$350. Tínhamos, no Estado do Amazonas, especificamente em Manaus, a possibilidade de imaginar que ali estava a chamada "Paris das Selvas", uma cidade rica do ponto de vista econômico, cuja renda per capita , em função do enriquecimento da borracha, levava a Amazônia a disputar o primeiro lugar no PIB nacional. Assim, a grande produção de borracha, junto com o café, projetava o Brasil.  

O grande impulso da indústria americana ocorreu com a expansão da borracha, em especial nas indústrias de pneumáticos, com conseqüências positivas para o governo americano no ano de 1890. Acredito que o grande parque industrial americano, hoje, tenha que ter uma lembrança de gratidão para com a borracha, grande propulsor da prosperidade americana.  

E, dentro da Amazônia brasileira, com essa grande força econômica que era a borracha, surgiu a hanseníase, como a marca de uma tragédia amazônica que atravessa os tempos e até hoje aflige profundamente a população dos nossos Estados, especialmente os Estados do Acre, Amazonas e Pará. Alguns Estados do Centro-Oeste são também vítimas das estatísticas, que ainda apontam um grande crescimento da hanseníase, inclusive com o aparecimento de casos novos. Em 1997, registramos mais 105 mil casos de hanseníase, e estamos fechando este ano com mais de 49 mil casos novos. O Brasil é o primeiro país em registro de casos de hanseníase em toda a América, e o segundo país no mundo. Em alguns casos, por interpretações estatísticas distintas, o Brasil se confunde com a Índia como primeiro país do mundo em hanseníase.  

Temos um grande desafio pela frente. A Organização Mundial de Saúde estabeleceu, em 1991, que os países do terceiro mundo, as maiores vítimas da hanseníase, tinham de ter a ousadia de, até o ano 2000 – num período de 9 anos –, conseguir eliminar essa doença. Marcadamente, o Brasil teria essa possibilidade. Não houve essa conquista até o ano 2000, e, hoje, há uma dúvida: em quanto tempo é possível eliminar a hanseníase? Em que oportunidade? Com que brevidade?  

Temos uma situação de impasse, e, na condição de médico da área de doenças infecciosas e parasitárias, acredito ter trabalhado intimamente pelo controle e combate dessa doença no meu Estado. Sou testemunha de uma grande, fantástica e admirável ação do Estado do Acre no combate à hanseníase. Na década de 70, tínhamos cerca de 110 casos de hanseníase em cada 10.000 pessoas e, hoje, temos menos de 7 casos em cada 10.000 pessoas. Uma equipe atua naquela região sob a coordenação do Dr. John Woods, um irlandês que trabalha voluntariamente no combate à doença. O Dr. Jonh Woods recebeu o título de Cavaleiro da Coroa Britânica, por outorga da Rainha Elizabeth, pela luta contra a hanseníase na região amazônica, e cataloga casos de 1932 no Estado do Acre, uma memória fantástica do combate à doença.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vislumbramos hoje a possibilidade técnica de eliminar essa doença.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Com prazer ouço o colega amazônico e também médico Senador Mozarildo Cavalcanti.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - Senador Tião Viana, V. Exª, como sempre, aborda com muita competência a questão da saúde na Amazônia e no Brasil. Nesse primeiro tópico do seu pronunciamento, V. Exª está abordando a questão da hanseníase. Ao concordar com as palavras de V. Exª, também queria chamar a atenção para a leishmaniose, a oncocercose e a malária que, segundo dados da própria Organização Panamericana de Saúde, está aumentando nestes últimos anos na Amazônia. Esse é um atestado vivo da incompetência do Ministério da Saúde na região. Portanto, é preciso haver, por parte do Congresso Nacional, e principalmente de nós, representantes da Amazônia, uma forte cobrança ao Ministério da Saúde e à Fundação Nacional de Saúde, a fim de que essa situação seja revertida. Enquanto o Ministério da Saúde investe em assuntos menos importantes, vemos doenças que já deveriam estar completamente abolidas dos registros estatísticos aumentarem a cada dia. Agora, por exemplo, o Ministério da Saúde, por intermédio da Fundação Nacional de Saúde, está terceirizando as ações de saúde nas comunidades indígenas. Para mim, é uma vergonha para o País que um órgão do Ministério terceirize, inclusive para organizações não-governamentais, de origem duvidosa, a ação de assistência aos índios da Amazônia. Portanto, ao endossar as palavras de V. Exª, registro este protesto e peço que haja, por parte do Senado, uma cobrança mais forte de ação do Ministério da Saúde na Amazônia. Muito obrigado.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço ao nobre Senador Mozarildo Cavalcanti que, por ser da Amazônia brasileira, do Estado de Roraima, convive com o drama dos indicadores de saúde da nossa região. De fato, como V. Exª muito bem coloca, a hanseníase é uma doença nacional, que tem uma prevalência muito significativa no Centro-Oeste brasileiro. Teve um passado de muita presença na Região Sul, mas, hoje, os Estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, que já foram vítimas da prevalência da hanseníase, conseguiram eliminá-la. Espero, sinceramente, que o Brasil possa mudar o seu perfil, deixando de ser o campeão das Américas na prevalência da hanseníase.  

Gostaria de dizer que uma marca de preconceito acompanha essa doença. O próprio Governador Constantino Neri, no século passado, na época do auge da borracha na economia amazônica, aplicava uma multa de mil réis às famílias que permitissem que hansenianos ficassem às margens dos rios ou das ruas de Manaus. Assim, os turistas que visitavam a "Paris das Selvas" não seriam incomodados pela presença de hansenianos nas ruas.  

Então, a doença, que tem uma trajetória histórica admirável, reafirmando sempre por onde passa, desde os períodos bíblicos, o preconceito, encontra hoje uma possibilidade de eliminação nas mãos do Governo Federal.  

Estou com um projeto da área técnica do Ministério da Saúde, por solicitação minha, e o desafio está posto. Já tratei deste assunto com o Senhor Presidente da República, quando visitou o Estado do Acre. Sua Excelência demonstrou sensibilidade e a possibilidade real de assumir o compromisso, compartilhado, de eliminar essa doença no Brasil. Estou fazendo o detalhamento crítico do projeto do Ministério da Saúde, que tentarei levar ao Senhor Presidente da República, junto com a área técnica do Ministério da Saúde, na presença de membros do Ministério Público Federal que atuam na área de saúde deste País. Esperamos, assim, poder compartilhar com o Movimento do Hansenianos do Brasil um compromisso efetivo do Governo brasileiro com a eliminação dessa doença.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Tião Viana?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC ) - Concedo um aparte, com muita honra também, ao Senador Romero Jucá.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) - Meu caro Senador Tião Viana, ao endossar as palavras de V. Exª, lembro que estamos em um momento propício para que essa discussão venha à tona, pois estamos iniciando na Comissão de Orçamento, a partir da próxima semana, a discussão técnica e operacional da confecção do Orçamento do próximo ano. Acredito ser este o momento exato para obter a suplementação de recursos para programas que já existem no Ministério e até buscar novos caminhos no sentido de que a saúde, na Amazônia, possa ser reforçada, inclusive com a criação de parcerias entre governos estaduais e municipais - reforçar parcerias desse tipo é condição essencial para se trabalhar na região amazônica. Portanto, quero louvar o pronunciamento de V. Exª e lembrar que estaremos, na Comissão de Orçamento, lutando por mais verbas para Amazônia e, especialmente, para o setor de saúde, que é tão carente na nossa região. Meus parabéns.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço ao nobre Senador Romero Jucá. Compartilho o sentimento de que o caminho a ser trilhado passa pela Comissão de Orçamento e pelo Plano Plurianual. Inclusive, gostaria de comunicar ao Plenário que está no Plano Plurianual - tive a preocupação de observar - o compromisso da eliminação da hanseníase no Brasil nos próximos anos.  

Tenho tentado descobrir o porquê de a hanseníase e a tuberculose serem da competência de um setor do Ministério da Saúde que deveria estar mais preocupado com a assistência e não com o controle de endemias, como é o caso dessas duas doenças. O atual dirigente da Fundação Nacional de Saúde, Dr. Mauro Ricardo, tem mostrado profunda sensibilidade no combate às doenças endêmicas da região e talvez seja ele a figura mais habilitada a assumir a responsabilidade de conduzir o controle de duas grandes e inaceitáveis endemias neste País: a tuberculose, que registra mais de 90 mil de casos e a hanseníase, que seguramente vai se aproximar dos cem mil novos casos neste ano também. O Ministério da Saúde deve assumir oficialmente o ousado compromisso de eliminar a hanseníase do território nacional. É possível, basta decisão política, Sr. Presidente.

 

Se o Presidente da República der prioridade a esse objetivo, ainda em seu mandato poder-se-á comemorar neste País algo que será motivo de orgulho nacional: a eliminação de uma doença milenar. Basta termos ousadia e determinação política para alcançarmos esse objetivo. Com a compra antecipada de medicamentos para o controle da hanseníase por parte do Ministério da Saúde, talvez até o ano 2003 possamos reverter essa situação. Acredito plenamente que, com decisão política, o Governo Federal possa comemorar, junto com os 500 anos do Brasil e como forma de homenagem ao povo brasileiro, a eliminação da ameaça representada por essa doença. Basta uma ação efetiva de vigilância epidemiológica, alerta à sociedade - por meio de rádio - e uma ação direta em 280 municípios, principalmente nos estados do Norte, Centro-Oeste e alguns do Nordeste, para que possamos atingir essa meta de maneira segura e absolutamente tranqüila.  

Vou levar esse projeto ao Senhor Presidente da República e espero que Sua Excelência queira somar esforços para fazer com que o Brasil possa sair da condição de campeão das Américas em hanseníase e transformar-se no país que conseguiu eliminá-la em um período muito breve de tempo, algo que trará grandes benefícios às vítimas mutiladas pela hanseníase, os herdeiros da falta de uma política nacional de saúde.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/1999 - Página 28398