Discurso no Senado Federal

LANÇAMENTO DO PRIMEIRO NUMERO DA REVISTA AMAZONICA 21. APOIO AS REIVINDICAÇÕES DA 'CARTA DE TERESINA', EXARADA EM ENCONTRO DE CONSELHO DE SECRETARIOS DE EDUCAÇÃO, EM 26 E 27 DE AGOSTO ULTIMO.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • LANÇAMENTO DO PRIMEIRO NUMERO DA REVISTA AMAZONICA 21. APOIO AS REIVINDICAÇÕES DA 'CARTA DE TERESINA', EXARADA EM ENCONTRO DE CONSELHO DE SECRETARIOS DE EDUCAÇÃO, EM 26 E 27 DE AGOSTO ULTIMO.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/1999 - Página 28401
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, LANÇAMENTO, PERIODICO, AMAZONIA 21, ESTADO DO AMAZONAS (AM), REFERENCIA, SITUAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, ESPECIFICAÇÃO, POSSIBILIDADE, INTERVENÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, CARTA, CONSELHO NACIONAL, SECRETARIO, EDUCAÇÃO, REFERENCIA, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO INTEGRADA, PAIS, DISCUSSÃO, METODO, REFORÇO, FINANCIAMENTO, ENSINO PUBLICO, REALIZAÇÃO, MUNICIPIO, TERESINA (PI), ESTADO DO PIAUI (PI).
  • CRITICA, RELATORIO, REFORMA TRIBUTARIA, REDUÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, ENSINO PUBLICO, PAIS.
  • DEFESA, PERMANENCIA, FINANCIAMENTO, ENSINO PUBLICO, ESPECIFICAÇÃO, REESTRUTURAÇÃO, SALARIO, EDUCAÇÃO, MELHORIA, PAIS.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de abordar o tema de meu pronunciamento de hoje - a educação -, quero fazer um registro desta tribuna. Trata-se do lançamento do primeiro número da revista Amazônia 21 , um periódico editado em Manaus que vem se somar, oportunamente, ao coro que a bancada amazônica tem feito, aqui da tribuna do Senado e na Câmara dos Deputados, a respeito da situação em que vive a nossa Amazônia, principalmente no que tange à cobiça internacional, à biopirataria, à ação, enfim, de narcotraficantes que ameaçam a soberania brasileira naquela região.  

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje a esta tribuna com o propósito de pedir a atenção da Casa para um documento da maior importância no que concerne à situação presente e às perspectivas futuras da educação brasileira. Refiro-me à Carta de Teresina, documento síntese da reunião do Conselho Nacional de Secretários de Educação - CONSED, realizada naquela capital, nos dias 26 e 27 de agosto do corrente ano.  

Essa reunião do órgão colegiado integrado pelos titulares das Secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Federal teve por objetivo a discussão de dois tópicos principais. Foram enfocadas, em primeiro lugar, estratégias de desenvolvimento do regime de colaboração entre as três esferas do Governo. Como segundo tópico, os Secretários discutiram os caminhos para fortalecer os mecanismos de financiamento do ensino público, os quais sustentam os esforços de universalização e melhoria da educação básica, empreendidos com maior determinação ao longo desta década.  

Reputo a Carta de Teresina um documento da maior importância, por fazer ela uma avaliação profunda e acurada tanto dos progressos que o País logrou na área educacional no período mais recente quanto das ameaças que pairam sobre a continuidade e a consolidação desses avanços.  

A carta começa por lembrar que a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem da população corresponde a preceito consagrado pela Carta democrática de 1988, "que reconhece o direito de todos à educação e o dever intransferível do Estado de atendê-lo, em colaboração com a família e a sociedade". Levando em conta o mandamento constitucional e conscientes das grandes carências que o País ainda enfrenta para garantir o seu fiel cumprimento, os Secretários de Educação de todo o País expressam sua preocupação "frente às graves ameaças à viabilidade financeira da escola pública que se apresentam neste momento" e reiteram seu compromisso "com a defesa da gratuidade e da universalidade da educação básica pública".  

Com objetividade e percuciência, o documento aponta as três frentes em que os mecanismos de financiamento do ensino público vêm sofrendo ataques que os fazem periclitar. A primeira dessas frentes de ataque tem por palco o próprio Congresso Nacional, onde avultam as pressões políticas visando embutir na Reforma Tributária proposta que reduz drasticamente os recursos vinculados à educação. Uma segunda ameaça está configurada na oposição de alguns setores ao Fundef - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de valorização do Magistério. Quanto a esse importante instrumento de melhoria do ensino fundamental, aliás, é imperativo reconhecer que ele já foi fragilizado pela decisão da área econômica do Governo de não respeitar a regra de reajuste do valor mínimo por aluno/ano. Por fim, o terceiro e relevante elemento desestabilizador dos mecanismos de financiamento do ensino público está na ofensiva judicial contra o salário-educação, objeto de milhares de ações que contestam a legalidade da sua cobrança.  

Depois de listar essas ameaças de retrocesso que pairam sobre o financiamento ao ensino público, a Carta de Teresina faz breve apanhado dos significativos avanços educacionais que o País logrou nas últimas décadas, os quais, no atual cenário de incertezas, ficam sob risco de serem colocados a perder, não obstante os grandes sacrifícios que exigiram do conjunto da sociedade. Afinal, esses progressos só se tornaram possíveis com a fixação de percentuais mínimos das receitas públicas a serem aplicados na educação.  

O documento lembra, por exemplo, que o Brasil já praticamente assegurou a universalização do acesso ao ensino fundamental, pois ele já atende cerca de 96% das crianças na faixa de 7 a 14 anos. Também no ensino médio, o salto foi espetacular, pois as matrículas nesse nível de ensino experimentaram crescimento de nada menos de 114% nas redes estaduais, no período de 1991 a 1998.  

A par de apontar esses dados tão positivos, o documento dos Secretários de Educação não se omite de reconhecer a persistência de um quadro educacional de "acentuados déficits de qualidade e agudos contrastes regionais, que somente serão superados com a garantia de continuidade das atuais políticas de educação básica". Nesse contexto, não podemos esquecer que, apesar do grande incremento no número de matrículas, a cobertura do ensino médio ainda é baixa, atingindo apenas cerca de 30% dos jovens de 15 a 17 anos. Não menos preocupante é a média de escolaridade da população brasileira, que permanece em torno de seis anos de estudos, quando a própria Constituição reconhece como escolaridade mínima para o exercício pleno da cidadania os 11 anos da educação básica.  

Tendo em vista que o atendimento nos níveis fundamental e médio de ensino é feito com ampla predominância pela rede pública, não resta qualquer dúvida de que alcançar aquela meta de escolaridade mínima para o conjunto da população brasileira exigirá o aumento dos investimentos governamentais em educação. Essa predominância é, aliás, avassaladora, pois as escolas públicas respondem por cerca de 92% das matrículas no ensino fundamental e de 85% no ensino médio. As redes estaduais e municipais de ensino atendem 42,5 milhões de alunos nos diferentes níveis e modalidades da educação básica. Somente no ensino fundamental, são cerca de 36 milhões de alunos, dos quais 33 milhões freqüentam escolas mantidas pelos Estados e Municípios.  

A construção e manutenção desse vasto sistema, que precisa continuar se expandindo, sobretudo no ensino médio, têm exigido investimentos crescentes. No entanto, a esmagadora maioria dos Estados e Municípios vê-se envolta em aguda crise financeira, que acaba por representar, hoje, sério empecilho ao desenvolvimento da educação básica, mormente em vista de que a participação do Governo Federal no seu financiamento é pequeníssima.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o relatório preliminar da Reforma Tributária, divulgado no início de agosto, provocou um sobressalto entre aqueles que têm responsabilidade com os rumos da educação no País, pois propunha mudanças que implicavam uma dramática redução dos recursos vinculados ao desenvolvimento do ensino público, a par de debilitar ainda mais a capacidade fiscal dos Estados e Municípios. O corte previsto, estimado em quantia superior a astronômicos R$10 bilhões ao ano, atingiria principalmente as fontes de financiamento do ensino fundamental, comprometendo irremediavelmente os esforços de universalização e de melhoria da qualidade.  

As três alterações da Constituição Federal propostas pelo relatório que teriam conseqüências danosas para a educação eram, em síntese, as seguintes: extinção do salário-educação, sem vincular uma nova fonte para compensar os, aproximadamente, R$2,8 bilhões anuais providos por essa contribuição social; a redução da base de cálculo da receita vinculada à educação, mediante exclusão das transferências aos Poderes Legislativo e Judiciário nas três esferas de Governo; a substituição do ICMS por outro imposto, sem a correspondente consignação para o Fundef, conforme estabelece a Emenda Constitucional nº 14.  

Felizmente, o debate da Reforma Tributária em curso no Congresso Nacional aponta para a reversão de todos esses pontos claramente equivocados do relatório, com a concordância, já manifestada, do próprio relator.  

Simultaneamente, porém, continua sendo travada, nos tribunais, a batalha, ainda mais urgente, para recuperar as receitas do salário-educação, dilapidadas pelas ações movidas por milhares de empresas que questionam a legalidade da sua cobrança. Esse ataque, em particular, aos recursos que financiam o ensino público se intensificou nos últimos dois anos. Hoje, já são cerca de 17 mil ações, que representam um universo de mais de 20 mil empresas. Em função de decisões liminares proferidas pelo Poder Judiciário nesses processos, a receita do salário-educação despencou 11% em 1998, e, neste ano, deverá cair mais 5%. O prejuízo daí decorrente para o ensino público, em apenas dois anos, ascende a quase R$1 bilhão. É importante lembrar que desses recursos depende a continuidade de ações indispensáveis para o funcionamento e a melhoria do ensino público.  

Na tentativa de frear e reverter esse processo de acelerada corrosão das receitas proporcionadas pelo salário-educação, o CONSED vem atuando em três frentes distintas, em parceria com o Ministério da Educação. De um lado, promove uma campanha de esclarecimento buscando mostrar à opinião pública a importância dos recursos do salário-educação para o ensino público. Por outro lado, acompanha atentamente a tramitação da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 3/98, que virá dirimir, em última instância, a controvérsia. Com a primeira iniciativa, os secretários de educação esperam sensibilizar os empresários; com a segunda, buscam sensibilizar os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Por fim, a terceira frente de atuação do Consed consiste em aliar o apoio dos secretários de Estado da Fazenda para coibir a concessão de subsídios fiscais a empresas que não recolhem a contribuição social do salário-educação.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como se pode perceber, o quadro é, de fato, preocupante, marcado por incertezas. Fica bastante clara a gravidade das ameaças que pairam sobre a viabilidade financeira da escola pública. A sociedade, por seu turno, mobiliza-se de forma crescente, exigindo uma ação mais eficaz do Poder Público, especialmente na prestação de serviços básicos, como o é a educação.

 

Nesse contexto, sinto-me compelido a expressar minha irrestrita solidariedade às propostas defendidas pelo Consed.  

Queremos garantir que a educação seja considerada prioridade estratégica para um projeto nacional de desenvolvimento que favoreça a superação das desigualdades na distribuição de renda e a erradicação da pobreza.  

Lutamos pela conjugação de esforços e meios para colaboração, cooperação e co-responsabilidade entre União, Estados e Municípios, com o objetivo de promover o fortalecimento integrado da educação básica.  

Defendemos a consolidação do Fundef como mecanismo de financiamento do ensino obrigatório, fortalecendo seu caráter redistributivo mediante uma participação mais efetiva da União, a ser garantida por meio da imediata revisão do valor mínimo por aluno/ano, de forma a dar fiel cumprimento ao estabelecido pela Lei nº 9.424, de 1996.  

Postulamos que os recursos correspondentes à complementação da União para o Fundef sejam retirados dos recursos constitucionalmente definidos para manutenção e desenvolvimento do ensino, a exemplo do critério estabelecido para os Estados e Municípios, reservando a contribuição social do salário-educação para outros programas de desenvolvimento da educação básica.  

Reivindicamos a manutenção da contribuição social do salário-educação como fonte adicional de financiamento do ensino público, em nível básico, e flexibilização da norma constitucional, a fim de que os recursos possam ser utilizados tanto no desenvolvimento do ensino fundamental como dos demais níveis da educação básica, ou seja, educação infantil e ensino médio.  

Queremos garantir que a reforma tributária recomponha e amplie o nível de investimento público na educação, para fazer frente aos novos encargos educacionais dos Estados e dos Municípios e ao cumprimento do Plano Nacional de Educação.  

Pleiteamos que qualquer mecanismo alternativo que venha a ser proposto para substituir o salário-educação discipline, na própria emenda constitucional, o princípio vigente de descentralização dos recursos, assegurando flexibilidade de sua aplicação consoante as competências e responsabilidades de cada nível de governo.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Carta de Teresina traz por epígrafe a seguinte afirmação do saudoso educador Anísio Teixeira:  

"Só existirá uma democracia no Brasil no dia em que se montar a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública..."  

Nesse brevíssimo trecho, o Prof. Anísio Teixeira dá mostra de extraordinária lucidez e de visão política à frente de seu tempo. O espírito que animou a incansável labuta do Prof. Anísio Teixeira, ao longo de toda a sua vida, em prol da educação brasileira viria a ser plenamente consagrado pelo legislador constituinte de 1988. O conjunto dos preceitos constitucionais atinentes ao tema da educação vinculam-na, indissociavelmente, ao exercício da cidadania, à igualdade de oportunidades, à liberdade e ao pluralismo.  

Infelizmente, quase trinta anos decorridos do falecimento do grande mestre, o Brasil ainda ostenta gravíssimas carências na área educacional, particularmente no que tange à qualidade do ensino e à cobertura do ensino médio. A duras penas, conseguimos importantes avanços ao longo da presente década. Não podemos permitir, no entanto, que propostas equivocadas venham a inviabilizar a sustentação financeira da escola pública e a jogar por terra os esforços de universalização e melhoria da educação básica.  

Vamos todos cerrar fileiras em torno da recomposição e da ampliação do nível de investimento público na educação!  

Esse é o chamamento que faço a todos os ilustres Srs. Senadores.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

NT D&


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/1999 - Página 28401