Discurso no Senado Federal

ANALISE, DAS CAUSAS DA VIOLENCIA NAS ESCOLAS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • ANALISE, DAS CAUSAS DA VIOLENCIA NAS ESCOLAS.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/1999 - Página 28562
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, JUVENTUDE, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, AMBITO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, APREENSÃO, SITUAÇÃO, BRASIL.
  • CRITICA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, INCENTIVO, VIOLENCIA.
  • REGISTRO, PERDA, ESTRUTURAÇÃO, FAMILIA, DESEQUILIBRIO, ORDEM ECONOMICA E SOCIAL, OMISSÃO, GOVERNO, CONTROLE, COMERCIO, ARMA, AUMENTO, TRAFICO, DROGA, PROVOCAÇÃO, AUSENCIA, ETICA, AMPLIAÇÃO, VIOLENCIA, JUVENTUDE, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, MORTE, EDISON HSUEH, ESTUDANTE, MEDICINA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP).
  • DEFESA, AUMENTO, CIDADANIA, JUVENTUDE, INTERESSE, DIRETOR, PROFESSOR, PARTICIPAÇÃO, COMUNIDADE, ESTABELECIMENTO DE ENSINO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o milênio dobra sua derradeira página no Ocidente cristão e oferece à juventude um horizonte de expectativas nada alvissareiro. De remota ameaça, a violência se transfigura, hoje, em modo de ser e de agir dos jovens, dentro de uma naturalidade que só pode amedrontar nossa sociedade. Nesse contexto, os Estados Unidos têm sido palco das mais surpreendentes tragédias acometendo jovens e crianças dentro de ambientes educacionais, ou melhor, supostamente educativos.  

Dando seqüência a uma série de atentados cometidos por alunos norte-americanos contra seus próprios colegas de escola, a cidade de Littleton, no Colorado, foi eleita a testemunhar, em abril último, uma das mais repugnantes chacinas do país. Revivendo os tempos áureos do nazismo na Alemanha, dois adolescentes, que pertenciam à autodenominada "máfia do casaco", mataram à queima roupa 13 pessoas em menos de 5 minutos. Munidos de arsenal gigantesco e sofisticado em explosivos e armas, os dois estudantes não hesitaram em disparar dezenas de balas em direção de seus colegas, sem qualquer sentimento de respeito à vida, infringindo o mais caro dos códigos de tolerância à alteridade.  

Mais e mais, estudantes executam estudantes com toda a truculência e toda a atrocidade somente verificadas em guetos de bandidos e marginais. Salas de aula, num átimo de segundo, se transformam em teatro de guerra, no qual professores, alunos e funcionários se digladiam sem outra motivação que não por fantasias assassinas de videogames.  

Os meio de comunicação de massa, que se esgoelam por notícias sensacionalistas, contribuem, em muito, para a difusão da violência como estratégia heróica do homem. A mídia que explora e lamenta a tragédia alheia é a mesma que incentiva e naturaliza a violência como traço de modernidade. Em nome do entretenimento em escala global, o massacre da imprensa, da televisão e do cinema sobre a juventude expõe seu real compromisso com o retorno de um mundo bárbaro.  

Sr. Presidente, carabina semi-automática de 9 milímetros e um pistola semi-automática Tech DC 9 e mais de 30 bombas espalhadas pela escola norte-americana ocasionaram nada menos que 15 mortos e 28 feridos naquela instituição. Desequilíbrio familiar pode ser apontado como umas das fontes explicativas de tanta violência. Segundo a polícia de lá, é possível fabricar 30 bombas numa única tarde, despendendo-se menos de 200 dólares na compra de material encontrado facilmente em lojas de ferramentas e de artigos esportivos. As receitas para a fabricação também não são difíceis de obter, pois podem ser encontradas, sem problemas, nos sítios da Internet.  

No Brasil, o cenário não parece se distinguir muito daquele apresentado nos Estados Unidos. Seja no Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília, a incidência de crimes hediondos entre estudantes nas escolas se expande de maneira dramática. Os motivos são os mais banais, mas carregam em si uma força suficiente para não detê-los. Embora a história da mentalidade dos estudantes brasileiros não pareça comportar articulações assassinas sob inspiração de ideologias fascistas ou coisa que o valha, fica evidente que a violência nas escolas brasileiras decorre de fatores calcados nos insuportáveis desequilíbrios sociais e econômicos do País.  

O Governo brasileiro tem consciência disso e toma suas providências. O Ministro da Educação, Paulo Renato, numa frase muito inspirada, definiu a competência da educação para além da transmissão de conhecimento, estendendo-a para as fronteiras da formação do caráter das pessoas. Por isso, não hesita em propor e instituir novos currículos nas escolas brasileiras, mais adequados à formação educacional que contemple o respeito aos direitos humanos, o respeito à vida. Para ele, aliás, drogas e violência devem ser amplamente discutidas nas escolas. Como adendo, o professor Carlos Alberto di Franco, representante da Universidade de Navarra no Brasil, acredita que crueldade não é fruto do acaso, mas corolário de violência transmitida, família dilacerada e educação acovardada.  

De todo modo, a era da informação virou a era do entretenimento, cuja mola propulsora mais significativa consiste na exploração da violência. E violência não exige causa, enredo nem personagens. Como bem alertam os psicólogos, a promoção do sadismo como instrumento de diversão não produz a sublimação da agressividade. Pelo contrário, representa perigoso incitamento a comportamentos anti-sociais. Não acidentalmente, à televisão e à Internet se atribui responsabilidade da difusão sem controle de manifestações de vandalismo e atividades criminosas.  

Por outro lado, o esgarçamento da família e a desestruturação da educação estão na ponta do problema. Pais conhecem cada vez menos seus filhos. Na falta do carinho e da orientação familiar, elementos indispensáveis ao bom desenvolvimento da personalidade, as crianças crescem sem referências morais e ficam à mercê da babá eletrônica. A crise de valores comunitários se instalou já há alguns anos em nossa sociedade e nada parece, até agora, capaz de removê-la. Aliás, nas instituições de ensino nas quais se verifica baixa participação comunitária, o índice de violência registrado foi de 63%, ao passo que, o mesmo índice cai para 47% aonde a população participa mais ativamente da vida escolar, conforme publicou a Folha de S.Paulo, em recente reportagem.  

Sr. Presidente, mas, contrariando avaliações menos sombrias sobre o panorama brasileiro, a violência já se estendeu para o espaço universitário. A morte do estudante de medicina da USP, Edison Hsueh, no início deste ano, chocou todo o País. Vítima de trote extremamente violento e covarde, Edison foi encontrado afogado na piscina da universidade. O caso acabou por reacender a polêmica sobre determinadas práticas universitárias que, sob a aparência da promoção da integração comunitária, carregam traços extremamente violentos para sua execução. O afogamento do rapaz na piscina do centro olímpico da USP demonstrou a que ponto da insanidade humana chegam ações e comportamentos da juventude "bem nutrida" e dita "civilizada" do País.  

Para bem recordarmos do triste episódio, o estudante de medicina Edison Hsueh, 22 anos, mal ingressara no curso de medicina da USP, em março de 99, quando foi impelido pelos veteranos a atender ao macabro ritual de passagem. Em que pesem os argumentos sociológicos a favor do sentido agregativo embutido nos ritos da tradição universitária, não há como moralmente transigir com modalidades tão agressivas de integração acadêmica. Ora, como é possível associar ritos absolutamente satânicos de tortura a valores relacionados à fraternidade, solidariedade e igualdade, sob os quais se reivindica a prática sórdida dos trotes?  

Naquele fatídico sábado, o jovem Edison havia sido convocado a participar do mórbido espetáculo de confraternização estudantil, que aconteceria nas dependências da Associação Recreativa Oswaldo Cruz. A convocação, obviamente, partiu das lideranças do Centro Acadêmico de Medicina da USP, que anualmente organiza o circo horrendo dos trotes. Em meio a muita embriaguez, como imersos numa irracionalidade dionisíaca, os anfitriões veteranos não se furtaram a estampar uma cadeia de recalques, neuroses e traumas sobre o corpo dos demais colegas calouros na forma de trotes sadicamente violentos. O desfecho de tudo isso não poderia ser outro senão um acúmulo de "acidentes de percurso", cuja face mais trágica, infelizmente para Edison, significou a supressão da própria vida, afogada de vez no fundo da piscina da Associação.  

Naturalmente, o caso do estudante da USP não foi o primeiro, nem será o último, se a sociedade fechar os olhos sobre o processo acelerado de dissolução dos valores humanistas a que estamos sendo submetidos. A indústria de armamentos cresce em progressão geométrica, sem que o Estado exerça controle efetivo sobre sua distribuição. Isso se explica pelo fato de que grande parte da comercialização de armas se dá no circuito da economia informal e ilegal, muito próxima de outro circuito extremamente perigoso da contravenção: o das drogas. De qualquer maneira, isso não justifica a disseminação da insensibilidade das sociedades modernas diante dos dramas humanos, diante da injustiça, diante da violência gratuita.  

O paradoxo da questão se prende exatamente na ausência de ética humanista entre alunos que, supostamente, se preparam para exercer o ofício máximo da conservação da vida. Por detrás de toda a sordidez dos trotes universitários, parecem esconder-se impulsos muito fortes em direção à destruição mútua, à selvageria plena, ao primitivismo mais bárbaro. Sem parâmetros morais que orientem a conduta do jovem na comunidade moderna, a juventude projeta na violência a saída para problemas de auto-afirmação e identidade.  

O fenômeno da alienação na modernidade não acontece por acaso, nem tampouco difusamente. O sistema de poder instalado para gerir os grandes centros capitalistas de produção e consumo funciona de sorte a bem camuflar sua ideologia de controle, vigilância, repressão e exclusão. Na verdade, o processo de banalização, e a conseqüente retificação dos valores coletivos, compromete, a cada dia, a construção de uma subjetividade moderna, consciente e apta para a participação política nos processos decisórios. Quanto mais distraídas estiverem as mentes da juventude, tanto menos suas ações acompanharão um fluxo maduro e libertador de consciência.  

Para desvencilhar sua população jovem dessas correias da alienação, do consumo e da violência, o Estado brasileiro deve, com urgência, retomar uma diálogo fértil com a sociedade, de modo a restaurar o espírito de um pacto coletivo. Por intermédio dele, seremos levados a repensar o papel dos jovens e seu posicionamento orgânico no tecido social. É preciso recuperar o sentido de inovação, de transformação, de questionamento constante, em suma, com o qual a figura do jovem impregna e contagia o mundo de graça.

 

Por fim, para que o quadro degenerante da violência nas escolas se transfigure em um cenário coletivamente solidário e producente, faço minhas as palavras do jornalista Gilberto Dimenstein, que diz: "Há de haver a preponderância de 3 fatores nas escolas: um diretor motivado, interessado no desempenho dos alunos, atuando como líder; professores entusiasmados, com um currículo avançado; e, acima de tudo, envolvimento comunitário". Não poderia haver sugestão mais apropriada.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

§ ý


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/1999 - Página 28562