Discurso no Senado Federal

ANALISE DA QUESTÃO DO MENOR INFRATOR NO BRASIL. JUSTIFICATIVAS A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI QUE DISPÕE SOBRE O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • ANALISE DA QUESTÃO DO MENOR INFRATOR NO BRASIL. JUSTIFICATIVAS A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI QUE DISPÕE SOBRE O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
Aparteantes
Ernandes Amorim.
Publicação
Publicação no DSF de 28/10/1999 - Página 28598
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, OCORRENCIA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), INSUBORDINAÇÃO, MENOR, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM), VIOLENCIA, PROVOCAÇÃO, MORTE, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, FUNCIONAMENTO, FUNDAÇÃO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), ESPECIFICAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), INCOMPETENCIA, TRATAMENTO, PROBLEMA, INFRAÇÃO, MENOR, DESCUMPRIMENTO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, FALTA, PROGRAMA, RECUPERAÇÃO, INFRATOR.
  • COMPARAÇÃO, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PRISÃO, MENOR, DEFESA, EDUCAÇÃO, TRABALHO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, OBJETIVO, PUNIÇÃO, INFRAÇÃO, MENOR, PROXIMIDADE, IDADE, ADOLESCENCIA, MAIORIDADE.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que, embora não seja novidade, o Brasil inteiro está estarrecido e está havendo inclusive repercussão internacional dos fatos graves ocorridos especificamente no Estado de São Paulo, divulgados amplamente pela mídia nacional em todas as estações de TV e de rádio do nosso País.  

A questão do menor infrator é difícil de ser resolvida em todo o País, mas creio que São Paulo esteja pecando mais do que qualquer outro Estado.  

Assistimos, ao longo da última semana, ao longo inclusive dos últimos meses, a freqüentes manifestações de insubordinação, de inconformismo dos menores infratores instalados nas várias unidades da Febem do Estado de São Paulo. É uma questão, creio, que deve ter surgido com mais força de quatro meses para cá. O Governador Mário Covas tem-se manifestado e prometido sempre resolvê-la. Na última vez, ele prometeu inclusive dormir em uma das casas de internação da Febem; mas, lamentavelmente não o fez.  

Há dois dias vimos talvez aquele que foi um dos atos mais bárbaros praticados pelos menores infratores, que culminou inclusive com a morte de quatro deles. Dois deles estão até agora sem identificação, o que significa que nem cadastrados eles estavam. Quer dizer, a instituição não cumpre o mínimo que a legislação estabelece.  

Pretendo, neste pronunciamento e nesta oportunidade, apresentar um projeto de lei que corrige algumas falhas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Antes, porém, pretendo comentar, digamos assim, a falta de ação, a falta de responsabilidade, a falta de sensibilidade para um problema dessa gravidade por parte do Governo do PSDB; seja o Governo do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, seja o Governo do Governador de São Paulo, Mário Covas, um homem cuja bela história política, cuja reputação todos conhecemos; um homem sério e íntegro e, no meu entender, um homem bem-intencionado. Como pode um homem da estirpe do ex-Senador e hoje Governador Mário Covas permitir que aconteça, no maior Estado do nosso País, o que está acontecendo em São Paulo com os menores infratores que estão na Febem?  

As reportagens a que temos assistido têm mostrado inclusive Estados do Brasil - e cito o caso específico do Paraná - onde o menor, ao ser internado para ser reconduzido na sua educação e na sua formação, tem oportunidade de trabalho e de aprender uma profissão. Tem com o que se ocupar durante todo o dia. Portanto, ele sai de uma instituição como aquela em condição de recuperar-se e de enfrentar a sociedade, e inclusive com um ganho. No período em que ele passou internado, educou-se mais, aprendeu melhor a leitura, aprendeu melhor uma função, enfim, reeducou-se. Teve condições de analisar o seu erro e de sair dali com disposição de enfrentar a sociedade e fazer o que é correto.  

Lamentavelmente, essa situação não existe no Estado de São Paulo. Há poucos dias, assisti a uma entrevista de um especialista na área, que inclusive já foi interno na Febem. Ele foi entrevistado pela jornalista Lilian Witte Fibe, no Jornal Nacional. Ele disse que o Governo fica numa situação difícil entre o que determina a lei e a realidade do que pode fazer, porque, segundo a lei, não se pode dar trabalho ao menor. Mas ele esqueceu de dizer - e o Governo do Estado de São Paulo se esqueceu de informar à sociedade - que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente impõe condições para que o menor infrator seja internado.  

Vou lembrar, de maneira muito rápida, algumas dessas condições: primeiro, a descentralização e a regionalização. Não é possível que um infrator que cometeu um delito no último Município do Estado de São Paulo, já beirando Minas Gerais, venha a ser internado na Capital do Estado, longe dos seus parentes, longe da sua família, longe de todas as condições de amparo que mesmo um detento deve ter. Há uma obrigação.  

Os conselhos tutelares, estaduais e municipais têm questionado o Governador Mário Covas a respeito dessa questão, e S. Exª não tem dado resposta. A regionalização e a descentralização das unidades da FEBEM no Estado de São Paulo até hoje não aconteceram.  

Em segundo lugar, o Estatuto exige a individualização e adequação do programa, ou seja, cada menor que para lá vai tem de ser submetido a um programa individual de assistência, de atenção e de aprendizado. Isso também não é feito.  

Deve-se observar também a profissionalização, o que não significa que será dado um trabalho obrigatório ao menor. A profissionalização significa que, em uma marcenaria, em um instituto de artesanato, em um curso de teatro ou de computação, o menor vai aprender uma profissão. O Estatuto faz com que essa seja uma obrigação.  

Também está na lei que o menor deve contar com uma assistência familiar contínua, deve receber assistência jurídica permanente, deve ter assistência religiosa, de acordo com a crença que professe. Também é obrigatória a observância de acentuação pedagógica e de contenção necessária.  

Essas são exigências que estão no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ora, a que estamos a assistir no Estado de São Paulo? A unidades da FEBEM onde o menor não tem o que fazer durante todo o dia e não tem nem onde sentar! O jornal Folha de S.Paulo publica muito claramente que os menores da unidade da FEBEM de São Paulo passam o dia agachados, sentados nos pátios, sem ter absolutamente nada o que fazer. Não há uma leitura, uma ocupação e nem um teatro. Nada, absolutamente nada! A que ponto pode chegar um grupo enorme de menores, cerca de 1,5 mil pessoas, numa casa que deveria ser um centro de internação, com todas essas características de atendimento que citei, mas que, na verdade, nada mais é do que uma prisão, do que um centro de detenção?  

Um menor não pode ser preso, não pode ir para a cadeia pública, mas os centros de internação da FEBEM são nada mais nada menos que prisões.  

Eu queria entender como é que um sociólogo como Fernando Henrique Cardoso, Presidente da República, filho de São Paulo, e um Governador da estirpe do Senador Mário Covas, ambos do PSDB, ambos, pelo menos, ditos sociais-democratas, permitem uma situação como essa, de verdadeira irresponsabilidade. Não posso conceber como é que o Governo brasileiro se preocupa tanto em manter os seus compromissos internacionais, em pagar religiosamente os juros aos banqueiros nacionais e internacionais, em tirar R$100 bilhões do nosso Orçamento de 2000, como está previsto, para pagamento de juros e não investe praticamente coisa alguma na formação da nossa população!  

Se somarmos todo o investimento nas áreas de educação, da saúde, da reforma agrária e das Forças Armadas, um valor da ordem de R$60 bilhões, tudo isso ainda será menos que os R$100 bilhões de juros que vamos pagar, no ano 2000, aos banqueiros nacionais e internacionais.  

Por isso, não dá para aceitar essa situação vergonhosa que vive o nosso País. Isso é vergonha para todos nós! É vergonha para nós, Parlamentares, é vergonha para o Congresso Nacional, é vergonha para o Brasil assistirmos às cenas de violência mostradas na televisão! Mas, fundamentalmente, isso é vergonha para quem exerce a Presidência da República do Brasil e o Governo do Estado de São Paulo!  

O Sr. Ernandes Amorim (PPB - RO) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Ernandes Amorim, pedindo-lhe que seja breve porque o tempo é exíguo e ainda desejo fazer uma exposição sobre o meu projeto de lei.  

O Sr. Ernandes Amorim (PPB - RO) - Senador Ademir Andrade, não consigo entender a atitude desta Casa, que criou uma CPI contra o trabalho infantil, mas que, quando as crianças deixam de trabalhar, às vezes entrando no mundo do crime e indo para a FEBEM, vislumbra a necessidade de fazer com que essas crianças trabalhem. Vejam a incoerência: não querem que as crianças trabalhem enquanto elas estão fora da FEBEM, mas, depois que elas vão para lá, para aquele amontoado, para aquela podridão, acham que elas têm de trabalhar. Há realmente necessidade de um projeto para definir essa situação. Não se podem tratar as crianças desse jeito. O Governo não pode, a exemplo do que disse o Governador de São Paulo, gastar R$1,7 mil por cada criança e permitir que elas vivam da maneira como estão vivendo. Por isso, Senador Ademir Andrade, precisamos de um projeto não só para esclarecer melhor essa questão no Senado, mas também para resolver esse problema dos menores que vivem num celeiro de criação de criminosos, que é a FEBEM.  

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA) - Quero deixar claro, Senador Ernandes Amorim, que o projeto e as leis protegem os direitos desses menores. As leis já existem. O que falta é o seu cumprimento.  

As crianças não podem trabalhar, e não é isso que tem de haver na FEBEM. Mas o pior é que não se faz absolutamente coisa alguma. Quem dera as crianças, esses menores infratores, pudessem chegar aos centros de internação que existem em todo o País - isso ocorre em todos os Estados brasileiros; São Paulo é onde está o caos no momento - e pudessem trabalhar! Quem nos dera isso pudesse acontecer! Quem nos dera houvesse condição de trabalho para essas pessoas!  

Às vezes, as pessoas não gostam que falemos a verdade.  

Fala-se muito da ditadura de Cuba, mas, em uma certa ocasião, tive oportunidade de passar quatro meses naquele país, fazendo um estudo do funcionamento daquela sociedade. Visitei mais de cinco presídios ali, e a impressão que tínhamos ao chegar a um presídio era a de que estávamos entrando numa fábrica, num centro industrial, porque eles não tinham, absolutamente, aparência de prisão. As pessoas estavam lá trabalhando, produzindo. Era uma verdadeira fábrica implantada num centro de internação.  

Quem nos dera, portanto, houvesse a possibilidade de trabalho para esses menores infratores na FEBEM! Mas isso não existe. O pior é que, além de não existir oportunidade de trabalho, não existe sequer aquilo que o Estatuto da Criança obriga que o Governo faça: dar-lhes condição de aprender alguma profissão, condição de se educarem ou reeducarem, condição de fazerem qualquer tipo de trabalho. Não existe coisa alguma! As crianças ficam à-toa, ficam agachadas. Não há sequer lugar para se sentarem na área de tomar sol. Não há absolutamente coisa alguma! Elas ficam sentadas no chão, conversando, e, evidentemente, quem não tem o que fazer o dia inteiro vai pensar em algo que não presta. Com isso, ali há a formação de quadrilhas e até brigas entre eles, como a que resultou na morte de quatro menores nesta semana.

 

Trago, Sr. Presidente, à apreciação desta Casa um projeto de lei que visa sanar alguns defeitos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Inclusive, a proposta que apresento pode até tolher aquela opinião, ideologicamente vulgarizada, de certos setores reacionários da sociedade que acham que o Estatuto da Criança e do Adolescente torna a criança inimputável, torna impossível qualquer punição por alguma infração que a criança tenha cometido.  

Existe realmente uma falha muito grave no Estatuto da Criança e do Adolescente, a qual estamos procurando corrigir ao apresentar este projeto. Essa falha diz respeito à questão da fase em que o adolescente passa para a maioridade penal, aos 18 anos. Ora, hoje, pelo próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, se um jovem infrator comete um ato ilícito aos 17 anos de idade, como os processos no nosso País são muito lentos, durante um certo período a situação não é definida e o juiz e a promotoria não se manifestam por uma punição. Assim, quando do julgamento, da prisão e do depoimento das testemunhas, o adolescente já passou dos 18 anos.  

O juiz, então, vê-se diante de uma situação de dificuldade. Ao passar dos 18 anos, esse adolescente já é maior e, portanto, não pode sofrer pena como menor. A idade a ser considerada é aquela que o infrator tinha no dia em que o crime foi cometido. E aí não é mais possível aplicar a pena. O adolescente que não for julgado ou que não tiver a determinação de sua punição antes de completar 18 anos praticamente fica sem nenhuma sanção e é solto. O juiz não pode tratá-lo como maior já que o ato foi cometido quando ele era menor e não pode mais julgá-lo como menor porque não é possível a internação do infrator quando ele completa 18 anos de idade.  

Estamos apresentando uma emenda que visa modificar isso, permitindo que o juiz possa decidir pela punição do infrator, independentemente de ele já ter completado 18 anos.  

A outra modificação que estamos propondo também diz respeito à criança com idade até 12 anos. Se, na proximidade de completar 12 anos – quando passa a ser um adolescente –, o menor cometer um crime, dependendo da sua gravidade e da demora no processo de decisão sobre o que com ele deve acontecer, ele ficará também sem nenhuma penalidade, porque esse interregno na decisão dificulta a ação da Justiça.  

Estamos procurando corrigir isso, determinando que, de acordo com a gravidade da infração, esse menor possa ser punido não com internação, mas com diversas outras penas alternativas que fazem com que ele pague pelo crime que cometeu, para que ele possa corrigir-se e voltar ao convívio com a sociedade.  

Desse modo, o meu projeto de lei visa corrigir uma falha existente no Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem sido comentada e até denominada de "buraco negro" por alguns juristas de renome que entendem profundamente da matéria, tornando possível castigar o menor infrator que cometeu um crime, visto que, na situação atual, não há absolutamente nenhuma ação que faça com que ele se corrija.  

É voz corrente e a imprensa tem noticiado que os traficantes e as quadrilhas de traficantes, nas grandes cidades, estão arregimentando menores de 17 anos a 18 anos e crianças de 11 anos a 12 anos. Eles o fazem porque, quando menores nessas faixas de idade cometem um crime, há uma demora no processo de decisão judicial. E, quando há a possibilidade de ele ser internado para ser reeducado, isso já não pode mais acontecer, porque o infrator já alcançou a maioridade e não pode pagar pelo que fez quando menor. Assim, não há mais possibilidade de internação.  

As quadrilhas de traficantes já compreenderam melhor a lei que nós, legisladores no Congresso Nacional. E ainda não fomos capazes até hoje de corrigir esse grave erro. Devido a essa falha no Estatuto da Criança e do Adolescente, os traficantes estão arregimentando adolescentes de 17 anos e crianças com idade até 12 anos. Pretendemos corrigir esse erro para evitar esse tipo de arregimentação de crianças, que são levadas ao banditismo em nosso País.  

O Governo deve estar atento a essa questão e deve fazer a nossa economia crescer, porque é muito triste ver uma criança como aquela de 14 anos apanhando barbaramente de seus colegas. E foi preso por ter assaltado à mão armada. Ele o fez por ter má índole ou por ser ruim? Não. Ele assaltou por não ter dinheiro para assistir a um show, para ir a uma festa. Às vezes, no desespero, as pessoas apelam.  

O Brasil é um país que tem todas as condições de mudar e de dar uma vida mais digna a seu povo. O Brasil só precisa de um governo sério e de um povo que faça esse governo agir em seu próprio benefício.  

Muito obrigado.  

 

av¿ $


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/10/1999 - Página 28598