Discurso durante a 148ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSTERNAÇÃO DIANTE DO EPISODIO OCORRIDO NA FEBEM DE SÃO PAULO. NECESSIDADE DO RESGATE DE VALORES ETICOS NA SOCIEDADE BRASILEIRA.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CONSTERNAÇÃO DIANTE DO EPISODIO OCORRIDO NA FEBEM DE SÃO PAULO. NECESSIDADE DO RESGATE DE VALORES ETICOS NA SOCIEDADE BRASILEIRA.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/1999 - Página 28496
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, VIOLENCIA, ADOLESCENTE, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESPECIFICAÇÃO, ESPANCAMENTO, HOMICIDIO, MENOR.
  • CRITICA, INEFICACIA, INSTITUIÇÃO ASSISTENCIAL, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM), PAIS, COMENTARIO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, BRASIL, MOTIVO, AUMENTO, INJUSTIÇA, IMPUNIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • DEFESA, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, IMPORTANCIA, NECESSIDADE, REESTRUTURAÇÃO, SOCIEDADE, PAIS, FUNDAMENTAÇÃO, ETICA, MORAL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são inúmeras as manifestações daqueles que reconhecem uma degradação do tecido social no Brasil, que se apresenta sob as mais variadas formas, desde a descrença da opinião pública, da população sobre as instituições até as eclosões de violência nas ruas e em instituições que deveriam exatamente, pela sua natureza, combater a violência.  

Sr. Presidente, ontem, o que ocorreu na FEBEM, em São Paulo, realmente foi um horror! Não há outra expressão. Foi um horror! Não foi o primeiro nem o segundo episódio. Isso já vem ocorrendo com freqüência, mas ontem a situação chegou a um grau de violência e selvageria que horrorizou a população brasileira - enfim, a população do mundo inteiro, que tomou conhecimento dos detalhes.  

A declaração de impotência do Sr. Governador do Estado de São Paulo também foi chocante, uma vez que ela significa o reconhecimento de que essa degradação atingiu um nível tal que levou o Estado à impotência para solucionar a recomposição desse esgarçamento da sociedade brasileira.  

Os que se manifestam a respeito dessa degradação, com muita preocupação, muito freqüentemente não chegam às razões mais profundas do fenômeno. Atribuem as suas causas à inoperância do Governo, a uma certa falta de capacidade operacional do Governo; seja a falência do Poder Judiciário, seja a falta de eficácia geral da polícia e dos órgãos de repressão. Enfim, atribuem sempre o fenômeno a uma incapacidade operacional do Governo no sentido de colocar um freio nesse processo e retroceder em direção a uma estrutura melhor da nossa sociedade.  

Sr. Presidente, porém - e este é o ponto nodal do meu pronunciamento - há uma causa de patamar mais elevado, mais abrangente que estas, referentes às diferentes manifestações de inoperância governamental, à falta de capacidade operacional dos governos em geral, não só do Governo Federal, como dos governos estaduais. Digo que há no Brasil de hoje uma certa institucionalização da injustiça , através dessa estranha atitude de privilegiar a eficácia dos resultados imediatos, previlegiar o imediatismo dos resultados, colocando a eficácia acima da ética, dos valores morais de um modo geral, dos valores da Justiça. É como se se institucionalizasse a injustiça no País, como se ela fosse necessária para a obtenção de resultados imediatos no campo econômico, no campo social, no campo operacional do Governo de um modo geral. É óbvio que isso gera o quê? Gera essa descrença nas instituições, gera um movimento de indignação contra a injustiça, e essa indignação gera revolta, gera inconformidade, gera violência, essa violência que explode em mil facetas.  

Creio que é um erro atribuir a violência ao crescimento da miséria. A miséria não é a causa da violência. A causa da violência é a indignação pelo sentimento da injustiça. Aqueles cidadãos injustiçados, que sabem que são institucionalmente injustiçados, que não vêem a menor possibilidade de romper essas cadeias institucionais da injustiça, os mais competentes entre eles, os mais capazes, os mais fortes, os que têm mais personalidade partem para a violência como forma de protesto, como forma de manifestação de sua total inconformidade com essa injustiça institucionalizada.  

Sr. Presidente, um exemplo flagrante dessa injustiça institucionalizada: o Brasil é um dos campeões mundiais, senão o campeão mundial, da desigualdade econômica e social. O Governo reconhece, assim como instituições internacionais o fazem, que é preciso combater essa desigualdade de alguma forma, mas a solução proposta pelo Governo não é a de corrigir as distorções contribuição, por meio de tributos recaiam sobre os mais ricos, mas buscando na classe média os recursos necessários para cobrir as carências fundamentais da nossa população mais pobre.  

Assistimos, na Comissão Mista que cuida da questão da pobreza, primeiro ao economista José Márcio Camargo, depois ao próprio Ministro da Fazenda, Pedro Malan, mostrarem que o Brasil gasta suficientemente com os setores sociais. O Brasil gasta mais de 20% do PIB com os chamados setores de natureza social - educação, saúde, previdência social, assistência social, mas gasta mal, isso é, desses 20% do PIB, mais de metade do gasto com esses setores do Orçamento, beneficiam não os 10 ou 20% mais pobres, mas os 40% mais ricos, englobando a classe média. E citam o caso dos gastos com a Previdência, com as aposentadorias, com os hospitais do SUS que atendem à classe média - não os hospitais públicos, mas os conveniados -, e a questão do ensino médio e universitário, que, efetivamente, gasta muito com parte da população que não é a mais pobre, a mais necessitada, mas com a classe média e, às vezes, com a classe média alta.  

Então, a correção viria por aí: "Vamos melhorar a natureza dos gastos com o social." O que significa isso? Significa tirar da classe média; por exemplo, descontar dos aposentados que constituem classe média, fazer pagarem, de alguma forma, os universitários das universidades públicas, cobrar alguma coisa dos hospitais do SUS, isto é, sempre tirar da classe média para atender com mais eficácia os necessitados, os 10, ou 20% mais pobres dos brasileiros.  

Acontece, Sr. Presidente, que, nesse esquema, ficam de fora os 10% mais ricos, e inteiramente de fora os 5%. Os 2% mais ricos, ou o 1% mais rico dos brasileiros, continuam com suas rendas e seus componentes de riqueza inteiramente intocados. E, nessa solução que agrava o sentimento de injustiça, de indignação, o Governo não vê, por exemplo, que gasta a mesma quantia, que destina aos setores sociais, com juros da dívida interna pública brasileira. Neste ano, só nos oito primeiros meses, já gastou 110 bilhões, mais ou menos o que gasta com esses setores sociais. No entanto, a apropriação desse gasto público é feita pelo 1%, ou pelo 0,5% mais rico dos brasileiros, quer dizer, a distorção é infinitamente maior do que aquela segundo a qual metade do gasto social são apropriados pelos 40% mais ricos. Aí, não: 100% do gasto da dívida são apropriados pelo 1% ou 0,5% dos brasileiros mais ricos! É uma distorção muito mais grave, mas isso é intocável, porque se trata do mercado financeiro, que tem que ser estimulado, que não pode sofrer interferência por parte do Governo ou da sociedade, senão afugenta os investidores. Quer dizer, sempre a mesma cantilena de se preservar o interesse dos grandes investidores e da elite endinheirada deste País para fazer cair o peso das correções sobre a classe média, porque esta não tem poder de chantagem sobre a economia e a sociedade brasileira.  

Temos falado, nós da Oposição, dos Partidos socialistas de um modo geral, na correção dessa injustiça por meio da tributação das grandes fortunas, dos patrimônios, da tributação da renda da pessoa física nas faixas de rendimentos mais elevados. Por exemplo, o Governo propôs a prorrogação da alíquota de 27,5% sobre rendimentos da classe média quando poderia ter deixado nos 25% e criado duas ou três faixas novas, de 35, 45 ou 55%, como já foi o Imposto de Renda neste País, para pessoa física mais rica, não para pessoa jurídica. Quando é preciso buscar-se algum recurso, cai-se na pessoa jurídica, porque é mais fácil de arrecadar, é mais simples, é mais operacional, e é claro que a pessoa jurídica transfere para o consumidor, e nem se sabe quem acaba pagando. Mas na tributação sobre a pessoa física, sobre o patrimônio, sobre as fortunas, nessa não se toca; rejeita-se a idéia sob o argumento, Sr. Presidente, de que não adianta, porque os ricos sabem sempre como fugir dessa tributação. Ela é ineficaz. Essa proposta é rejeitada por ineficácia, porque os ricos sabem o caminho das pedras e têm advogados competentíssimos que sabem como tirá-los dessa tributação, ou então seus capitais fogem do País, quer dizer, trata-se de uma confissão de impotência do Governo, muito análoga ao que disse o Governador de São Paulo ao manifestar-se sobre esse horror que aconteceu ontem, na FEBEM: "Ah! Sinto-me impotente." O Governo brasileiro rejeita a proposta justa por sentir-se impotente para tributar os brasileiros ricos, os privilegiados, os que ganharam dinheiro com esse modelo, os que mobilizaram verdadeiras fortunas com a duração desse modelo neoliberal que aí está. Chegado o momento de essas pessoas pagarem os custos, porque podem e devem pagá-lo, o Governo se recusa a cobrá-las sob um argumento operacional, simplesmente operacional, dizendo ser difícil tributar os ricos. Isso não é aceitável, isso gera aquela indignação, aquele sentimento de injustiça a que me referi e que acho estar na raiz dessa degradação do tecido social brasileiro.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ) - Com muito prazer, nobre Senador Ney Suassuna.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Roberto Saturnino, não entro no mérito da discussão do modelo, mas digo a V. Exª que, ontem, senti vergonha ao assistir, na televisão, ao massacre, a garotos matando garotos, a toda aquela depredação. Precisamos arrumar uma solução. Não sei se ela é econômica, não sei qual é, só sei que não podemos continuar nesse impasse. É uma vergonha termos, ciclicamente, esses fatos ocorrendo no Brasil. A juventude que lá está para ser corrigida, sai pior do que entra.  

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ) - Senador, recebo o aparte de V. Exª como uma contribuição que muito honra o meu pronunciamento.  

Queria dizer-lhe que nenhum de nós tem certezas absolutas, nenhum de nós é divindade para ter certezas absolutas, mas tenho a minha convicção de que a solução não é estritamente econômica ou social. Ela é mais política-filosófica do que tudo, quer dizer, é preciso que a população brasileira passe a sentir que está vivendo numa sociedade ética, numa sociedade respeitadora dos valores tradicionais, da justiça, da eqüidade, enfim, da igualdade estrutural entre os seres humanos, da lei que opera e funciona nesse sentido. Está faltando isso. A sociedade, indignada, sente que há uma grande injustiça nisso e se revolta contra os ricos, contra os bancos, contra os grandes grupos, contra o capital estrangeiro. Se eles não pagam nada, se eles são inatingíveis, por que vamos ficar aceitando isso e tolerando essa indignidade cada vez maior sobre nossas vidas? É esse pensamento que leva à descrença total, que leva um indivíduo a pegar uma arma e sair em busca de sua fatia no bolo da produção para fazer um mínimo de justiça em relação às suas perspectivas de vida.

 

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está faltando exatamente esse componente ético na forma de atuação e operação do Governo de modo geral. Quando cito o Governo, refiro-me aos Três Poderes, não me fixo exclusivamente no Poder Executivo. A meu ver, é uma questão que permeia todos os Poderes e tem que estar na base de atuação das nossas instituições.  

O devedor é quem deve pagar, isso é necessário para que comece a haver um sentimento de justiça, mesmo que de formas exemplares.  

Estamos vendo, por exemplo - e isso me preocupa - o Banco Central emitir títulos, títulos e títulos da dívida pública com cláusula de correção cambial para segurar o preço do dólar. O Banco Central tem feito isso e, neste ano, deve ter emitido quase 20 bilhões de títulos com correção cambial.  

O dólar está sofrendo diversas pressões, mas, certamente, pressões da própria essência da economia, do próprio desequilíbrio latente que existe no nosso balanço de pagamentos. Não é segredo para ninguém que o dólar sofre pressões altistas e vai subindo e subindo. E esses títulos do Banco Central, com correção cambial, quando forem resgatados, acarretarão um prejuízo de bilhões ao Tesouro.  

O Governo faz um enorme esforço, exige e cobra do Congresso Nacional a aprovação de dispositivos para captar recursos da classe média, dos aposentados e dos servidores, para cobrir o rombo de poucos bilhões, enquanto ele mesmo abre um outro rombo de tantos bilhões ou mais com essa ação do Banco Central para segurar o dólar, vendendo títulos com correção cambial em quantidade cada vez maior. Agora, já pediram ao FMI para liberar o mínimo das reservas para poderem agir mais no mercado cambial e segurar mais o dólar de maneira artificial, quando é o desequilíbrio do balanço de pagamentos que está levando a essas pressões altistas.  

Quase todos os dias, ao abrir os jornais, nós nos deparamos com notícias de ações do Governo que implicam a manutenção de uma situação de injustiça, recusando-se a tomar qualquer atitude que fira os interesses da elite endinheirada, que já se aproveitou tanto desse modelo e dessa política econômica, qualquer atitude que não seja eficaz, da qual a elite endinheirada saiba como fugir.  

Então vamos tentar tributar de todos os modos a classe média, porque esta não pode fugir - coitada! -, não dispõe dos instrumentos do tal planejamento fiscal, que é uma nova profissão no Brasil, altamente remunerada. Há escritórios de advocacia com os melhores tributaristas, que orientam os ricaços deste País e os detentores estrangeiros de fortunas para se livrarem das pressões do Fisco, enquanto a pobre classe média cada vez desce mais de seus patamares de vida digna para ser submetida a encargos crescentes para cobrir os rombos do Governo.  

Então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este pronunciamento de hoje revela a minha preocupação de que estamos vivendo em uma sociedade - e o Governo dá exemplos disso - que cada vez mais deprecia os valores morais e éticos em favor da eficácia. O Governo só pensa em resolver o problema operacionalmente a curto prazo sem pensar nas conseqüências de longo prazo ou nos desdobramentos que essas medidas terão nos sentimentos da sociedade com relação a elas e à sua própria estruturação.  

Isso me preocupa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. O episódio de ontem me horrorizou, mexeu com as fibras da minha consciência. Eu não poderia deixar de fazer essas observações apontando para a necessidade de se buscar soluções que respeitem mais as conseqüências de longo prazo, os valores da ética e da moral e não tanto a operacionalidade da eficácia de curto prazo.  

Era isso que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/1999 - Página 28496