Pronunciamento de Ney Suassuna em 26/10/1999
Discurso no Senado Federal
VISITA AOS PRINCIPAIS VEICULOS DE COMUNICAÇÃO DO PAIS, JUNTAMENTE COM DEPUTADOS ESTADUAIS DA PARAIBA, SOLICITANDO O APOIO PARA DIVULGAR E INFORMAR A SOCIEDADE BRASILEIRA SOBRE A GRAVIDADE DA SECA QUE ASSOLA A REGIÃO NORDESTE.
- Autor
- Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Ney Robinson Suassuna
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
CALAMIDADE PUBLICA.
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
- VISITA AOS PRINCIPAIS VEICULOS DE COMUNICAÇÃO DO PAIS, JUNTAMENTE COM DEPUTADOS ESTADUAIS DA PARAIBA, SOLICITANDO O APOIO PARA DIVULGAR E INFORMAR A SOCIEDADE BRASILEIRA SOBRE A GRAVIDADE DA SECA QUE ASSOLA A REGIÃO NORDESTE.
- Aparteantes
- Geraldo Cândido, Osmar Dias.
- Publicação
- Publicação no DSF de 27/10/1999 - Página 28499
- Assunto
- Outros > CALAMIDADE PUBLICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
- Indexação
-
- REGISTRO, VISITA, ORADOR, PERIODICO, ISTOE, VEJA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EPOCA, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), OBJETIVO, CONSCIENTIZAÇÃO, IMPRENSA, PAIS, IMPORTANCIA, DIVULGAÇÃO, GRAVIDADE, PROBLEMA, SECA, REGIÃO NORDESTE.
- DEFESA, REALIZAÇÃO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SECA, MELHORIA, ABASTECIMENTO DE AGUA, REGIÃO NORDESTE.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na quinta e sexta-feira da semana passada, realizei algumas visitas a órgãos de imprensa, acompanhado do Presidente da Assembléia Legislativa da Paraíba e de alguns Deputados Estaduais. O Presidente me havia solicitado que buscássemos algumas soluções, algumas ações a mais para o enfrentamento da seca, que perdura até hoje e que parece que se estenderá por mais cinco anos, segundo informações dos institutos de pesquisa climática.
Uma dessas soluções foi exatamente fazer um périplo pelas redações das revistas Época, IstoÉ e Veja e dos jornais O Globo , Folha de S.Paulo , O Estado de S.Paulo e outros. Fomos a cada um desses organismos pedir apoio para que seja esclarecida a sociedade brasileira sobre o que está acontecendo no Nordeste.
A seca existe, saiu do noticiário e parece que acabou. No entanto, Sr. Presidente, ela perdura em muitos lugares do Nordeste, principalmente no Estado de V. Exª, no meu Estado, no Estado de Pernambuco e também em boa parte do Estado do Ceará. E essa seca vem se agravando. No Estado da Paraíba, onde há a pior qualidade de recursos hídricos, não chove regularmente há três anos.
Já disse aqui desta tribuna que perdemos 70% da nossa agricultura e quase 76% da nossa pecuária, e isso ocorreu em um Estado que é agrícola. E eu dizia nesses órgãos de comunicação, juntamente com o Presidente Nominando Diniz, que estamos vivendo como se estivéssemos num campo de concentração sem cercas. Hoje um milhão de paraibanos vive no Curimataú, no Vale do Sabuji, no Cariri, e essas pessoas não têm a menor condição de sair de lá, porque sequer têm dinheiro para pagar as passagens.
Uma cidade como Monteiro, que é uma cidade importante, está indo buscar água em Borborema, a mais de 100 quilômetros de distância. Uma cidade como Pedra Lavrada está indo buscar o resto d’água a 180 quilômetros de distância. E a água, Sr. Presidente - eu mostrava a fotografia nas redações desses órgãos de imprensa -, parece caldo-de-cana, é verde. V. Exª bem a conhece. É o restinho do fundo do açude. Há poucos minutos, eu conversava com o Governador José Maranhão, que me dizia que, nesses reservatórios, só existe água para mais um mês. E acabou. Não sabemos o que vamos fazer.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a verdade é que transferir esse um milhão de pessoas para outra área custa muito mais do que combater esses efeitos danosos da seca. Extinguir a seca é impossível, mas podemos conviver com ela. E os exemplos estão aí. A Califórnia, se fosse pela seca, não existiria. É uma terra fértil mas sem água; trouxeram a água de longe. A China fez isso há dois mil anos. Se não tivéssemos meios de conviver com a seca, Israel não existiria.
Eu poderia citar aqui mil exemplos. Mas, na virada do milênio, no Brasil não encontramos soluções dignas, e um milhão de pessoas estão vivendo num campo de concentração sem cercas. Os homens, a força de trabalho, já vieram em busca de emprego em São Paulo ou no Rio de Janeiro, como se aqui pudessem encontrá-lo. Quase 90% deles estudaram apenas os dois primeiros anos do primário. Portanto, trata-se de mão-de-obra não qualificada, o que dificulta ainda mais que eles consigam qualquer emprego.
As famílias lá ficaram. São famílias que não sabem o que fazer. O Governo Federal tem um programa, a Frente Contra a Seca, que custa mais de R$1 bilhão anualmente. A transposição do São Francisco custaria R$2 bilhões. E essas famílias não recebem essa ajuda de R$68,00 por mês. Há alguns meses, devido à burocracia, a verba não tem chegado à mão do cidadão que está alistado na Frente contra a Seca.
Coisa semelhante está ocorrendo com a cesta básica, que são 20 quilos de alimentos dados de 15 em 15 dias. Há três meses, em algumas regiões da Paraíba, não chega a cesta básica. Está havendo dificuldades no pagamento em dia, apesar dos esforços do Ministro Fernando Bezerra, que acabou de receber um Ministério que está sendo estruturado. S. Exª está fazendo tudo o que pode, mas, apesar disso, não estamos conseguindo pagar em dia a um miserável que não tem água e não tem o que comer, porque, há meses, não há regularidade nesse pagamento. Já esteve pior. Antes de o Ministro Fernando Bezerra chegar, houve até cinco meses de atraso, como se alguém pudesse esperar cinco meses para receber comida.
Mas a verdade é que, nesse périplo que acabei de mencionar, buscamos sensibilizar a imprensa. Pedimos que a imprensa mandasse acompanhar o dia de uma família dessas, a tragédia de alguns habitantes dessa região específica. Todos estão enfrentando a seca, mas a Paraíba é a que está em pior situação. Não temos água para consumo humano nem animal, e o resto de água de que ainda dispomos estará extinto nos próximos 30 dias. No Brejo da Paraíba - o próprio nome Brejo diz respeito a uma região molhada -, Guarabira está com racionamento de água. A cidade de Esperança, que é o coração do Brejo, está há seis meses sem um pingo de água. Há seis meses a água chega ali em carro-pipa e é retirada a muitos e muitos quilômetros de distância.
Não sei qual será a solução. Creio que, inclusive, estamos tirando a esperança dessas populações. Para fazer a transposição do São Francisco vamos levar seis anos. Se tivéssemos começado a fazer isso no ano passado, faltariam apenas cinco anos. Se começarmos a fazê-lo hoje, faltarão seis anos, e, se começarmos essa obra no próximo ano, faltarão sete anos para a sua conclusão. É preciso que comecemos!
Tenho visto que, no Congresso, algumas Bancadas se posicionam contrariamente. Fico pasmo, sem entender como é que, numa hora desta, alguns Estados pensam - e têm todo o direito de pensar - em melhorar as matas ciliares que ficam às margens dos rios, em fazer o desassoreamento. Tudo isso é preciso fazer um dia, mas nós da Paraíba, um milhão de pessoas, estamos querendo água para beber hoje. Não haverá água no próximo mês no Cariri, em Curimataú e até mesmo no Brejo.
Fico pasmo quando vejo algumas pessoas se posicionarem de forma contrária a essa transposição. Fomos a esses órgãos de imprensa para pedir apoio e esclarecimento, mostrando o quanto é importante essa transposição, que vai tirar uma quantidade insignificante da água do rio São Francisco, que é o responsável por 60% de toda a água do Nordeste.
Hoje muitas pessoas indagam por que não se perfuram poços. Há mais de seis mil poços perfurados na Paraíba, mas um pouco mais de dois mil estão exauridos e quase todos eles, Sr. Presidente - V. Exª conhece isso, porque é da região -, precisam de dessalinizador. Um terço da água é retirado para beber, e o resto é rejeito - onde cai nem mais vegetação vai nascer, porque é sal puro. E ainda fica um resíduo de magnésio na água que se vai tomar, e quem não tem costume apresenta graves problemas intestinais.
Nessa região, realmente é difícil viver. Mas ainda mais difícil vai ser transferir essas populações para outros Estados, outras regiões. Já tivemos até uma experiência no passado, quando retiramos algumas pessoas dali para enviá-las para a Amazônia. Quase todos os que foram deslocados ficaram por lá sob o solo, enterrados, porque a malária os matou. É um outro tipo de clima, e não temos anticorpos para enfrentar a malária, diferentemente de quem já nasce na região.
Então, estamos vivendo dias muito difíceis.
O Sr. Osmar Dias (PSDB - PR) - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Com muita satisfação, concedo o aparte a V. Exª.
O Sr. Osmar Dias (PSDB - PR) - Senador Ney Suassuna, V. Exª volta a esse importante assunto para o seu Estado, a região do Brasil que sofre com esse fenômeno da seca. E hoje já estamos sofrendo isso no Sul com o La Niña que castiga a região, fazendo com que se adie o plantio da safra de verão. Mas rapidamente quero fazer referência à transposição das águas do rio São Francisco. Na minha opinião, essa denominação é que tem provocado problemas na discussão, e a desinformação faz com que algumas pessoas se coloquem contra essa obra. Mesmo lá do Sul, já me posicionei favoravelmente a ela, porque, na verdade, o que se pretende não é tomar a água do rio São Francisco e desviar o seu leito, mas sim desviar um pequeno percentual, em torno de 3%, das águas que correm no rio São Francisco, para dar vida a uma região, proporcionando bem-estar para uma imensa população que poderia ser beneficiada com essa obra. Foi por esse motivo, Senador Ney Suassuna, que, como Presidente da Comissão de Assuntos Sociais, acatamos um requerimento da Senadora Heloisa Helena e da Senadora Maria do Carmo, para que naquela Comissão possamos realizar um fórum de debates sobre esse assunto, com o objetivo único de esclarecer e informar a respeito do significado e da importância dessa obra, com os parâmetros técnicos que cercam a sua realização. Queremos discutir o assunto mais tecnicamente e menos politicamente. É essa a contribuição que gostaria de dar ao seu discurso, convidando V. Exª a participar desse debate na Comissão de Assuntos Sociais.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, Senador Osmar Dias. Estarei lá, com toda certeza. Como V. Exª disse, é isso mesmo! O rio tem uma vazão média de 2.065 metros cúbicos por segundo. Quando se diz transposição, está se falando em 70 metros cúbicos por segundo. É uma insignificância, mas esse volume de água terá enorme importância exatamente na época em que é seca no Nordeste, mas que está chovendo torrencialmente nas cabeceiras, na área da grande Minas Gerais. Então, na realidade, o momento em que a água é mais precisa é aquele em que o rio tem mais água, quando o rio está recebendo mais água.
Talvez muita gente se posicione contrariamente a essa obra por causa da expressão "transposição das águas". Pensam que se vai retirar toda a água do rio. Não. Vão ser retirados 70 metros cúbicos por segundo, num rio cuja vazão é de 2.065 metros cúbicos por segundo. Então, é muito pouco. E com toda certeza isso vai servir a 16 milhões de pessoas nos Estados da Paraíba, do Ceará, do Rio Grande do Norte e de Pernambuco.
Eu queria prestar essa informação, Sr. Presidente, para que todos nós soubéssemos que um milhão de pessoas estão - tenho usado esta expressão - nesse campo de concentração sem cercas, na região de Cariri, de Curimataú e redondeza, onde não há empregos, porque a agricultura e a pecuária acabaram, e não temos alimentos. A ajuda do Governo tarda - está acontecendo, mas de modo irregular -, e, lamentavelmente, a água está findando. A água que estamos usando hoje serve mais para contagiar do que para matar a sede.
Registro ainda que pedimos ajuda aos órgãos de imprensa e que, provavelmente nos próximos dias, devemos ver na imprensa nacional algumas reportagens. Ontem mesmo, a IstoÉ chegou à Paraíba com sua equipe, e outras revistas devem seguir fazendo reportagens sobre o assunto, mostrando à sociedade brasileira o que nós, que nos preocupamos muitas vezes com países longínquos, estamos fazendo, aqui pertinho, com os nossos irmãos nordestinos.
O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Senador Ney Suassuna, permite-me V. Exª um aparte?
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Ouço, com prazer, o nobre Senador Geraldo Cândido.
O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Senador Ney Suassuna, quero parabenizar V. Exª pelo pronunciamento. O Nordeste brasileiro, especialmente a Paraíba, vive uma situação dramática. Hoje, na Subcomissão dos Idosos, estávamos comentando que a Paraíba é o Estado do Brasil que tem a maior porcentagem de idosos. Por quê? Porque os jovens saem do Estado à procura de novas formas de sobrevivência, indo para o sul do País, para o Rio de Janeiro, São Paulo, enfim, para outros Estados da Federação. A situação de seca e miséria lá é dramática. No mês de julho, por ocasião do recesso parlamentar, estive no Nordeste e visitei os Estados da Paraíba e Rio Grande do Norte. Realmente, temos de estar preocupados com isso, tomando medidas urgentes para tentar melhorar esse quadro. Do contrário, de que maneira vão sobreviver? Cada vez mais, aumenta a miséria e a mortandade infantil. E não apenas as crianças morrem de subnutrição. Os dados relativos à mortalidade infantil no Nordeste muitas vezes não registram a subnutrição como causa, mas muitos morrem porque o organismo não tem como resistir a nenhum tipo de doença. Quer dizer, morrem de fome. Essa é a realidade. Os adultos e os velhos, por sua vez, também vivem numa situação de subalimentação. Parabéns a V. Exª pelo pronunciamento! Estamos todos aqui atentos e solidários com o Nordeste.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, Senador Geraldo Cândido. Fico muito feliz com o aparte de V. Exª. Realmente, quando se chega naquela região, tem-se vergonha de ser brasileiro. Estamos deixando irmãos nossos numa situação de completa humilhação e carência, e não sei até quando vão resistir. O pior é que esse povo sai de lá e vai engrossar os cordões de miséria, a corrente de miséria em volta das grandes cidades brasileiras. Não se resolve o problema. Ao deixá-los sair, como está acontecendo, está ocorrendo apenas a transposição do problema. Não resolvemos lá e não resolvemos aqui.
Então, é preciso que tenhamos vontade política para resolver isso de uma vez por todas. E só há um jeito de inocular esperança nesse povo: começar as obras de transposição do São Francisco.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.