Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO, NO PROXIMO DIA 31, DO DIA INTERNACIONAL DA JUVENTUDE.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • TRANSCURSO, NO PROXIMO DIA 31, DO DIA INTERNACIONAL DA JUVENTUDE.
Publicação
Publicação no DSF de 29/10/1999 - Página 28836
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, JUVENTUDE, IMPORTANCIA, NECESSIDADE, ADOÇÃO, POLITICA, DESTINAÇÃO, EDUCAÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, OBJETIVO, PREPARAÇÃO, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.

O SR. ÍRIS REZENDE (PMDB-GO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste 31 de outubro é celebrado o Dia Internacional da Juventude. Uma oportunidade que se presta para refletirmos um pouco sobre o significado das políticas públicas para a juventude. Como sempre tive minha trajetória ligada a esse segmento da população, gostaria de prestar uma homenagem a nossos jovens e, ao mesmo tempo, discutir algumas perspectivas para a ação do Estado.  

Algumas frases ficaram famosas, com alusões à juventude e ao futuro: "O Brasil é o país do futuro..."; "Criança, não verás país nenhum como este..."; "Não verás país nenhum...". O problema é que um futuro mais promissor não existirá enquanto não houver um presente construído de maneira diferente. Enquanto o jovem não for preparado, de fato, para construir esse futuro.  

São muitas as áreas que reclamam uma atuação do Estado nessa faixa etária, mas me dedicarei mais a uma – a educação – por considerar que essa é catalisadora de uma série de fatores. Está relacionada ao emprego, à renda, à proteção social, à segurança, enfim, à sobrevivência.  

Ao analisarmos os dados referentes ao ensino, nos últimos anos, vemos, felizmente, perspectivas alentadoras. Entretanto, devido a enormes defasagens acumuladas nesses 500 anos de nossa história, políticas mais consistentes deveriam ser adotadas.  

Vejamos um item do desempenho nacional no campo do ensino: em 1998, a taxa de escolarização da população em idade escolar obrigatória atingiu 95,8%, índice superior ao estabelecido pela ONU. Em 1999, continuaram crescendo as matrículas; somente no ensino médio, que nos interessa mais de perto, as matrículas cresceram 11,5%. Entretanto, na faixa de ensino anterior, no ensino fundamental, quase 50% dos alunos estudam em séries que não correspondem à respectiva idade. Uma defasagem devida aos altos índices de reprovação e abandono escolar, que levam à "expulsão" da escola de mais de um quarto dos estudantes brasileiros.  

Voltando a analisar o ensino médio, tivemos, entre 1991 e 1998, um crescimento das matrículas de 3,7 milhões para 6,9 milhões. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep, boa parte das inscrições são de pessoas que retornaram à escola para completar o ensino médio. Mas, mesmo que mais da metade desses estudantes provenham de famílias com renda mensal inferior a seis salários mínimos, constatamos que o acesso à escola continua limitado. Basta ver que menos de 30% dos jovens de 15 a 17 anos estão matriculados nesse período de ensino. Para compararmos, vemos que o Chile e a Colômbia ostentam índices de 50% e 55%, respectivamente; e os países europeus têm mais de 80% dos jovens dessa faixa matriculados no ensino médio.  

No patamar seguinte, temos apenas 4,7% de nossa população com formação universitária; num contingente de mais de 160 milhões de habitantes, menos de dois milhões são universitários. Nossa taxa de escolarização da população de 18 a 24 anos – que deveria estar no ensino superior – é de apenas11%; enquanto isso, a média internacional para essa faixa de idade é de 30% a 40%. Comprovando o caráter elitista da universidade, dois terços dos alunos que concluem o curso superior são filhos de pais com o curso superior, com melhores ganhos e, em conseqüência, com maiores possibilidades de financiarem a educação.  

Aqui esbarramos num ponto fundamental: a necessidade de estender as vagas universitárias aos jovens oriundos das classes populares. Seja reservando percentuais de vagas para eles nas universidades públicas, seja concedendo bolsas, seja propiciando crédito educativo acessível, é necessário democratizar o acesso ao ensino superior. E como a principal barreira é financeira, o Estado terá que implantar políticas para financiar os estudos desses jovens vindos de famílias empobrecidas.  

No que respeita aos investimentos, entre públicos e privados, o Brasil emprega em torno de 5,5% do PIB, incluídos os gastos da União, estados e municípios e os dispêndios privados. Comparativamente, esse valor equivale ao que empregam em educação os Estados Unidos e a Inglaterra. A diferença é que aqueles países não têm os altos índices de analfabetismo, nem as baixas taxas de escolaridade que nós temos. Então, se quisermos alavancar nosso ensino, teremos que dedicar percentuais maiores à educação.  

Embora empreguemos o equivalente a U$ 935 por aluno-ano, há uma diferença muito grande entre o que se gasta com o universitário e o que se investe no aluno de ensino fundamental; enquanto para o primeiro emprega-se um valor superior a U$ 3,5 mil, para o segundo, aplica-se menos de U$ 350. Isso leva a um ensino fundamental carente, e a profissionais pouco treinados e mal remunerados.  

Para equacionar essa questão, foi criado o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef, em dezembro de 1996. Esse fundo se propunha a fazer cumprir os ditames constitucionais e, num primeiro momento, investir, no mínimo, R$ 315,00 por aluno. Entretanto, este ano começaram a surgir denúncias, dando conta de que 173 municípios estariam desviando o dinheiro do Fundef para outras finalidades. Sei que o Ministro Paulo Renato tem determinado a investigação desses possíveis desvios e está empenhado em manter o Fundo. Mas é imprescindível não apenas evitar desvios, mas também aumentar o mínimo de recursos por aluno, pois os R$ 315 se revelaram insuficientes.  

Vinculado à educação está, em primeiro lugar, o emprego – melhor dizendo, o desemprego. Sim, porque as perspectivas são cada vez mais desanimadoras para quem está na idade de ingressar, regularmente no mercado de trabalho. O acesso ao primeiro emprego se revela um dos maiores temores dos adolescentes. Ironicamente, 18,7% das crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos estão trabalhando, irregularmente. Isso representa um contingente de 3,3 milhões de pessoas, sendo que mais da metade delas vivem de gorjetas, prestando pequenos serviços nas cidades, como engraxates, lavadores de carro... Ou seja, de um lado, na idade escolar, são impedidos de terem um ensino decente; de outro lado, quando poderiam ingressar regularmente, lhes é vedado o acesso ao mercado formal.  

Eu não poderia deixar de falar da juventude sem falar da violência, principalmente daquela que vitima milhares de jovens todos os anos. Em 1996, no Brasil, foram 119.156 as mortes por causas violentas; chegaram a responder por 13% do total de óbitos do ano; o pior é que os jovens são os mais atingidos, pois um quarto das vítimas por morte violenta estava na faixa de 20 a 29 anos de idade.  

Além disso, mais da metade da população carcerária de um estado como São Paulo se situa entre 18 e 30 anos; em 1997, em todo o País, 20,3 mil jovens de 12 a 20 anos estavam internados em instituições, onde cumpriam pena ou aguardavam julgamento. Os recentes acontecimentos envolvendo internos da Febem bem demonstram esse caráter de violência que atinge a juventude.  

Não sou tão otimista com a educação a ponto de pensar que ela seja um remédio para todos os males, mas, tendo oportunidade de estudar dignamente, esses adolescentes teriam uma opção; estando amparadas as famílias desses adolescentes infratores, elas seriam mais fortes para protegê-los da criminalidade, do tráfico e da prostituição.  

Outro dado que apresenta motivo para sérias preocupações é a vulnerabilidade em que se encontram as jovens mulheres. Uma pesquisa recente do Ministério da Saúde revelou que 32% das mulheres começam a vida sexual antes dos 15 anos. As conseqüências dessa precocidade sexual são danosas, tanto pelos riscos de contaminação por AIDS, quanto pela discriminação e isolamento que passam a atingir essas meninas. Uma das conseqüências mais visíveis é o abandono da escola, o que causará um prejuízo enorme para o futuro dessas jovens mães.  

Contra essa tendência, felizmente, há movimentos em sentido oposto. Recentes pesquisas apontam para uma volta a valores universais, como a religião e o amor. O Estado de São Paulo publicou este ano pesquisa que revela o interesse de 61% dos jovens entrevistados em manterem vínculos afetivos fixos; na mesma pesquisa, apenas 3,9% consideravam a ligação afetiva como descomprometida. Nos Estados Unidos, há movimentos pela preservação da castidade antes do casamento, numa espécie de reação à prática de liberação sexual, com pouco sentimento; há uma verdadeira onda contrária a atitudes permissivas, que servem muito mais à indústria de consumo do sexo do que à defesa das liberdades individuais.  

No que respeita ao uso de drogas, não obstante esse fenômeno não ser novo, preocupa, também a precocidade com que boa parcela dos adolescentes fazem uso de substâncias químicas. Não creio que a escola sozinha funcionasse como freio para isso, pois um dos espaços em que a droga está disponível é nos próprios recintos escolares. Entretanto, uma pesquisa da Unesco, aponta a escola – ao lado da família e da igreja – como uma das instituições de maior credibilidade junto aos jovens. Por essa razão, creio, as escolas poderiam proteger melhor esses adolescentes, numa ação conjunta com a família. Mas como alcançar os adolescentes, estando eles nas ruas?  

Outro aspecto que considero relevante é a participação política dos jovens. Historicamente, eles estiveram à frente dos movimentos libertários; na década de 50, nas campanhas nacionalistas; nas décadas de 60 e 70, na resistência à ditadura militar; nos anos 80 e início dos anos 90, na redemocratização, no movimento das diretas e no impeachment. Mas, e hoje? Qual a perspectiva política de nossa juventude?  

A primeira constatação é que a participação política dos jovens carece de espaço. Mais que cidadãos, estamos fazendo dos jovens consumidores. A rebeldia, que antes se refletia fortemente na política, restringe-se, em grande parte, à moda, ao consumo. Não havendo muitas avaliações disponíveis sobre o fenômeno, lanço mão de uma pesquisa feita no Rio de Janeiro, parte do Projeto "Fala, Galera", da Fundação Oswaldo Cruz e Unesco. Nessa pesquisa se constatou, entre os jovens cariocas, tanto uma apatia pela participação política quanto uma descrença nas instituições políticas – particularmente, nos Três Poderes da República. Para se ter uma idéia, apenas 53% deles consideram a democracia como melhor regime político.

 

Nesse Dia Internacional da Juventude, mais que celebrar, há muito que alertar. E aqui vai um desafio: tornar a criança e o jovem realmente prioridades nacionais. Não uma prioridade de retórica; não uma prioridade de leis vazias, sem cobertura orçamentária. Lembro que este País e este Governo já levantaram várias bandeiras, entre elas a da estabilidade econômica a qualquer custo, a da redução dos gastos públicos, a do saneamento da previdência. Que tal se a criança e a juventude passassem a ser a principal bandeira? Que tal se garantíssemos no orçamento verbas para a educação na quantidade necessária? Que tal se a energia do Estado fosse canalizada para a boa gerência e fiscalização na aplicação desses recursos? Que tal criar programas de incentivo ao primeiro emprego? Que tal assegurar assistência à saúde de maneira digna a toda a população jovem e não apenas àquela cujos pais podem pagar planos de saúde? Garanto que, assegurando-lhes educação, saúde, uma boa formação cultural e dando-lhes oportunidade de exercerem sua cidadania política, estaríamos não resolvendo os ditames conjunturais do FMI, mas construindo, de fato, hoje, o futuro deste País.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/10/1999 - Página 28836