Pronunciamento de Silva Júnior em 27/10/1999
Discurso no Senado Federal
TRANSCURSO, ENTRE OS DIAS 15 E 27 DE NOVEMBRO, DA III CONFERENCIA DA ONU SOBRE O COMBATE A DESERTIFICAÇÃO E A SECA.
- Autor
- Silva Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: José Carlos da Silva Júnior
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
:
- TRANSCURSO, ENTRE OS DIAS 15 E 27 DE NOVEMBRO, DA III CONFERENCIA DA ONU SOBRE O COMBATE A DESERTIFICAÇÃO E A SECA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 28/10/1999 - Página 28662
- Assunto
- Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
- Indexação
-
- COMENTARIO, IMPORTANCIA, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), COMBATE, PROCESSO, EROSÃO, SOLO, SECA, REALIZAÇÃO, MUNICIPIO, RECIFE (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).
- COMENTARIO, GRAVIDADE, PROBLEMA, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS, PAIS, NECESSIDADE, CONCILIAÇÃO, POLITICA DO MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
- DEFESA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, GARANTIA, EFICACIA, ESTRUTURAÇÃO, GESTÃO, BACIA HIDROGRAFICA, ALCANCE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, VIABILIDADE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SECA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.
- SUGESTÃO, PROVIDENCIA, VIABILIDADE, PROJETO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORDESTE.
O SR. SILVA JÚNIOR
(PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, será realizada em Recife, entre 15 e 27 de novembro próximo, a 3ª Conferência das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Seca.
Depois da Eco 92, um evento do porte internacional como este é de significativa importância para o País e providencial para o Nordeste, pois as pessoas e entidades ligadas ao tema poderão conhecer de perto a região brasileira que mais sofre com os efeitos da seca e da desertificação, os prejuízos ambientais, socais e os econômicos que elas produzem. É providencial porque urge o desenvolvimento de projetos e meios para atacá-los.
A defesa ambiental passou a ser compreendida como uma questão de interesse mundial. Conciliar desenvolvimento e proteção dos ecossistemas, de que depende nosso bem-estar, é a maior preocupação do próximo século. E num mundo de desigualdades gritantes, como preconiza a Agenda 21, "são metas que nação alguma pode atingir sozinha".
Mas o êxito dessa cooperação, como define aquele documento, é de responsabilidade dos governos e, para concretizá-la, "são cruciais as estratégias, os planos, as políticas e os projetos nacionais".
A propósito, vou tecer alguns comentários sobre os graves problemas que envolvem o gerenciamento dos recursos hídricos brasileiros e propor algumas medidas.
De uma maneira geral, os debates nacionais sobre o assunto têm colocado em evidência a abordagem de dois temas e têm procurado estabelecer uma estreita ligação entre os dois. De um lado, o desenvolvimento sustentável; do outro, o gerenciamento e a integração das bacias hidrográficas do nosso País.
O ponto mais importante em relação ao primeiro tema, desenvolvimento sustentável, tem sido justamente a preocupação em estabelecer mecanismos viáveis de conciliação de políticas ambientais com as diversas ações concretas no campo do desenvolvimento econômico.
No segundo debate que envolve diretamente o tema, integração e gerenciamento das bacias hidrográficas, os posicionamentos são bastante críticos em relação aos modelos atuais de gestão e sugerem novos paradigmas e novas orientações para a busca de alternativas gerenciais mais eficientes e mais coordenadas.
Como acabamos de verificar, existe hoje, nos diversos fóruns, intensa confrontação de propostas que têm como objetivo a montagem de uma nova matriz de gerenciamento de bacia hidrográfica que seja capaz de atender às demandas do desenvolvimento sustentável e do planejamento estratégico. Em outras palavras, busca-se um modelo que tenha o dinamismo suficiente para abrir novos espaços de participação e oferecer novas oportunidades às metas do desenvolvimento econômico e da proteção ambiental.
Nesse sentido, é importante que façamos uma breve referência ao chamado Modelo Sistêmico de Integração Participativa, que encontra simpatizantes em amplos setores sociais, em muitos movimentos ambientalistas e, inclusive, na própria área governamental, que emite posicionamento convergente em alguns pontos.
O Modelo de Integração Participativa, basicamente, preconiza o planejamento estratégico por bacia hidrográfica e a tomada de decisão mediante deliberações multilaterais e descentralizadas e estabelece instrumentos legais e financeiros necessários à implementação de planos e programas de investimentos.
É importante ressaltar que não se pode fugir dos importantes investimentos necessários para garantir uma eficiente estrutura de gerenciamento de bacias hidrográficas. Uma boa rede gerencial, entre muitas providências, exige a construção de reservatórios, de sistemas modernos de abastecimento e de esgotos, de irrigação, de criação e fiscalização de reservas, de formação de pessoal, de ampla campanha de conscientização, no sentido de mostrar às comunidades que a água é um elemento vital, e de programas de extensão rural e montagem de eficiente sistema de cobrança.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil é um País privilegiado em matéria de recursos hídricos. Apenas para se ter uma idéia dessa posição em nível mundial, basta dizer que todo o País possui 13% do escoamento total dos rios do planeta. Todavia, apesar de detentores dessa invejável riqueza natural, a importância que dedicamos a esse enorme patrimônio estratégico é ainda das mais insignificantes. Em virtude desse descaso, os nossos rios sofrem constantemente todos os tipos de agressão, são vítimas de criminosas poluições nas cercanias dos grandes e médios centros urbanos, onde os dejetos industriais, lixo de toda natureza, materiais pesados e coliformes fecais saem às toneladas das bocas de 90% dos esgotos sem tratamento e são jogados implacavelmente e impunemente em seus leitos. Milhares de rios brasileiros, antes pujantes e límpidos, por causa desses crimes que são cometidos vergonhosamente contra a natureza e contra o desenvolvimento, já morreram ou estão agonizando.
No Nordeste, principalmente nas regiões castigadas pela seca, a paisagem insólita da terra lascada já é familiar as brasileiros e a milhões de cidadãos de outras partes do mundo que tiveram a oportunidade de conhecê-la nos filmes de Glauber Rocha e outros cineastas, nas páginas dos livros de Euclides da Cunha, de Josué de Castro e de outros escritores, nas telas tristes de Cândido Portinari e outros pintores ou nas poesias engajadas do imortal João Cabral de Melo Neto, que retrataram a beleza, seus costumes e, principalmente, o sofrimento de sua gente.
Segundo avaliações técnicas, o Estado de Pernambuco, no contexto do Nordeste, possui o menor volume de águas superficiais, mas detém a maior rede de rios da região semi-árida. No que se refere ao chamado Polígono das Secas, estudos recentes realizados pelo geólogo pernambucano Aldo da Cunha Rebouças comprovam a existência de uma disponibilidade hídrica bastante alta, variando entre 1.320 metros cúbicos/ano per capita em Pernambuco e 9.600 metros cúbicos/ano per capita no Piauí, largamente superior à encontrada em regiões áridas como o centro-oeste americano e Israel.
Segundo o geólogo, "tomando-se por base os potenciais per capita /ano de água em cada um dos Estados do Brasil, representados pelo quociente do volume das descargas médias dos rios — base de dados do DNAEE, de 1985 —, e a população — base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, 1991 —, verifica-se que, mesmo naqueles que compõem a Região Nordeste, os valores são relativamente importantes". Por exemplo, o pernambucano dispõe, em média, de mais água (1.320m 3/hab./ano) do que o alemão (1.160m 3/hab./ano); o baiano (3.028m 3/hab./ano) tem potencial equivalente ao francês (3.030 m 3/hab./ano; o piauiense (9.608 m 3/hab./ano) dispõe de tanta água quanto o norte-americano (9.940 m 3/hab./ano).
Apesar de tudo, no sertão da Paraíba, a guerra pela água já envolve mais de 30 municípios que estão em completo abandono. O geólogo Aldo Rebouças recomenda que, para compensar um pouco o déficit da água e a perda de pelo menos 20% das chuvas, o Nordeste desenvolva um amplo programa de construção de cisternas que, além de barato, é de fácil implementação e de resultados quase imediatos.
Sr. Presidente, Srª s e Srs. Senadores, seria um grave erro entendermos a crise da água no Nordeste como um determinismo físico-climático, como uma situação irreversível herdada da própria natureza e, portanto, quase impossível de ser solucionada. Nada disso é verdade, e muita gente sabe que não é assim. A bem da verdade, o que mais falta na região semi-árida do Nordeste brasileiro não é água, mas vontade política da parte do Governo e das classes dirigentes no sentido de repensar o desenvolvimento regional, estabelecer urgentemente novas metas para alcançar o desenvolvimento sustentável, acabar de vez com os desvios constantes de verbas destinadas aos programas sociais mais importantes, encarar o combate contra o subdesenvolvimento como meta a ser realmente cumprida, sem paternalismos, sem assistencialismos e sem objetivos imediatistas e improvisados, como tem acontecido sempre.
Dessa maneira, podemos dizer que, pelo menos em mais de um milhão de quilômetros quadrados do semi-árido, que representa cerca de 70% da área total do Nordeste, a batalha contra a miséria pode ser vencida com medidas eficazes e que sejam capazes de gerar também crescimento integrado de suas sub-regiões mais viáveis, que são os Cerrados, a Zona da Mata, a Zona de Transição, perímetros irrigados e áreas compensadas pela altitude, procurando diminuir, assim, as pressões biológicas sobre as Caatingas. Basicamente, essas medidas deveriam compreender:
1 - a definição de um zoneamento agroclimático e socioeconômico, com seleção criteriosa do solo, eliminação do desperdício e das práticas predatórias, em relação, por exemplo, à utilização dos recursos hídricos existentes.
O meu discurso cita uma série de programas que deveriam ser implementados para poder complementar o trabalho que estou acabando de expor. E continuo:
2 - o reaproveitamento por etapas das terras desgastadas ou atingidas pela desertificação, ou, ainda, providências no sentido de evitar, sobre novas áreas, a repetição perversa de pressões provocadas pela urbanização acelerada e pela industrialização desordenada, cujas conseqüências todos nós já conhecemos. Aliás, vale ressaltar que a crise da água no Brasil e no Nordeste resulta, em grande parte, justamente dessas práticas predatórias de ocupação irracional do meio físico e, como já dissemos, da aplicação de políticas ultrapassadas e de gerenciamento ineficaz dos recursos hídricos;
3 - a exploração racional das águas e a definição das terras a serem servidas por processos irrigáveis;
4 - como já falamos antes, a construção de cisternas e outros sistemas de captação das águas, procurando diminuir ao máximo as perdas, controlar o desperdício e estender os benefícios ao maior número possível de pessoas;
5 - o incentivo à montagem de laboratórios destinados ao desenvolvimento das pesquisas agropecuárias, visando à orientação correta das práticas agrícolas e a conquista de níveis mais elevados de produtividade;
6 - a aceleração dos programas de reforma agrária para que as contradições existentes na estrutura fundiária sejam eliminadas de uma vez por todas, e as possibilidades de conflitos no campo sejam afastadas definitivamente;
7 - o trabalho de organização de cooperativas para orientar e congregar os pequenos agricultores que hoje praticam uma agricultura de subsistência sem qualquer suporte técnico-financeiro;
8 - a dinamização dos custos de alfabetização, incluindo uma ampla campanha de orientação básica nas áreas de saúde e controle de endemias;
9 - o combate sem tréguas e a punição exemplar do trabalho infantil e da exploração de crianças;
10 - a alocação de investimentos necessários para melhorar a infra-estrutura sanitária nas áreas urbanas e nos meios rurais;
11 - a busca da melhoria de funcionamento de todos os meios de comunicação, englobando sobretudo a instalação de redes informatizadas eficientes, telefonia e reorganização da malha viária;
12 - a disponibilidade de crédito atraente, com juros suportáveis e sem muita burocracia, para promover pequenas atividades agrícolas, industriais e artesanais;
13 - a implantação imediata do projeto que tem como objetivo a transposição das águas do rio São Francisco concomitantemente a ações de recuperação e proteção de seus afluentes, hoje já plenamente reconhecido — pelo menos pela maioria dos especialistas — como uma medida bastante viável para complementar um projeto amplo de pleno desenvolvimento de boa parte do Nordeste.
Como já se sabe, a finalidade da iniciativa é a distribuição racional das águas, de modo a beneficiar a maior parte da zona semi-árida de todos os Estados, onde vivem cerca de 16 milhões de nordestinos. O projeto inteiro, que na verdade é um verdadeiro Plano de Desenvolvimento Regional, necessitaria de duas décadas para a sua completa implantação, e exigiria somas consideráveis de recursos, mas com retorno garantido já no médio prazo, segundo os relatórios técnicos devidamente concluídos. Suas linhas gerais assemelham-se a projetos que deram certo nos Estados Unidos, na Espanha e na Austrália. Quanto à idéia, ela já é antiga e data de 1847. Todavia, só recentemente passou a ocupar lugar de destaque em todos os debates sobre o futuro do Nordeste brasileiro.
Eminentes Senadoras e Senadores, outro grande desafio brasileiro diz respeito ao avanço impressionante da desertificação, que não é um problema localizado, e sim nacional. Segundo os especialistas, os maiores causadores da desertificação são as queimadas, a mineração irracional realizada com dragas que chegam até a mudar o curso dos rios, o uso indiscriminado de agrotóxicos, a salinização das áreas de irrigação, a poluição, o manejo inadequado do solo e a exploração errada dos reservatórios naturais de água que estão ficando cada vez mais vazios. É importante dizer que grande parte dessa água é jogada no mar pelos canais de drenagem.
Segundo dados recentes das Nações Unidas, cerca de 25% do território brasileiro está ameaçado pelo processo de desertificação. Na Região Norte, deparamos com o desmatamento, com as queimadas e, lamentavelmente, com a erosão, que provoca perdas de toneladas de produtos por hectare-solo. Na Região Centro-Oeste, quilômetros e mais quilômetros de terras produtivas tornam-se rapidamente inviáveis em virtude do uso errado de técnicas de irrigação. Na Região Sudeste, não precisamos nem falar do tamanho da devastação da Mata Atlântica. Na Região Nordeste, além da seca em pelo menos oito Estados, o processo de desertificação já se manifesta em mais de 55% do território. Ao todo, as manchas de vegetação escassa e a fauna quase inexistente já somam quase 700 mil quilômetros quadrados. Conforme estudos realizados pelo Núcleo de Pesquisa e Desertificação do Nordeste — Desert, a erosão das terras já afeta 42% da população nordestina, e as perdas anuais em razão desse fenômeno já chegam a US$500 milhões. Em dez anos, se nenhuma providência séria for tomada, nada mais restará da cobertura vegetal nativa na região nordestina.
Em termos percentuais, o Estado mais afetado pela desertificação é o Rio Grande do Norte, com 80,5%, seguido de Pernambuco, com 75,2%; Paraíba, com 70,3%; Ceará, com 59,7%; e Sergipe, com 31,3%. A desertificação arrasa o solo, inviabiliza os objetivos econômicos e é responsável direta pelo aumento da fome, da morte e da miséria.
Fiz referência à realização da III Conferência das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação e à Seca, a fim de chamar atenção para a importância do encontro, que coincide com um dos momentos mais agudos da grande estiagem que atinge o Nordeste e, também, com a discussão na Câmara dos Deputados de mais de um instrumento governamental de execução de política ambiental — o projeto que dispõe sobre a Agência Nacional de Águas (ANA).
Temos que mostrar ao mundo o que estamos fazendo e espero que as conclusões do conclave sirvam de alerta às autoridades brasileiras para a urgência do tema.
Em diversas ocasiões, nesta Casa, temos visto discussões de companheiros dos mais diversos Estados do Nordeste acerca da conveniência de transposição do Rio São Francisco e da concessão, vamos dizer, das águas daquele rio para regiões que estão efetivamente a necessitar de água.
Entendo que se deveria criar, neste Congresso, uma comissão de controle das águas do Brasil, ou de administração ou gerenciamento das águas, diante da possibilidade levantada de que, a partir do próximo século, um dos maiores problemas do Brasil será o da água doce.
Muito obrigado.
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