Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A FORMA DE PRIVATIZAÇÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. PRIVATIZAÇÃO.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A FORMA DE PRIVATIZAÇÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/1999 - Página 29738
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • GRAVIDADE, AUMENTO, MISERIA, MUNDO.
  • CRITICA, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, AMEAÇA, SOBERANIA, BRASIL, REPUDIO, ACORDO INTERNACIONAL, INVESTIMENTO, PRIVILEGIO, CAPITAL ESPECULATIVO, DEBATE, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC).
  • CRITICA, POLITICA, LIBERALISMO, GOVERNO, PRIVILEGIO, CAPITAL ESTRANGEIRO, EMPRESA MULTINACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, PREJUIZO, BRASIL, EMPRESA NACIONAL.
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), FAVORECIMENTO, EMPRESA ESTRANGEIRA, AQUISIÇÃO, EMPRESA ESTATAL, ENERGIA ELETRICA, COMENTARIO, DECLARAÇÃO, ANTONIO ERMIRIO DE MORAES, EMPRESARIO.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, dois meses nos separam do chamado "bug do milênio". Até mesmo os computadores, essa maravilha da inteligência humana com ares de século 21, parece desconfiar que, na verdade, ainda não passamos do século 19! Talvez seja porque eles tenham armazenado, principalmente nos últimos anos, dados e informações que também parecem indicar que, na verdade, não houve, neste século, evolução da espécie humana. Parecem, ainda, indicar que o verdadeiro "bug" se dá na consciência das pessoas. E sugere que voltemos no tempo, para nos redimirmos dos maiores pecados que cometemos ultimamente, em especial o da omissão.  

Omissão frente aos milhões de desabrigados, cuja única soleira é o meio-fio.  

Omissão frente aos milhões de famintos, que já não mais se sentam em uma mesa de comunhão.  

Omissão frente aos desabrigados de cidadania e aos famintos de justiça.  

O lucro tomou o lugar da solidariedade. No meio-fio do mundo, não há mais comunhão. Há globalização.  

Há, hoje, um "apartheid" em escala mundial. O planeta tem um lado escuro, desterrado. Povos e países inteiros são varridos da história, maculados em sua geografia.  

Cidadania e soberania parecem ter sido "deletadas" pelo "bug das consciências", sem que, antes, tenha se "salvado" o Brasil.  

Em nenhum momento da história deste país, tivemos tão ameaçada a nossa soberania. Os nossos meninos desta virada de século ainda estudam as expulsões dos holandeses e dos franceses como um fato histórico do maior significado para o nosso orgulho enquanto nação independente. Ora, e hoje? Já não são mais necessárias as esquadras em nossas costas. Nem canhões, nem bombas, nem mísseis. Basta uma nota oficial de um destes representantes de embaixadas dos novos conquistadores.  

Duas questões são mais evidentes e relevantes nestes últimos tempos. Em primeiro lugar, o chamado "Acordo Multilateral de Investimentos". Trata-se de uma verdadeira "constituição da globalização". Ali, todos os direitos são dos capitalistas internacionais e todos os deveres dos Estados nacionais onde se aplicam os capitais. Pelo texto, qualquer frustração no retorno esperado dos investimentos é coberta pelo país destinatário. E, isso, inclui leis, movimentos sociais e, até, intempéries. Significa que um terremoto pode custar ao país não apenas os prejuízos causados pelos danos da natureza, mas, também, o pagamento pelo eventual malogro das expectativas dos investidores. Significa, também, que as leis das casas do Congresso não terão validade se a elas se atribuir igual avaliação. Imaginem como deverá ser tratada a legislação trabalhista, por exemplo, neste cenário. O que restará dos Parlamentos Nacionais, depois de então? Unificados em uma grande Câmara de Vereadores?  

A discussão do Acordo se iniciou no âmbito da OCDE, que reúne os 29 países mais desenvolvidos do mundo. Descoberta, principalmente pelas ONGs, deu-se uma trégua nos encaminhamentos. Agora, a questão se fortaleceu e se transferiu para a Organização Mundial do Comércio. Tanto pior. Ali, mesmo que um país se negue a assinar, ele se submeterá aos rigores do texto. Porque não assinando, vai sofrer todo o tipo de discriminação no comércio com os maiores países importadores, através de barreiras não tarifárias, por exemplo.  

Esse será, sem dúvida, um dos principais assuntos da chamada "Rodada do Milênio", que acontecerá em Novembro, em Seattle, nos Estados Unidos, quando da reunião da OMC.  

A segunda questão é de ordem interna. Se observarmos a nossa política atual, nos seus mais variados termos, veremos que o país se antecipou ao Acordo Multilateral de Investimentos. Aqui, o investidor internacional nunca perde. Não é à toa essa gritaria geral contra o Governador de Minas Gerais, na contenda da Cemig com os acionistas internacionais minoritários. A tentativa de ridicularizar o Governador não deixa de ser uma arma que se engatilha contra todos aqueles que se opõem ao desmonte do Estado brasileiro. É que a Cemig é um caso emblemático. É a primeira vez que se reverte uma privatização para atender aos interesses do Estado (e do povo). O Governador marchou contra a corrente! .  

Não é o Governador de Minas Gerais que tem que ser isolado. É o discurso dele! Ele é um perigo para as consciências!  

Voltando para a nossa política neoliberal, basta que olhemos as principais medidas propostas pelo Executivo (e aprovadas pelo Legislativo): Lei de Patentes, quebra de monopólio do petróleo e das comunicações, mudança na definição de empresa nacional, propriedade do subsolo, Lei das Organizações Sociais, privatizações, etc. O que mais não seria senão antecipar-se a algo como o tal Acordo? Só falta um terremoto! Mas, na economia, ele já ocorreu! E os bancos e os grandes capitalistas perderam alguma coisa? E foram pagos por quem? Como andam se comportando as nossas dívidas?  

Ainda nesta segunda questão, é preciso que prestemos muita atenção no projeto "Eixos Nacionais de Desenvolvimento", espinha dorsal do novo PPA. Diferente dos pacotes de medidas anteriores, amarrados para responder a demandas de última hora, esse tem a sua lógica perversa. Acho, inclusive, que tudo o que se discutiu nestes 4 ou 5 anos, "entra nos eixos". É um projeto que lança, mais ainda, o país para fora, para os portos. É uma bandeja onde se coloca o país e o oferta para os grandes capitais! Mais do que isso: basta que se olhe bem para a incidência espacial do projeto para se observar que, ali, está o desmonte final da Nação: seremos sete (ou nove) países, divididos, cada um com suas "vantagens comparativas" para se submeter aos interesses internacionais. Os seus formuladores não têm qualquer escrúpulo em dizer que "estamos vendendo o país".  

Mas, os passos mais importantes para essa entrega foram dados muito antes. Globalizado, o país sempre foi, desde o descobrimento. Portanto, faltam 170 dias para os 500 anos de globalização do Brasil! Afinal, não fomos sempre dependentes? Ou, o que teria sido, por exemplo, a nossa "economia primário-exportadora"? Só que, nos últimos tempos, globalizamos as nossas consciências! Tamanho foi o desmonte do Estado, que a população aplaude (ou aplaudia, até muito recente) a venda de uma estatal do porte da Companhia Vale do Rio Doce. Ou, no mínimo, desconhece.  

Há que se prestar atenção, entretanto, em quem está comprando o que nas privatizações. Quem está comprando os bancos? As telefônicas? O sistema elétrico? Ora, quem tem banco, ganha assento na mesa do poder, quem tem telefônica domina a informação e quem tem o sistema elétrico tem a água, o "produto" mais importante no próximo milênio.  

Ora, quem está comprando essas grandes empresas estratégicas? Não é o capital nacional, de raíz. Mesmo os grupos nacionais que compraram empresas estatais, sabe-se que andam "mal das pernas" e, logo logo estarão repassando suas ações para outros grandes grupos de fora. Então, com um grande projeto de governo que se lança para fora, com o objetivo explícito de seduzir capitalistas de lá, e com os negócios mais estratégicos já nas mãos deles, o que esperar de um projeto de país para o próximo milênio?  

O que parece estar acontecendo, agora, é que o povo já está tomando consciência de que o país não existe somente a cada quatro anos, na copa do mundo, ainda assim com o fracassos dignos de suspeição. Mais do que isso: os empresários brasileiros também tomaram consciência de que eles também são "vítimas" deste desmonte do Estado e desta entrega do País. É que eles, até há pouco, eram o próprio estado brasileiro. O Estado era privatizado por eles, sem o ônus da administração deste mesmo Estado. Bastava um "CIP" para controlar os preços dos produtos das estatais, que eram suas matérias primas. Hoje, eles estão nas mãos da iniciativa privada, cujos interesses quase sempre não batem com os deles e, muitas vezes, são concorrentes.  

Mas, eles pagam impostos e estão vendo esse dinheiro sendo entregue para o próprio concorrente, e que poderá se transformar em armas que poderão feri-los, quem sabe de morte.  

Acho o Dr. Antonio Ermírio de Moraes emblemático, no caso. Foi traído no leilão da Companhia Vale do Rio Doce. No último momento, o Governo manipulou os fundos de pensão, que formavam o consórcio liderado por ele, que se transferiram para o outro lado, o do concorrente, enfim ganhador no leilão. Aliás, pelo porte da Votorantim, a sua participação no programa de privatizações tem sido pouco significativa. Agora, quando ele queria comprar a Cesp-Tietê, pelo óbvio interesse para os seus negócios, é, mais uma vez, traído. Na véspera do leilão, o BNDES "fura" o acordo e oferece financiamento privilegiado, a uma taxa que corresponde à variação de uma cesta de moedas, mais 5% ao ano, prazo de cinco anos, com um de carência, ao concorrente internacional que, efetivamente, comprou a estatal. E a fonte destes recursos? Sabe-se que 40% do Fundo de Amparo ao Trabalhador vão para o BNDES. Amparo ao trabalhador, triste ironia!  

E quem comprou a Cesp-Tietê? A norte-americana AES, aquela mesma minoritária da Cemig que se arvora em ter poder de veto nos empreendimentos da empresa! E quem é o seu parceiro no Brasil? O Opportunity, cuja "face" mais conhecida é a sra. Elena Landau, aquela mesma que foi Diretora de Privatizações do BNDES, e que, hoje, assessora os compradores das estatais! E quem fez o lobby para que o BNDES financiasse a tal multinacional? E a tal nota da Embaixada dos Estados Unidos, em defesa da própria AES, no caso Cemig, um ou dois dias antes da decisão do BNDES? Deu nos jornais: "a pedido dessas companhias (entre elas, a AES), o Secretário do Comércio dos EUA, Willian Daley, decidiu incluir essas questões como prioritárias na lista de litígios comerciais com o Brasil". E, reparem, que o Acordo Multilateral de Investimentos ainda não foi assinado! E o que estaria fazendo no Brasil o Sr. Mack McLarty, amigo pessoal do Presidente Clinton, de quem foi, inclusive, chefe de gabinete e, posteriormente, enviado especial às Américas? Segundo, ainda, os jornais, é ele quem tem tratado de todos esses assuntos com o Governo Brasileiro.

 

O Dr. Antonio Ermírio, pouco depois do leilão da Cesp-Tietê, disse, em tom de desabafo: "Assim não vai sobrar empresa brasileira". Ainda sobre o financiamento do BNDES aos estrangeiros, ele afirmou, em entrevista à Folha de São Paulo, neste dia 03 de novembro: "Esquisito isso. Não há mesmo justificativa em financiar empresa estrangeira na privatização. Sou favorável ao capital estrangeiro, mas que venha para cá o capital... Do jeito que vai, eles vão ganhar todas essas privatizações. Têm dólar e empréstimos a 4%, enquanto pagamos 20% de juros. Têm muita vantagem. Para o capital de fora é até meio vergonhoso. Tragam o dinheiro para cá. Nós (o Brasil) somos pobres e eles milionários, por que precisam da gente? É um absurdo!". É que o Dr. Antonio Ermírio, e muitos de seus companheiros, estão percebendo que estão ficando ilhados, cercados de multinacionais por todos os lados, todas de unhas devidamente afiadas.  

Pois é, o que vai restar deste rico país? Ora, somos 160 milhões de brasileiros. Se, destes, 20%, ou um em cada cinco, conseguirem manter uma renda que lhes propicie trocar de carro todo ano, de geladeira ou de televisão sempre que um novo modelo surgir nas prateleiras, viajar pelo menos uma vez por ano pelas praias brasileiras ou para a Disneylandia, manter o bucólico sitiozinho de fins de semana, somarão 32 milhões! Contingente maior que a população de muitos países desenvolvidos! Dez Uruguais! É como se todos os argentinos tivessem renda suficiente para adquirir quase todos os bens à sua disposição! É um mercado razoável! E, tudo indica, que uma parcela significativa destes, ou, quem sabe a grande maioria, pouco importa se for chamado de brasileiro ou outra denominação qualquer. Ao contrário, preferem ser "confundidos" com suiços, americanos, suecos ou dinamarqueses louros! Estes sim, são brasileiros a cada quatro anos!  

E os outros 128 milhões? Para estes, fica reservado o que os intelectuais neoliberais chamam de "lado escuro do mundo". Se morrerem, prestarão um grande serviço à acumulação mundial. São o "peso morto", não produzem, não possuem nada interessante para ser "saqueado" e precisam de ajuda financeira sem qualquer retorno. Esse é o grande perigo! Uma nação dividida geograficamente, politicamente, socialmente, culturalmente e tantos outros "mentes"! Um verdadeiro apartheid como muitos da história mundial.  

As instituições nacionais não podem alegar terem sido tomadas de surpresa. E, aí se incluem as próprias representações dos empresários, as forças armadas e o Congresso Nacional. O Senado Federal, pelas suas atribuições constitucionais, poderia ter, pelo menos, discutido com maior profundidade muitas destas questões. Pelo contrário, absteve-se do debate. O caso mais recente é o requerimento para discussão da privatização da Chesf. Que interesses poderiam estar por trás da negativa? O mesmo ocorreu com a Vale, com Furnas, com a Lei de Patentes, com o Sivam, com as quebras de monopólio e com muitos outros assuntos. É assim com as medidas provisórias que enfraquecem o Congresso, com a cumplicidade dos parlamentares.  

Sei que, com esse discurso, corro o risco de ser incluído no time dos "colonizados". Nada mau, se for escalado pela História!  

Era o que eu tinha a dizer,  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/1999 - Página 29738