Discurso no Senado Federal

JUSTIFICATIVA A REAPRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI QUE DISPOE SOBRE AS SOCIEDADES COOPERATIVAS. HISTORICO DO COOPERATIVISMO. PREOCUPAÇÃO COM A VIOLENCIA NAS PROGRAMAÇÃO DAS EMISSORAS DE TELEVISÃO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COOPERATIVISMO. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • JUSTIFICATIVA A REAPRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI QUE DISPOE SOBRE AS SOCIEDADES COOPERATIVAS. HISTORICO DO COOPERATIVISMO. PREOCUPAÇÃO COM A VIOLENCIA NAS PROGRAMAÇÃO DAS EMISSORAS DE TELEVISÃO.
Aparteantes
Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/1999 - Página 29756
Assunto
Outros > COOPERATIVISMO. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, ORADOR, DISPOSIÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, FUNCIONAMENTO, COOPERATIVA, OBJETIVO, GARANTIA, LIBERDADE, ASSOCIAÇÕES, AUSENCIA, DISCRIMINAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, COOPERATIVISMO, SOLUÇÃO, EFEITO, CRISE, ECONOMIA, PAIS.
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, HOMICIDIO, AUTORIA, MATEUS DA COSTA MEIRA, ESTUDANTE, MEDICINA, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • CRITICA, PROGRAMA, FILME, EMISSORA, TELEVISÃO, PAIS, MOTIVO, DIFUSÃO, INCENTIVO, VIOLENCIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srªs e Srs. Senadores, na Legislatura passada apresentei projeto de lei que dispunha sobre as sociedades cooperativas. Naquela oportunidade debatemos a respeito do assunto, mas, como não foi votado antes do encerramento da Legislatura, o projeto foi arquivado.  

Sr. Presidente, resolvi reapresentá-lo com algumas alterações, no intuito de colaborar para o debate intenso que vem sendo realizado a respeito das formas cooperativas de produção.  

O art. 5º, inciso XVIII, da Constituição Federal de 1988 estabelece que "a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento". Esse dispositivo representa avanço significativo na elaboração da atual Constituição, na medida em que retirou a tutela do Estado sobre a criação e funcionamento da organização cooperativista de agentes econômicos privados. Desde então, o Estado não pode mais tutelar o sistema como lhe era facultado pela legislação anterior e, em parte, ainda em vigor (Lei nº 5.764/71). Esse dispositivo constitucional remete à lei complementar o estabelecimento das formas de funcionamento das cooperativas.  

O inciso XX do art. 5º da Constituição Federal estabelece que "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado", o que garante total e irrestrita liberdade de associação, tanto a pessoas físicas e jurídicas. Ainda mais, se combinarmos os incisos XVII e XX do mesmo art. 5º, fica garantida a liberdade de associação e a não obrigatoriedade de filiação a um único sistema de representação cooperativista. Nesse sentido, qualquer lei que venha a propor a obrigatoriedade de filiação ou associação de uma cooperativa a um único sistema de representação tornar-se-ia, obviamente, inconstitucional.  

No seu art. 174, § 2º, a Constituição Federal afirma que "a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo", no contexto do papel do Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica.  

A história do cooperativismo está diretamente ligada à história da Humanidade, marcada pelas alianças e ajudas mútuas entre as pessoas. As primeiras cooperativas nos moldes atuais surgiram no início do século passado, em 1844, na Alemanha e Inglaterra, criadas por trabalhadores como forma de organização mais solidária da produção e de consumo, em reação às condições extremas de exploração que caracterizaram o capitalismo no século XIX. No Brasil, esse tipo de organização econômica iniciou-se no início deste século com a imigração européia.  

Em essência, os princípios cooperativistas assumidos no mundo inteiro e pelos quais este projeto de lei se pautou são: livre acesso e adesão voluntária; organização democrática; indiscriminação política, religiosa, racial e sexual; sociedade civil sem fins lucrativos; realização das operações prioritariamente com os associados, e liberdade de organização e filiação.  

Dentre os principais tipos de cooperativas existentes hoje no Brasil, inclusive com a não existência, até o momento, de legislação complementar que oportunizou o surgimento de muitas cooperativas, destacam-se as de produção, crédito, consumo, trabalho, habitacionais, eletrificação rural, irrigação, escolares, pescas, serviços, etc.. Atualmente, há cerca de 4 mil cooperativas no Brasil, das quais, não menos de 3 mil situam-se no meio rural.  

A tendência do cooperativismo brasileiro aponta para o crescimento do cooperativismo urbano, do cooperativismo de crédito, do embate entre as grandes estruturas e as pequenas cooperativas (a municipalização e regionalização já é uma tendência), a compatibilização entre a participação social e a eficiência empresarial. Não há dúvidas de que o cooperativismo, entendido como a combinação do elemento social e econômico, terá uma importância cada vez maior, especialmente no contexto econômico de crise constante, em que a ajuda mútua tende a amenizar e permitir a sobrevivência econômica.  

A presente propositura visa regulamentar os dispositivos constitucionais no que se refere ao cooperativismo, dentro dos princípios constitucionais da teoria da prática cooperativista.  

Este projeto que ora submetemos à apreciação desta Casa é o resultado de vários seminários realizados com o setor cooperativista, em especial as pequenas cooperativas, bem como da contribuição de vários estudiosos do tema. Em particular, colaboraram com sugestões as seguintes entidades: a CPT - Comissão Pastoral da Terra, a Concrab, a Cotrimaio, o DNTRCUT - Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais da CUT, o Instituto de Cooperativismo e Associativismo de São Paulo, o CERIS, COTEC, de Minas Gerais, APAEB, da Bahia, VIANEI, de Santa Catarina, CETAP, CEDAC, DESER, bem como os estudiosos Daniel Rech (CERIS), Prof. Dinarte Belato (Universidade Ijuí) e Virgílio Perius (Unisinos). Procurou-se estabelecer uma carta de princípios do cooperativismo que devem orientar a prática cooperativista no Brasil, permitindo, evidentemente, a liberdade de organização, associação e representação, como assim determina a Lei Maior.  

O art. 1º define que "esta lei dispõe sobre as regras gerais do Sistema Cooperativista Nacional, que compreende as cooperativas e seus órgãos de representação.  

Parágrafo único - Nas atividades das cooperativas integrantes do Sistema Financeiro Nacional e outras modalidades, observar-se-á, também, a legislação específica."  

O art. 2º, que dispõe sobre a natureza e característica da cooperativa, estabelece que:  

"Art. 2º - A cooperativa é sociedade civil de pessoas naturais, com personalidade jurídica própria, não sujeita à falência, constituída para a prestação de serviços aos sócios através do exercício de uma ou mais atividades econômicas, sem objetivo de lucro e com as seguintes características obrigatórias:  

I - adesão voluntária;  

II - número variável e ilimitado de sócios, salvo impossibilidade de prestação de serviços, obedecidos os requisitos previstos nesta lei;  

III - variabilidade do capital social, dividido em quotas-partes;  

IV - limitação mínima e máxima do número de quotas-partes por sócio, excetuada, quanto à limitação máxima, a possibilidade estatutária de subscrição por critérios de proporcionalidade;  

V - inacessibilidade de quotas-partes a não-sócios;  

VI - impenhorabilidade do capital dos sócios;  

VII - administração democrática, com singularidade de votos, facultada às cooperativas centrais, federações ou confederações de cooperativas optar pelo critério de proporcionalidade;  

VIII - retorno das sobras líquidas do exercício proporcional às operações realizadas pelos sócios, facultado à assembléia geral dar-lhes outras destinações (art. 60, parágrafo único);  

IX - indivisibilidade da reserva legal e do fundo de assistência técnica, educacional e social;  

X - indiscriminação racial, social, religiosa, política e de sexo;  

XI - responsabilidade do sócio limitada ao valor do capital por ele subscrito;  

XII - promoção da educação e integração cooperativas.  

§ 1º - a palavra ‘cooperativa’ é de uso obrigatório e exclusivo na denominação das sociedade constituídas sob o regime estabelecido nesta lei.  

§ 2º - os sócios poderão estabelecer, em estatuto ou regimento interno, outras características, desde que não contraditem esta Lei."  

No Capítulo III - Do Objeto e Classificação das Cooperativas -, afirma-se que "as cooperativas poderão agir em todos os ramos da atividade econômica, sendo-lhes facultado adotar por objeto, isolada ou cumulativamente, qualquer gênero de trabalho, serviços ou operações". Em seu art. 3º, estabelece que as cooperativas obedecerão à seguinte classificação: singulares, centrais ou federações e confederações.  

O Capítulo IV - Da Constituição da Sociedade Cooperativa - define o ato constitutivo, os estatutos e as formalidades complementares à constituição da cooperativa. O Capítulo V dispõe sobre os livros que a cooperativa deverá possuir. O Capítulo VI trata do capital social. O Capítulo VII dispõe sobre a reserva legal e os fundos que a cooperativa é obrigada a constituir. O Capítulo VIII dispõe sobre os sócios. O Capítulo IX regulamenta a assembléia geral. O Capítulo X define os órgãos da administração. O Capítulo XI dispõe sobre o conselho fiscal. O Capítulo XII versa sobre o sistema operacional das cooperativas, o ato cooperativo, as operações da cooperativa, as despesas, sobras, perdas e prejuízos, O Capítulo XIII trata do exercício social e demonstrações contábeis. O Capítulo XIV dispõe sobre a fusão, incorporação e desmembramento. O Capítulo XV dispõe sobre a moratória. O Capítulo XVI trata da dissolução, liquidação e extinção. O Capítulo XVII trata da representação do sistema cooperativista. E o Capítulo XVIII versa sobre as disposições gerais e transitórias.  

O projeto de lei que ora apresento tem 87 artigos. Solicito, pois, a transcrição do mesmo na íntegra.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós, do Partido dos Trabalhadores, consideramos o estímulo às formas cooperativas de produção um ponto fundamental de nosso programa. Para que venhamos a construir uma sociedade mais justa, precisamos enfatizar em nosso País a realização da reforma agrária, o estímulo às formas cooperativas de produção, a expansão das experiências de microcrédito, além da instituição de um programa de renda mínima. Avaliamos como fundamental todo o estímulo que possamos dar à democratização das unidades de produção e às formas cooperativas de produção.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador Romeu Tuma, com muita honra, concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Eduardo Suplicy, não entrarei no mérito do projeto de V. Exª, porque dele não tenho conhecimento e também porque sei que o tempo é exíguo. V. Exª expôs o cabeçalho de cada um dos segmentos de tal projeto, que contém 87 artigos. Cumprimento V. Exª pelo mérito da discussão sobre as sociedades cooperativas. Temos visto reportagens na televisão, jornais e revistas sobre a reforma agrária. Segundo essas matérias, às vezes, instalam-se algumas dezenas de famílias, que, sem nenhuma estrutura, acabam tendo como único meio de sobrevivência a venda de parte do terreno que receberam com a reforma agrária. Nos locais onde estão funcionando as cooperativas, temos visto resultados altamente satisfatórios. Recentemente, ainda na semana passada, num programa de televisão, mostraram uma das cooperativas instaladas numa região de reforma agrária. Ali, as cooperativas, produtivas, trouxeram resultado altamente satisfatório. Houve inclusive a instalação de um supermercado na região, para distribuição dos produtos advindos da área produtiva fornecida pela reforma agrária. Então, o mérito é excelente para que se regulamente o assunto, sendo um estímulo permanente. Que não se fique apenas na vontade de um ou dois membros das áreas distribuídas pela reforma agrária. Evita-se, assim, que o restante não tenha estímulo e que possa, conjunta e democraticamente, administrar essa área. Que a cooperativa lhes possa trazer resultado para a sobrevivência melhor do que apenas a instalação dentro de uma área enorme de terra distribuída. Então, queria cumprimentar V. Exª pela iniciativa. Vou pedir uma cópia para poder analisar em mais profundidade o texto e deixar os meus cumprimentos a V. Exª.

 

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço, Senador Romeu Tuma, o apoio de V. Exª à proposição de darmos um estímulo às formas cooperativas. É muito importante que possamos aqui aperfeiçoar a lei sobre as sociedades cooperativas.  

Outros projetos a respeito tramitam no Congresso Nacional. O Senador José Ignácio Ferreira era o relator designado para o exame deste projeto sobre cooperativas, mas como ele foi arquivado quando do término do período legislativo de 95 a 98, eu o reapresento, tendo consultado diversas pessoas que colaboraram para a sua formulação, inclusive o Professor Virgílio Peres e a assessoria do Partido dos Trabalhadores no Congresso Nacional.  

Submeto, então, a meus Pares o projeto que dispõe sobre as sociedades cooperativas.  

Sr. Presidente, gostaria ainda de tratar brevemente de um assunto que está hoje preocupando a opinião pública brasileira. Ontem à noite, um rapaz que está no sexto ano de Medicina entrou no Shopping Morumbi com uma metralhadora e começou a atirar nas pessoas, causando verdadeiro pânico.  

Vou citar aqui um episódio. Há cerca de dois meses, por volta de meia noite e meia, passou um filme na Rede Globo de Televisão . Eu tinha chegado há pouco, liguei a televisão e comecei a vê-lo. Nesse filme, um rapaz resolveu levar para a sua escola uma arma automática e lá, de repente, começou a atirar sobre todos os estudantes e professores da escola. Ele havia passado por uma situação de certa humilhação diante dos professores da escola, tendo ficado muito revoltado. Não estava indo muito bem nos estudos, e sua situação psicológica foi de tal ordem que o levou a um ato desesperado. Muito provavelmente aquele filme se baseava em fato real.  

Poucos instantes depois de ver as cenas mais impressionantes daquele filme, telefonou-me um cidadão - lembro-me bem de que ele era do bairro Santo Amaro - para pedir que eu tomasse providências com respeito àquele filme, que, segundo ele, poderia instar pessoas a agir daquela forma. Ouvindo há pouco, na rádio CBN, o noticiário, fiquei relacionando os fatos.  

Sr. Presidente, tenho a convicção de que de maneira alguma podemos estar censurando os meios de comunicação – sou absolutamente contra a censura. Considero inevitável que as emissoras de televisão passem filmes ou até cenas da vida real em que, infelizmente, ocorrem tragédias como esta, em que pessoas acabaram sendo atingidas pelo ato insano daquele rapaz que apresentava problemas psicológicos.  

É muito importante, entretanto, que os meios de comunicação se dêem conta de que, ainda que venham a apresentar filmes que possam estar estimulando atos de violência, deve haver uma forma muito consciente e planejada de procurar mostrar aquilo que possa contribuir para que não haja atos de violência e de insanidade como os que, infelizmente, acabaram sendo praticados ontem contra pessoas inocentes num cinema em São Paulo, assim como tantas outras tragédias que têm caracterizado a vida em nosso País.  

A violência continua a aumentar como, por exemplo, a que levou ao assassinato da Prefeita Dorcelina Folador, que causou extraordinária dor no povo de Mundo Novo. A violência continua com um número muito grande de assaltos, seqüestros relâmpagos, mortes e chacinas na Grande São Paulo, no Grande Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de deixar aqui este apelo à reflexão sobre como buscar modificar esse estado de coisas no Brasil.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/1999 - Página 29756