Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA A PREFEITA DORCELINA FOLADOR, ASSASSINADA EM NOVO MUNDO - MS, E A CARLOS MARIGHELLA, MORTO EM 1969.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA A PREFEITA DORCELINA FOLADOR, ASSASSINADA EM NOVO MUNDO - MS, E A CARLOS MARIGHELLA, MORTO EM 1969.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/1999 - Página 29843
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MARIA DORCELINA DE OLIVEIRA FOLADOR, PREFEITO, MUNICIPIO, MUNDO NOVO (MS), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), CARLOS MARIGHELLA, LIDER, COMUNISMO, EX-DEPUTADO, ESTADO DA BAHIA (BA).

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda profundamente abalado e indignado com o covarde e cruel assassinato da jovem prefeita do município de Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul, a professora Dorcelina Folador, do Partido dos Trabalhadores, que tinha apenas 36 anos. Com sua mocidade e destemor, ousou desafiar o poder do narcotráfico e do latifúndio, sendo executada, com seis tiros, na própria casa, na presença do marido César, também militante e presidente do PT local, e da pequena Jéssica, filha do casal, uma linda menina de apenas sete anos.  

Dorcelina era uma pessoa muito querida pela população. A prefeita, que também militava no MST, e apoiava as ocupações dos latifúndios improdutivos, obteve, de acordo com recente pesquisa, o percentual de 83% de aprovação popular. Não só a pesquisa, mas o enterro da companheira Dorcelina, que contou com a presença de mais de sete mil pessoas, numa cidade de cerca de 17 mil habitantes, demonstram o quanto ela era querida pelo povo.  

O Governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, prometeu "fazer o possível e o impossível para apurar e punir os responsáveis pelo crime". Esperamos das autoridades federais o mesmo empenho. Impunidade neste caso significa fortalecer o poder paralelo. Faço minhas as palavras do presidente nacional da OAB, Reginaldo de Castro: "O crime organizado está escrevendo a agenda do país. O bárbaro assassinato da prefeita Dorcelina Folador foi praticado por criminosos, que têm certeza da ausência absoluta do Estado nas questões de segurança pública".  

Antes de reverenciar a memória de outro mártir, que como Dorcelina, tinha como objetivo maior de sua vida a construção de um mundo novo, quero lembrar que além da coragem e combatividade, a companheira foi uma administradora das mais competentes. E digo isso porque grande parte das imprensa brasileira insiste em desqualificar as administrações do PT. Quando assumiu a prefeitura, Dorcelina encontrou quatro meses de salários atrasados e em menos de um ano, conseguiu equilibrar as finanças do município e ainda deixou um saldo positivo de um milhão e cem mil reais em caixa.  

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, volto agora 30 anos de nossa história para lembrar do dia quatro de novembro de 1969. Era uma terça-feira, pouco depois das 20 horas, 29 policiais, fortemente armados, com sete viaturas, fecharam o cerco e ficaram à espreita na Alameda Casa Branca, no bairro dos Jardins, na capital paulista. Um homem aproxima-se, atravessa a rua sozinho, e cai numa armadilha.  

O primeiro tiro que atingiu Carlos Marighella atravessou as suas nádegas; o segundo, acertou-lhe a virilha; o terceiro, feriu de raspão o seu rosto. Caído no chão e imobilizado pelos ferimentos, foi cercado e executado à queima-roupa com um quarto tiro. Ainda teve um último reflexo defensivo, elevando a mão, que teve um dos dedos estraçalhados pela bala que lhe perfurou o pulmão e a aorta, provocando-lhe hemorragia interna e morte instantânea.  

Pela versão oficial, amplamente divulgada pela imprensa na época, Marighella fora atingido por disparos de arma de fogo ao tentar resistir à voz de prisão dada pelo delegado Sérgio Fleury, durante uma operação policial feita especialmente para atraí-lo e capturá-lo. Teria assim ocorrido "cerrado tiroteio entre os elementos da segurança de Marighella e os integrantes das equipes que guarneciam os cruzamentos, isolando o local", o que provocou a morte de uma investigadora e de um cidadão que, sem saber o que ocorria, rompera com o seu carro o cerco policial, além de ferimento à bala na perna de um delegado do Dops.  

Filho de negra e imigrante italiano, Augusto Marighella e Maria Rita, Carlos Marighella, nasceu em Salvador-BA, em 5 de dezembro de 1911. Ainda adolescente, despertou para as lutas sociais. Aos 18 anos começou a militância no PCB. Em 1935 mudou-se para o Rio, sendo responsável pelo trabalho de imprensa e divulgação do partido. Depois das prisões em 1932, 36 e 39, conquistada a anistia, em 1945, voltou à liberdade. Elege-se Deputado Constituinte pela Bahia em 1946. Em pouco menos de dois anos fez 195 discursos e denunciou as péssimas condições de vida do povo. Como também, alertou da crescente penetração imperialista no país e defendeu bravamente a classe operária.  

A legalidade democrática e a liberdade partidária duraram pouco. Em 1948 é cassado e volta à clandestinidade. Situação que não o impediu de participar das principais campanhas em defesa do país: pelo monopólio estatal do petróleo; contra o envio de soldados brasileiros à Coréia e contra a desnacionalização do ensino e de toda a economia.  

Em 1952 passou a integrar a Comissão Executiva do Comitê Central do partido comunista e no ano seguintes é enviado à China, onde durante mais de um ano estudou a experiência da revolução naquela país.  

O início da ruptura com o PCB manifestou-se a partir de 1962. Por ocasião da renúncia de Jânio Quadros, teceu duras críticas à postura do partido. Posição aprofundada após o golpe de 1º de abril de 1964. Em 66, escreveu "A crise brasileira", onde analisava a sociedade brasileira e denunciava a política de alianças da burguesia com o PCB. No ano seguinte, rompeu com o partido, e em fevereiro de 68, em documento intitulado "Pronunciamento do agrupamento comunista de São Paulo", expôs os motivos do rompimento e anunciou o surgimento de uma organização disposta a iniciar imediatamente ações políticas armadas. A organização foi batizada de Ação Libertadora Nacional ALN -, que já naquele ano deflagra as primeiras ações de guerrilha urbana no Brasil.  

Sr. Presidente, avanço agora 28 anos, e lembro do dia 11 de setembro de 1996. Era uma quarta-feira, em torno das 13 horas, o Presidente da Comissão Especial sobre os Mortos e Desaparecidos Políticos, Miguel Reale Júnior, deixou a sala 621 do Anexo II do Ministério da Justiça e anunciou que o caso Marighella havia sido acolhido por 5 votos a 2. O Estado brasileiro assumia a sua culpa, e a verdade histórica estava, pelo menos neste caso, resgatada.  

A disposição de Carlos Marighella em lutar revolucionariamente com as massas, enfrentando o regime ditatorial para construir um Brasil livre, soberano e feliz. A coragem da prefeita Dorcelina de estar ao lado dos movimentos sociais, combatendo o crime organizado e o latifúndio, que sonhava legar para a pequena Jéssica uma sociedade melhor, um mundo novo. São exemplos que devem inspirar as novas gerações, nestes tempos onde a principal tarefa daqueles que querem uma outra sociedade humana, sem fome, opressão e miséria é resistir à vaga do "pensamento único neoliberal" e organizar a maioria dos seres humanos, na direção de um novo projeto histórico, que supere o sistema capitalista, sistema esse que assassinou Marighella, Dorcelina e conduz à exclusão e morte lenta, a maior parte da população do planeta.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/1999 - Página 29843