Discurso no Senado Federal

DEFESA DA IMPLANTAÇÃO DOS PROGRAMAS DE ATENDIMENTO MEDICO-HOSPITALAR EM TODO O BRASIL. PARABENIZAÇÃO AO MINISTERIO DA SAUDE, QUE PRETENDE IMPLANTAR 80 PROGRAMAS DESSE MODELO NO ESTADO DO ACRE.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • DEFESA DA IMPLANTAÇÃO DOS PROGRAMAS DE ATENDIMENTO MEDICO-HOSPITALAR EM TODO O BRASIL. PARABENIZAÇÃO AO MINISTERIO DA SAUDE, QUE PRETENDE IMPLANTAR 80 PROGRAMAS DESSE MODELO NO ESTADO DO ACRE.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/1999 - Página 30056
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANUNCIO, PLANO PLURIANUAL (PPA), IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, SAUDE, FAMILIA, REFORÇO, MODELO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), OPOSIÇÃO, LOBBY, LABORATORIO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, EMPRESA DE SEGUROS, PRIVATIZAÇÃO, SAUDE PUBLICA.
  • EXPECTATIVA, RESULTADO, PROGRAMA, SAUDE, FAMILIA, MELHORIA, APROVEITAMENTO, RECURSOS, AUMENTO, DIGNIDADE, TRATAMENTO, ACESSO, SAUDE PUBLICA, PREVENÇÃO, PROMOÇÃO, INFORMAÇÃO.
  • REGISTRO, INICIO, PARCERIA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO ACRE (AC), MINISTERIO DA SAUDE (MS), ATENDIMENTO, SAUDE, FAMILIA, TOTAL, POPULAÇÃO, EXPECTATIVA, AMPLIAÇÃO, PROGRAMA, ESTADOS.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero me reportar à implantação nacional de um programa de saúde pública, o Programa Saúde da Família, assunto que se tem constituído em ansiedade para os técnicos da saúde pública, para todos os sanitaristas e para o povo brasileiro, e que se trata de uma reivindicação legítima dos Municípios brasileiros, embora tenha encontrado profundas barreiras.  

A implantação desse programa mostrar-nos-á como deveria ter sido a saúde pública desde a implantação do Sistema Nacional de Saúde, em 1975, que rompeu a presença desorganizada do Estado no setor de saúde, uma presença que olhava apenas para a arrecadação dos inativos, preparando a poupança pública do setor previdenciário, e que trabalhava por meio de um modelo chamado unidade de serviço, o qual estimulava a ação médica com uma remuneração conseqüente.  

O Brasil vem avançando na discussão da saúde pública. Acredito que temos o melhor modelo do planeta em termos de desenho, graças à presença do Sistema Único de Saúde e das normas operacionais básicas apresentadas. Mas, infelizmente, esse modelo não tem sido vivido, não se tem materializado, na prática, pelas diversas razões que todos conhecem.  

A primeira delas é a grande visão de mercado que diz ser a saúde uma fonte de lucro, um estímulo às empresas nacionais e transnacionais, espelhadas por suas diversas organizações. O exemplo mais nefasto é o das grandes indústrias, dos grandes laboratórios farmacêuticos, que, por intermédio da Abifarma – Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas –, têm praticado um verdadeiro saque ao consumidor de medicamentos básicos e aos doentes pobres. Esse saque é forjado pelos mais diversos meios, como a contradição, a negação, a pressão contrária à utilização dos genéricos, enfim, por um grande investimento em marketing que tem o objetivo de induzir a aquisição de um bem básico como um medicamento com base em uma visão de mercado, em uma visão de propaganda. Isso faz com que o setor de saúde pública seja olhado como um instrumento de mercado e não como um referencial de dignidade humana que pudesse estabelecer uma ordem social em que o ser humano fosse elemento essencial para o desenvolvimento humano, para a construção da cidadania e para o amadurecimento da democracia. Assim, o Programa Saúde da Família está inserido no meio de uma grande pressão, em que as seguradoras de saúde olham para o hospital como fonte de lucro.  

Historicamente, os hospitais eram abrigos para pessoas doentes, prestes a falecer. Com o desenvolvimento da ciência, o hospital passou a ser uma casa de recuperação da doença, onde se pode reintegrar socialmente o paciente. A tendência atual, clara e selvagem, é a de que o hospital seja uma fonte de lucro, um ambiente frio e desumano onde quem pode pagar é muito bem-vindo e quem não pode deve pagar o preço da indiferença e da frieza humana.  

Recentemente, ouvi a descrição de uma religiosa de um episódio que havia vivido. Ela testemunhou que, em um hospital, num sábado pela manhã, acompanhou a dificuldade de emissão de um atestado de óbito, pois isso dependia da boa vontade do médico – que não tinha obrigação, pelo seu contrato, de lá estar naquele dia – ou dos plantonistas. Todo aquele ambiente frio formou-se em torno de uma pessoa que havia falecido antes do tempo natural, com menos de sessenta anos, expectativa média de vida no País. E a situação tornou-se completamente diferente quando foi acionada a funerária, uma empresa privada, cujo representante chegou com um sorriso e com "atendimento humano", e a religiosa pode sentir a presença de calor humano para aquela família, desolada diante de um cadáver sobre um leito de hospital.  

Então, essa realidade que se impõe para a rede de saúde e para os hospitais precisa de um freio que, na minha opinião, é apenas um: a presença de um modelo de saúde que se preocupe com o desenvolvimento humano e a boa prática da gestão pública do setor. O País tem uma receita anual de US$10 bilhões, atualmente, dinheiro suficiente para a implantação de um modelo de saúde pública razoável, o que não ocorre, infelizmente, porque a pressão das empresas privadas envolve uma prática distorcida, equivocada, com elevados custos e poucos resultados sociais.  

O Programa Saúde da Família está inserido nesse contexto. Ele é fruto de um rearranjo estrutural da saúde baseado em pressões do Fundo Monetário Internacional, no qual é preciso gastar-se menos com saúde, pois isso permitiria a entrada do capital privado no setor de maneira mais fortalecida. No entanto, embora o programa seja vítima da pressão internacional – vinculada a um modelo de saúde pública para países do Terceiro Mundo onde o lucro deve ser desviado para a iniciativa privada e o gasto, às vezes irracional, deve ser do poder público –, ele é fantástico e temos que reconhecer sua origem legítima a partir da reforma sanitária de 1975, que aponta como alternativa mais correta para a saúde o não inchamento dos hospitais, com ação preventiva dos profissionais na casa do cidadão, no seu bairro, estudando as causas, a propagação e o controle das doenças.  

A implantação do Programa Saúde da Família visando atender 60% da população brasileira, da forma como está no Plano Plurianual, talvez seja o desafio mais digno do Governo Federal. Se ela for consolidada, seguramente mudará o perfil da dignidade humana no País, porque milhares de mortes evitáveis que ocorrem no Brasil todos os meses são fruto de uma política de saúde irracional, equivocada, com gastos desnecessários e resultados sociais precários.  

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Com muito prazer, concedo um aparte ao nobre Senador Sebastião Rocha, que, ontem, fez um belíssimo pronunciamento sobre uma questão grave de saúde pública, o câncer de próstata.  

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) - Senador Tião Viana, congratulo-me com V. Exª, que, oportunamente, faz observações legítimas a respeito da importância do Programa Saúde da Família no contexto da saúde pública nacional. Tive oportunidade de conhecer de perto um programa dessa natureza implantado no Município de Niterói, e pude constatar a importância do relacionamento humano entre a equipe de saúde e a pessoa doente, e até mesmo a pessoa sadia, porque o Programa Saúde da Família tem por finalidade também a prevenção de doenças como um dos seus pilares de sustentação. O modelo de Niterói, inspirado no modelo cubano – inclusive um modelo mais caro do que o do Ministério da Saúde –, estimulou-me a acreditar nesse método como forma de minimizar a dor e o sofrimento da população humilde, da população pobre do nosso País. Por todos esse motivos é que esse programa tem o meu apoio. No meu Município de Santana, no Norte do Brasil, no Estado do Amapá, o prefeito já conseguiu criar três equipes do Programa Saúde da Família, mostrando a viabilidade de sua implantação em todas as Unidades da Federação – Norte, Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Em Niterói, apesar de já existirem experiências bem adiantadas nas chamadas áreas pobres da cidade, iniciou-se também a sua implantação em uma área mais central, digamos, atingindo setores da classe média baixa, com o intuito de mostrar que todos os setores da população podem ter acesso a esse modelo de atendimento. Espero que o Governo Federal possa incentivar e apoiar esse programa cada vez mais, pois acredito que essa é, de fato, uma saída que pode, no futuro, oferecer uma saúde mais digna para a população humilde do nosso País. Parabéns a V. Exª e muito obrigado pelo aparte.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Muito obrigado, Senador Sebastião Rocha, pelo aparte. Sei que o Estado do Amapá também tem essa preocupação. O Programa Saúde da Família tem a sua marca de êxito em Niterói, no Rio de Janeiro, como um programa bem-sucedido e que traz enorme contribuição à prevenção e ao controle das doenças.  

Sr. Presidente, esse programa, também implantado no Município de Capuí, interior do Ceará, sob a administração do Partido dos Trabalhadores, foi premiado por todas as organizações internacionais com credibilidade vinculadas à saúde, porque ali se reuniu a prevenção, a promoção e a recuperação de doenças de maneira simplificada, e principalmente por ser aquele um Município pobre que sempre contava com a presença do médico ou da equipe de saúde junto à comunidade. Talvez haja ali um paradigma em que se afirmou que a medicina não é um ato médico, mas um ato de saúde, um ato que envolve todas as ações, tanto as de ordem assistencial quanto as de informação, da promoção e da capacidade de prevenção de doenças através de políticas públicas de saneamento e educação sanitária.  

Gostaria de dizer que se o Governo Federal ousar implantar e materializar esse desafio de cumprir 60% do Programa Saúde da Família, compromisso assumido no Plano Plurianual, poderemos obter um resultado fabuloso na história da saúde pública deste País. Creio que o maior desafio favorável ao desenvolvimento humano neste País se afirma nesse programa do Ministério da Saúde.  

Quero dizer ao Ministério da Saúde, e com gratidão, que o Acre está sendo beneficiado, talvez como o primeiro Estado a poder implantar esse programa de saúde para toda a sua população urbana. Lá implantaremos oitenta Programas Saúde da Família, que atingirão 400 mil pessoas no nosso Estado. Não tenho dúvida de que, com a materialização desse programa, que é uma parceria do Governo do Estado do Acre e do Ministério da Saúde, faremos uma legítima revolução sanitária na saúde pública deste País, que poderá olhar e ver um Estado periférico, com condições de desenvolvimento ainda precárias, mas com indicadores de saúde à altura do desenvolvimento humano e que serão um grande exemplo para o Brasil.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - Senador Tião Viana, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Concedo um aparte ao nobre Senador Mozarildo Cavalcanti.

 

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - Senador Tião Viana, V. Exª, com muita propriedade, aborda o Programa Saúde da Família. Em Roraima, há quatro anos, o Governo implantou esse programa, praticamente executado, inclusive, por médicos cubanos, os quais já têm a experiência trazida do seu país no trabalho da saúde em casa. Em Roraima, efetivamente, esse programa tem sido magnificamente conduzido por esses médicos. Nesse particular, quero frisar a importância que V. Exª vem dando, no seu pronunciamento, à presença do médico de maneira preventiva, levantando, inclusive, de casa em casa, em todos os Municípios do nosso Estado de Roraima, a questão não só médica puramente, mas social, enfim, todas as variáveis que levam os membros da família a adoecerem, inclusive por falta de higiene na moradia, de higiene na conduta familiar. Acredito que se esse programa for implantado principalmente nos municípios mais pobres, teremos, na Amazônia, a prevenção de inúmeras doenças que, infelizmente, estão alarmando as estatísticas de saúde no País. Parabenizo V. Exª pela oportunidade do pronunciamento, solidarizando-me com a tese e colocando-me à disposição para lutarmos juntos a fim de que esse programa, efetivamente, seja implantado em todo o Brasil.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Certamente compartilho do que diz o Senador Mozarildo Cavalcanti em seu aparte. Além de colega, S. Exª também vive na nossa região e sabe da importância da materialização do Programa Saúde da Família. Espero, sinceramente, que o Ministério ouse superar, romper com essa tradição, a de que o mercado financeiro está dominando a saúde pública no Brasil.  

Creio que o Ministro Serra tem a oportunidade de fazer uma legítima ruptura na força da iniciativa privada na saúde pública deste País e de construir um modelo voltado para a pessoa humana, que ouça os sanitaristas deste País, uma saúde pública que tem no seu arcabouço o Sistema Único de Saúde – talvez o melhor modelo de saúde pública do planeta –, que apenas não foi aplicado por força da pressão das grandes multinacionais que estão por trás do lucro na área da saúde.  

E fica também um debate no meio dos sanitaristas deste País: seria ou não uma transição conservadora a implantação do Programa Saúde da Família?  

Faço questão de ler um belo texto do Professor Emir Sader, citado no artigo da Drª Maria Josefina Leuba Salunque – enfermeira como a nobre Senadora Heloisa Helena –, que trabalha no campo da saúde pública, Professora da Universidade de São Paulo, que fala sobre essa transição conservadora que estaria ocorrendo em alguns setores e também na saúde pública.  

Afirma ela o seguinte:  

O Prof. Emir Sader, ao discutir os 100 anos de República no Brasil, conclui que a "história política brasileira tem sido uma longa cadeia de acontecimentos articulados entre si por pactos de elite (...), [característica] brasileira de resolver mediante acordos os conflitos (...). A falta de rupturas implica a falta de identidade (...) nacional, das classes sociais, dos atores políticos – já que a identidade, de um indivíduo ou de uma nação, surge dos processos de ruptura, de contraposição ao outro. (...) as elites dirigentes se anteciparam à constituição de uma vontade popular surgida de baixo, alinhavando pactos por cima, [no presente caso, constituindo o PSF...  

uma chamada transição conservadora.  

Sr. Presidente, discordo, mas com profunda admiração por essa afirmativa que envolve o Programa Saúde da Família em uma transição conservadora, porque me pauto nos resultados dos programas de saúde pública. Onde se implantou o Programa Saúde da Família neste País, atingiu-se, por exemplo, um índice de cobertura vacinal de, no mínimo, 90%, o que, em regra, não é a realidade deste País.  

O Ministério da Saúde tem trabalhado, de maneira satisfatória, com índices de cobertura vacinal de 70%. Entretanto, onde o Programa Saúde da Família foi implantado, alcançou-se um índice de proteção vacinal maior do que 90%. Temos um desafio pela frente, ou seja, fazer com que ações, que seriam localizadas, ditas de saúde pública, ligadas ao Sistema Único de Saúde, tornem-se uma grande cadeia, uma grande ramificação que mude a realidade social deste País.  

Podemos viver em uma sociedade onde a injustiça prevaleça ainda, mas não queremos que ela prevaleça na saúde e que não seja marca de um drama, da humilhação, do abandono, da discriminação e da prática criminosa dos grandes grupos econômicos que estão querendo fazer da saúde um ambiente de mercado e não de construção social.  

O desafio que o Ministério da Saúde está compartilhando com o Governo do Acre, o de nos permitir implantar o maior programa de saúde da família da história do Brasil, será correspondido à altura, com um resultado que irá orgulhar a Amazônia e o Brasil.  

Seguramente, espero que isso sirva para que os outros Estados amazônicos possam ter o mesmo desafio a compartilhar com o Ministério da Saúde.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/1999 - Página 30056