Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O RECRUDESCIMENTO DOS INDICES DE VIOLENCIA NO BRASIL E A FALENCIA DO SISTEMA DE SEGURANÇA PUBLICA.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O RECRUDESCIMENTO DOS INDICES DE VIOLENCIA NO BRASIL E A FALENCIA DO SISTEMA DE SEGURANÇA PUBLICA.
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/1999 - Página 30059
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, AMEAÇA, CRIME ORGANIZADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), EMBARCAÇÃO, TRANSPORTE, MEMBROS, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), DROGA, INVESTIGAÇÃO, LOCAL, TRAFICO, ENTORPECENTE, ARMA, BAIA DE GUANABARA.
  • INEFICACIA, ATUAÇÃO, POLICIA, ESPECIFICAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, BRASIL, MOTIVO, INSUFICIENCIA, RECURSOS HUMANOS, EQUIPAMENTOS.
  • REGISTRO, OBSERVAÇÃO, ORADOR, POLITICA, REDUÇÃO, CRIME, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ESPECIFICAÇÃO, COMBATE, IMPUNIDADE, TOLERANCIA.
  • COMENTARIO, PERDA, SOLIDARIEDADE, SOCIEDADE, CORRUPÇÃO, GOVERNO, AUMENTO, VIOLENCIA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o desfile de oradores na sessão de hoje do Senado reflete as preocupações de toda a sociedade brasileira.  

Quando aqui cheguei, estava na tribuna a Senadora Heloisa Helena, manifestando, como já disse, a sua "santa indignação" com a realidade deste País, com a precariedade da Previdência e da Assistência Sociais, com o escárnio que é se pagar um salário família de R$9,00, por pessoa.  

Em seguida, ouvi o Senador Pedro Simon manifestar sua angústia, sua perplexidade com os rumos, talvez não apenas da nossa sociedade, mas da nossa civilização, pela falta do sentimento de solidariedade.  

Agora, ouvi o Senador Tião Viana, que ressaltou, como luz no fim do túnel, no campo da saúde, o Programa Médico da Família, que se dissemina, felizmente, por todo o País. Ao mesmo tempo, S. Exª fez um libelo contra a mercantilização da saúde em nosso País.  

Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, abordarei outro assunto que igualmente preocupa a todos nós. Trata-se da segurança pública.  

Há dois ou três dias, aconteceu, no Rio de janeiro, um fato já não mais preocupante, mas simplesmente alarmante. Um grupo de Parlamentares da CPI do Narcotráfico, numa embarcação, acompanhados de policiais e da imprensa, navegavam na Baía de Guanabara para detectar pontos de tráfico de armas e de drogas. Em dado momento, simplesmente foram comunicados pela polícia de que teriam de desviar o curso da embarcação, como fizeram, porque homens armados, provavelmente do narcotráfico, estavam à espera deles naquele local. E a embarcação foi realmente desviada. Eis um sintoma de falência do Estado brasileiro. A polícia nas grandes cidades brasileiras - e também nas médias - está simplesmente impotente. Como já foi constado por tantos, há um Estado paralelo: ao lado do Estado legal, legítimo, há o Estado do crime organizado.  

Em São Paulo, delegacias são invadidas pelos traficantes; os comissários e delegados sentem-se intimidados e já não sabem o que fazer ante a audácia dos criminosos. Até numa cidade como a minha, Manaus, que se inclui entre as médias, edifícios inteiros são fechados pelos assaltantes, que depenam os apartamentos sem que a polícia consiga prender os autores.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é algo que se espalha por todo o País, portanto, e que se deve a vários fatores, como todos sabem. Não tentarei fazer aqui um diagnóstico; os fatores são de ordem social, econômica, cultural e psicológica.  

E há também, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma debilidade do Estado brasileiro. O aperfeiçoamento da polícia, tecnicamente e em recursos humanos, contribuiria muito para reduzir o índice de criminalidade em nosso País.  

Passei alguns dias do mês passado em Nova York, em missão do Senado como observador junto às Nações Unidas. Aproveitei para tomar maiores informações a respeito do bom êxito da política de segurança pública adotada pelo Prefeito Rudolph Giuliani, daquela cidade, onde se verificaram quedas impressionantes nos índices de delinqüência.  

É claro que o "boom" atual da economia americana ajudou e houve queda da criminalidade em todo o país. Mas em Nova York foi muito mais acentuada do que no resto do país, numa demonstração de que, além da fase de prosperidade e da redução de desemprego e da pobreza, também contribuiu a política de segurança ali adotada, hoje conhecida em todo o mundo como "Política de Tolerância Zero".  

A tolerância zero consiste, de um lado, em não ter nenhuma tolerância com o pequenos delitos, partindo do princípio de que é a partir da impunidade dos pequenos infratores que os grandes criminosos também se julgam impunes. A tolerância, portanto, com os pequenos crimes, até com uma simples pichação de parede, é estímulo para que se vá adiante e os reais criminosos pratiquem crimes muito mais graves.  

A tolerância zero também se aplica à polícia, Sr. Presidente. É adotada contra os abusos e a corrupção policial. Tolerância nenhuma com os criminosos de qualquer grau, tolerância nenhuma com os policiais delinqüentes em qualquer dos escalões da polícia. Isto, de par com a adoção de medidas de ordem prática, sobre as quais não vou me deter neste momento - talvez seja objeto de outro pronunciamento meu oportunamente -, fez com que caísse em 50% a criminalidade em geral, em Nova York nos últimos 5 anos e em 60% a de homicídios e roubos.  

Quem esteve naquela cidade há 10 anos, como eu, e volta agora, sente a diferença, em tudo. Até no aspecto de limpeza da cidade, mas, principalmente, no desaparecimento de áreas degradadas. Hoje se caminha tranqüilamente pelo Harlem, em Chinatown ou em Times Square . A diferença é brutal entre o que havia no passado e o que acontece hoje. E a polícia se torna cada vez mais comunitária. É a tendência moderna do policiamento, de tornar os policiais conhecidos e amigos dos moradores dos bairros. Isso não ocorre em nosso País. No Brasil, a par da situação de tremenda desigualdade social. Há também a falência do aparelho policial.  

É claro que, mesmo que melhorássemos em 100% as polícias do nosso País e que as desigualdades se reduzissem, talvez não conseguíssemos, ou melhor, com certeza não conseguiríamos erradicar o crime . Parece que há um fator sócio-cultural que um psicólogo aborda, hoje, na Folha de S. Paulo, em artigo intitulado "Nossa civilização está fundada no mal-estar". Ele diz em resumo - e eu me limito ao resumo:  

"Existe e é operante um modelo de explosão assassina específica à cultura ocidental contemporânea.  

Os assassinos são todos rapazes e homens jovens de classe média. Eles estão no gênero e na hora de se tornar alguém. É neles que bate a novidade patológica de nossa cultura.  

Todas as civilizações produzem algum mal-estar, mas a nossa é a única que está fundada no mal-estar."  

Sr. Presidente, mais alarmante do que a falência do aparelho policial é a desumanização da nossa sociedade. Estão desaparecendo ou sendo ignorados e relegados os valores básicos da civilização judáico-cristã. Nós vivemos numa sociedade cada vez menos solidária. Desagrega-se a estrutura familiar. As antigas e saudáveis relações de vizinhança desapareceram. O Estado, entranhadamente, é corrupto. O exemplo vem de cima, Sr. Presidente, dos mais altos escalões. Nobre Senadora Heloisa Helena, como é que uma sociedade desta pode sobreviver, se continuar assim, sem rumo e sem prumo?  

Sr. Presidente, lamento terminar com esta visão pessimista, mas realmente estou mais do que preocupado; começo a cair naquilo que o escritor Carlos Heitor Cony chamava ontem de desesperança. É este o meu sentimento. Não sou como a nobre Senadora Heloisa Helena, que é um vulcão em erupção. Ela despeja lavas. Eu sou um pico nevado, mas contido. A minha erupção é interna, Senadora, mas creia que sou uma pessoa profundamente indignada também.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco\PT - AL) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Cedo-lhe o aparte, com muita satisfação.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador, fiz questão de aparteá-lo não apenas pela importância do seu pronunciamento, mas por esse término de V. Exª, dizendo que é um pico nevado, o que não concordo. Já referi isto a V. Exª, ainda não era Senadora, a oportunidade que tive de ouvir um pronunciamento de V. Exª nesta Casa, que dava uma demonstração de extrema sensibilidade e solidariedade no caso de uma senhora desempregada, que tentava ir ao suicídio. Vi a sensibilidade naquele gesto emocionado de V. Exª. Já afirmei ao Senador Roberto Requião que se no reino animal não existe uniformidade de temperamento, menos ainda em relação a todos nós, seres humanos. Com esse aparte manifesto a minha admiração por V. Exª e a profunda consternação em relação aos acontecimentos relacionados à violência, a todas as formas de violência. Muitas vezes a sociedade se mostra indignada em relação à utilização de uma serra elétrica, que é algo absolutamente abominável, realmente o é. Mas existem outras formas, outras serras elétricas silenciosas, que matam pessoas, que estabelecem a guerra, que destróem o País, e ainda são piores, porque são tão silenciosas que a indignação não é mostrada pela sociedade de forma mais contundente. Ontem estive em visita ao meu querido companheiro, Senador Lauro Campos, e falamos sobre essas questões da violência, as mais diversas formas de violência. E o Senador Lauro campos dizia: - Ora, se o inteiro das pessoas, se a própria vida das pessoas, se o seu inteiro não é respeitado pela sociedade, como é que essa pessoa que não é respeitada em nada vai conseguir respeitar o inteiro e a vida do outro? Que desumanização de uma sociedade! Portanto, parabenizo V. Exª pelo tema que traz a esta Casa, que não pode deixar que durmamos tranqüilos. Não é pela proteção dos nossos filhos, é pelo significado disso. V. Exª trouxe o exemplo da Polícia Federal, que pediu para que o barco dos Parlamentares da CPI do Narcotráfico desviasse. Ficamos imaginando: ora, se a própria Polícia Federal sabia que ali tinha homens armados, homens do narcotráfico, e a alternativa foi simplesmente o desvio do barco, o que efetivamente foi feito pelo aparato de segurança pública para ir lá, de forma enérgica inclusive, combater aquela situação que tinha sido detectada? Realmente é alarmante a situação, como é a da estrutura da situação das Febems, crianças machucando as outras próprias crianças! O maior Estado do Brasil não dar conta de três mil crianças! Façamos o coeficiente disso em relação à proporcionalidade de São Paulo. Um outro rapaz chega e começa assassinar, revivendo no Brasil o alarme das escolas dos Estados Unidos! Então, não é possível que não consigamos nos dar conta deste momento tão difícil, alarmante que estamos vivendo. Parabenizo-o pelo pronunciamento, Senador, e expresso a minha admiração por V. Exª.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Muito obrigado, Senadora Heloisa Helena, V. Exª tem absoluta razão. É uma sociedade hipócrita, que só reage à violência quando ela chega à classe média e sente a violência explícita que põe em perigo ela mesma, mas jamais se indigna quanto à violência silenciosa, como V. Exª diz, disseminada na sociedade, a agredir a dignidade de milhões de pessoas que vivem sem perspectiva de vida. Contra essa violência, ela não se indigna.

 

Mas também não perdi a minha capacidade de me indignar, apesar, repito, de pico nevado. Nevado, Senadora, porque tenho aparência de frieza e os cabelos já estão embranquecendo, por isso, julgo-me nevado, apenas por isso. Mas creio que eu e V. Exª sejamos, talvez, os mais esquerdistas Senadores daqui. Por que, Senadora? Se tomarmos esquerda no sentido que lhe deu Madame Daniele Mitterrand:  

"Ser de esquerda é ter a permanente capacidade de se indignar contra todas as formas de injustiça."  

Aí, então, sou tão esquerdista quanto V. Exª.  

Muito obrigado.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/1999 - Página 30059