Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A NECESSIDADE DE MUDANÇA NA POLITICA HABITACIONAL DO PAIS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A NECESSIDADE DE MUDANÇA NA POLITICA HABITACIONAL DO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 10/11/1999 - Página 30316
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • AUSENCIA, POLITICA HABITACIONAL, GOVERNO, PROVOCAÇÃO, INADIMPLENCIA, CONTRATO, COMENTARIO, NOTICIARIO, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), INVASÃO, TERRENO, ZONA URBANA.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, MODELO, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH), REAJUSTE, CONTRATO, FINANCIAMENTO, AQUISIÇÃO, CASA PROPRIA, CRITICA, ILEGALIDADE, UTILIZAÇÃO, INDICE, IMPOSTO TERRITORIAL RURAL, PREJUIZO, MUTUARIO.
  • ENCAMINHAMENTO, OFICIO, DESTINATARIO, EMILIO CARAZZAI, PRESIDENTE, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH).

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a esta tribuna para denunciar que no Brasil não há qualquer política habitacional, na exata medida em que os contratos de compra da casa própria fomentam dívidas estratosféricas, impagáveis para a grande maioria dos brasileiros. Por isso, a causa dos que participam de movimentos de ocupação de terreno acabam encontrando respaldo de legitimidade e justiça.

Desejo ressaltar, Sr. Presidente, uma campanha ou uma série de reportagens que está sendo levada ao ar pela Rede Globo de Televisão , no Jornal Nacional . Ainda no dia de ontem, apresentaram a ocupação de um velho hotel abandonado há muitos anos, no Estado de São Paulo, por dezenas de famílias, sem nenhuma condição. Inclusive uma criança se afogou na caixa d’água do referido hotel. Essa situação se reflete em todo o nosso País, na ocupação dos terrenos urbanos não construídos e na própria ocupação de conjuntos habitacionais não acabados. Isso é realmente uma demonstração da realidade. Diante de tantos pecados que a mídia comete, penso que essa é uma atitude que deve ser ressaltada e elogiada. A Rede Globo , nessas reportagens, está chamando a atenção para o problema e mostrando a realidade da miséria e do sofrimento do povo brasileiro.

Portanto, torna-se legítima e justa a ocupação que está sendo feita pelos sem-tetos do nosso País.

Na véspera de um novo milênio, não se pode admitir que nossos irmãos mais pobres, tão brasileiros quanto nós, sequer tenham acesso a esse bem da vida que é a moradia.

Criou-se a mística de que a casa própria é "um sonho". Mas que sonho é esse que nunca se realiza ou se transforma em pesadelo de 15 a 25 anos de um financiamento impagável, por um produto de qualidade nem sempre satisfatório?

Os rumos do Sistema Financeiro de Habitação precisam ser corrigidos e o caminho deve ser o da integração dos despossuídos ao mercado de consumo, dando-lhes a chance de não se transformarem em párias da sociedade.

Contudo não é assim que pensa o Governo. A Caixa Econômica Federal, ao retomar a casa dos mutuários inadimplentes, não busca uma real iniciativa de solução amigável, vez que desconsidera que o modo de calcular a prestação da casa própria, o saldo devedor e a dívida é completamente absurdo.

Temos o exemplo prático do Sr. Odir da Costa Siqueira, que encaminhou correspondência ao meu gabinete, na qual, inquestionavelmente, comprova que dois contratos, firmados na mesma agência da Caixa Econômica Federal, de igual valor de financiamento e identificação de renda, para aquisição de imóvel no mesmo conjunto habitacional, em Santarém - PA, possuem valores de prestações exageradamente diferenciados, embora o lapso de tempo entre a celebração desses contratos seja tão-somente de um mês, vez que os contratos foram firmados respectivamente em 30 de junho de 1986 e em 31 de julho de 1986. Um paga R$152,20 e o outro paga R$82,22.

Recentemente, a mídia noticiou que uma devedora do Sistema Financeiro de Habitação encontrou uma solução que bem demonstra a incongruência da Caixa Econômica Federal e a incompetência do Governo na área de habitação. Essa mutuária, cansada de ver sua dívida multiplicar-se por cinco ou seis vezes o valor inicialmente contratado e depois de já ter pago cerca de R$50 mil por um apartamento avaliado em R$70 mil, constatou, há três anos, que ainda devia R$140 mil e estava premida pela prestação de R$1,27 mil. Assim, deixou de pagar a prestação e foi lançada no rol dos inadimplentes da Caixa Econômica Federal.

No dia 21 de agosto último, foi ao Anhembi, em São Paulo, onde seu apartamento seria leiloado entre centenas de outros em situação semelhante. Lá, ela arrematou o seu próprio imóvel por R$35 mil à vista, quando o seu saldo devedor na Caixa Econômica era de R$140 mil. Ela tinha um saldo devedor de R$ 140 mil, foi considerada inadimplente e resolveu adquirir por leilão o seu próprio apartamento, que foi arrematado por R$35 mil à vista.

Não acredito, sinceramente, que haja uma justificativa para que se permita que tal absurdo possa continuar acontecendo neste País.

Por fim, para demonstrar outra irregularidade, cite-se que a auditoria operacional do Tribunal de Contas da União, realizada na área de habitação e hipoteca das superintendências regionais da Caixa Econômica Federal, constatou que o financiamento de um modesto apartamento de 50 mý, localizado na cidade satélite de Sobradinho, Distrito Federal, no valor R$30 mil, após um ano de pagamento de prestação de cerca de R$500, teve o seu saldo devedor aumentado para R$40 mil. Esse valor representa um aumento de 30%, apesar do pagamento daquelas prestações ser superior até mesmo ao aluguel dos imóveis similares na mesma região.

Trago casos concretos para que fique mais fácil a compreensão, porque o meu discurso, na verdade, é técnico e demonstra os erros cometidos pelo Sistema Financeiro da Habitação no nosso País. E é uma parte, inclusive, mais chata de ser lida, por isso chamo a atenção de casos específicos que podem demonstrar a forma errada de conduzir o financiamento da moradia no nosso País.

O reajustamento dos contratos de financiamento para a aquisição da casa própria deve ser baseado em índice que reflita as variações do poder aquisitivo da moeda, conforme determina a Lei nº 4.380/64 - lamentavelmente, uma lei ainda da época da ditadura militar, que tem mais justiça do que as leis promovidas no atual regime político -, recepcionada como lei complementar pela Constituição Federal. Tal orientação vinha sendo obedecida, mesmo após a edição da Resolução nº 1.446, do Conselho Monetário Nacional, que determinava a correção dos saldos devedores pelos mesmos índices de correção monetária incidentes sobre os depósitos da caderneta de poupança.

Não obstante tudo isso, com o advento da Lei nº 8.177, de 1º de março de1991, que alterou a forma de reajuste dos depósitos de poupanças, vinculando-o à TR, e que agora está disciplinado pelo art. 7º da Lei nº 8.660/93, todos os contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação tiveram as suas cláusulas de reajustes alteradas substancialmente, já que deixaram de estar vinculadas a um índice neutro de inflação, passando a serem guiadas por índices que refletem as variações do custo primário das captações dos depósitos a prazo fixo e que não traduz as variações da moeda frente à inflação.

Portanto, a TR não é índice de correção monetária, e essa prática contraria e desvirtua o disciplinado pela Lei nº 4.380/64, a qual é lei materialmente complementar, que rege, nesse ponto, o conteúdo dos contratos de financiamento da casa própria. Assim, é indevida a utilização da TR como índice de "correção monetária" dos saldos devedores, não só dos contratos firmados antes da Lei nº 8.177/91, mas também para os contratos firmados a partir de 1º de março de 1991, no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação.

A correção monetária dos saldos devedores, estipulada pela Lei nº 4.380/64, implica "mera atualização do valor nominal do saldo devedor, a recomposição do valor do capital em virtude da corrosão inflacionária", o que impede a utilização da TR para esse fim, pois, conforme entendimento exarado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, na Adin nº 493, é um índice que reflete "as variações do custo primário de captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda", pelo que, a cláusula que estabelece a sua utilização, além de ilegal, mostra-se abusiva, visto que causa o desequilíbrio contratual, impondo ônus excessivo ao mutuário e gerando enriquecimento ilícito dos agentes financeiros.

A abusividade da referida cláusula se revela ainda em razão da metodologia do cálculo da TR utilizada pelo Banco Central, o qual considera a remuneração mensal média dos certificados e recibos de depósito bancário - os famosos CDB/RDB - emitidos pelas 20 maiores instituições financeiras do País, levando em conta: taxa média de remuneração dos CDB/RDBs; taxa média ponderada de remuneração; e um redutor, fixado por resolução do Conselho Monetário Nacional, em porcentagem sobre a média ponderada, para eliminar os efeitos decorrentes da tributação e da taxa real histórica de juros da economia, o qual pode ser modificado para se adequar às alterações na tributação e a eventuais variações na taxa de juros real da economia.

Ora, o próprio Governo permanentemente aumenta os juros dos CDB/RDBs para captar recursos, elevando estrondosamente a dívida externa. Se se calcula o reajuste da prestação e do saldo devedor pela TR, está-se cometendo um crime contra o mutuário consumidor.

Dessa forma, a fixação do índice da TR fica ao arbítrio dos agentes da política econômica governamental, tendo em vista o redutor móvel previsto em sua metodologia de cálculo, trazendo insegurança jurídica ao mutuário-consumidor, além de possibilitar a variação a maior da obrigação da contratada, à sua revelia.

Não bastasse todo o exposto, a estipulação da TR nos contratos é uma cláusula leonina que o direito e a consciência repelem. Os contratos contêm cláusula de remuneração além da cláusula de reajuste. Veja-se, por exemplo, o contrato padrão do cidadão que citei, o Sr. Odir da Costa Siqueira, no campo "f", item "a"; ele me mandou cópia do contrato, o qual anexo ao meu pronunciamento. Essa cláusula estabelece juros remuneratórios de 9,38069% que incluem o chamado spread, ou seja, o ganho líqüido do banqueiro, além da remuneração pelos recursos que capta (6% ao ano, na caderneta de poupança, nos dias de hoje).

Ora, se a TR já contém a remuneração de outros investimentos, como é evidente, segue-se que o banqueiro recebe dos mutuários do SFH duas remunerações e mais o spread.

E não é só. A remuneração de outros investimentos, embutida na TR, é muito superior à remuneração tabelada da caderneta de poupança, porque a TR é fixada a partir da remuneração flutuante, de mercado, de capitais especulativos.

Aí está a causa do desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos pactuados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, com a incidência da TR, e aí está a razão do vivo interesse dos banqueiros de todo o mundo pelo nosso sistema financeiro. Quem paga o almoço, que não existe gratuito, segundo os economistas, são os mutuários.

É da maior importância ressaltar que os mutuários do Sistema Financeiro de Habitação são, em sua maior parte, assalariados. Não desempenham eles atividade econômica rentável, lucrativa, que lhes permita bancar a remuneração de capitais especulativos (aqueles que são aplicados em depósitos a prazo fixo, com alto juros, que formam a composição da TR e cujos juros altos são culpa basicamente do próprio Governo). Os bancos podem cobrar a TR, que não foi excluída do mundo jurídico, como afirmam os réus, dos comerciantes, industriais, banqueiros, etc.

Dessa maneira, a única saída para os mutuários é a inadimplência. E o que pretende o Governo Fernando Henrique Cardoso e a Caixa Econômica Federal? Mandar a polícia contra aquela gente? Eles não precisam de polícia, mas de pão, saúde, educação, um lugar para morar e um emprego para que possam ganhar a vida. Portanto, a inadimplência do SFH, causada pelo comportamento omissivo do Governo FHC, se não solucionada, em nada diferirá do que há de pior na História brasileira, de Canudos a Eldorado dos Carajás, com a morte de pessoas que não têm onde morar, onde trabalhar. Podem essas pessoas ser consideradas, nessas condições, cidadãs?

Estamos novamente diante do mesmo problema. Dessa vez, em nossas cidades. E aí trago casos da minha região. Sabemos que a Caixa Econômica Federal e os burocratas do Conselho Monetário Nacional estão longe da sensibilidade; ao contrário, aceitam a tese do FMI de que o PIB brasileiro diminua 1%, gerando maior pobreza em nosso País. Mas basta de tanta vergonha e sofrimento!

Os sem-teto das cidades brasileiras não merecem entrar para a história como cenário de mais um conflito sangrento em decorrência da intolerância. Por isso, estamos à disposição para, junto com outras vozes responsáveis, produzir o diálogo necessário à superação do impasse criado pela omissão do Governo FHC e da CEF.

Encaminhei ofício ao Presidente da Caixa Econômica Federal, Sr. Emílio Carazzai, solicitando esclarecimentos sobre as denúncias aqui apresentadas, com cópia de todo o material recebido por meu gabinete. Espero que o Sr. Presidente da Caixa se digne a nos encaminhar respostas aos dados que apresento neste pronunciamento. É cansativo, chato e, às vezes, pouco compreensível, mas creio que um pedido oficial poderá sensibilizar mais a autoridade para que analise os fatos aqui mencionados, contestando-os se for o caso.

Acrescento ainda que já houve uma alegação da Caixa Econômica Federal de que a aplicação do INPC, índice de correção monetária, prejudicaria os mutuários por estar acima da TR. Essa alegação, no entanto, não tem procedência alguma. Conforme demonstram estudos do Dr. Jeferson Schneider, publicados na revista do Conselho Nacional de Magistratura, a TR encontra-se 30% acima do INPC, ocasionando, portanto, grandes e sérios prejuízos aos mutuários do nosso País.

Sr. Presidente, quero que sejam anexados ao meu pronunciamento a cópia do ofício que encaminhei ao Presidente da Caixa Econômica Federal e o contrato do mutuário sofredor do meu Estado, que, à semelhança dos de outros Estados, reclama o fato de morar numa casa igual à do seu vizinho, financiada na mesma época, nas mesmas condições, pagando uma prestação de R$152, enquanto o seu vizinho paga apenas R$82,22, além dos demais erros que demonstrei haver no Sistema Financeiro de Habitação.

Sr. Presidente, agradeço a V. Exª a oportunidade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/11/1999 - Página 30316