Discurso no Senado Federal

REGISTRO DO DIA NACIONAL DE LUTA, PARALISAÇÃO E PROTESTO, PATROCINADO PELO FORUM NACIONAL DE LUTA POR TERRA, TRABALHO, CIDADANIA E SOBERANIA.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • REGISTRO DO DIA NACIONAL DE LUTA, PARALISAÇÃO E PROTESTO, PATROCINADO PELO FORUM NACIONAL DE LUTA POR TERRA, TRABALHO, CIDADANIA E SOBERANIA.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/1999 - Página 30529
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • REGISTRO, DIA NACIONAL, LUTA, PARALISAÇÃO, PROTESTO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, OPOSIÇÃO, POLITICA SOCIO ECONOMICA, GOVERNO, DESTRUIÇÃO, PATRIMONIO PUBLICO, AUMENTO, DESEMPREGO, ECONOMIA INFORMAL.
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, AUMENTO, VIOLENCIA, IMPUNIDADE, CRIME ORGANIZADO, TRAFICO, DROGA, CORRUPÇÃO, GOVERNO.
  • REGISTRO, DADOS, ESTADOS, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, PROTESTO, IMPORTANCIA, ESTRUTURAÇÃO, LUTA, OPOSIÇÃO, LIBERALISMO.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, quero registrar hoje um fato importante, que é o Dia Nacional de Paralisação e Protesto.

O Fórum Nacional de Luta por Terra, Trabalho, Cidadania e Soberania marcou o dia de hoje como o “Dia Nacional de Paralisação e Protesto”. Assim, estão ocorrendo, nas mais diversas regiões, manifestações de toda ordem em protesto contra a política entreguista do Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso. Um Governo que, certamente, ficará registrado como o mais de destruidor e o maior traidor da História do País. Nunca, em tão pouco tempo, destruiu-se a riqueza e os valores nacionais, como vem ocorrendo nos últimos cinco anos.

Somos, hoje, um País amedrontado, trancafiado, tentando se esconder, na ilusão de proteção, dentro da própria casa, sem coragem nem para freqüentar os locais de lazer como as casas de espetáculos, convivendo com uma escalada de violência nunca imaginada, principalmente se considerando a chamada “índole pacífica” do povo brasileiro. Vivemos um momento de destruição do tecido social, em que o narcotráfico se mostra íntimo do poder e uma única quadrilha estende seus tentáculos por mais de 14 Estados da Federação. Um momento em que nossos jovens, desesperançados de alguma oportunidade futura, entregam-se à violência, à prostituição e às drogas.

Sr. Presidente, nosso País poderá se transformar numa nova Colômbia, com o narcotráfico se estabelecendo em cartéis, como o de Medellin, naquele país. Se na Colômbia existe uma guerra civil, no Brasil existe uma guerra civil não declarada. Em São Paulo, só no primeiro semestre, foram assassinadas 2.600 pessoas, quantidade que corresponde a uma guerra civil não declarada. Se isso acontece só numa cidade, considerando-se todo o Brasil, podemos imaginar quantos mil assassinatos ocorrem.

Hoje, no Brasil, há uma apologia da lei do mais forte e dos mais espertos, e a sociedade vem colhendo os amargos frutos desta política implementada nos últimos anos.

A violência não surge em vão. O desemprego, a concentração de renda e a exclusão social são fatores determinantes e estruturais dessa escalada da violência.

O desemprego é, sem dúvida, o grande problema do Brasil. Em tempos de estagnação econômica, as diferenças sociais crescem exponencialmente. Pesquisa da Unicamp mostra que o Brasil já tem 5% de todo o desemprego mundial, o que eqüivale a sete milhões de desempregados. Isso nos coloca em quarto lugar no mundo em número de desempregados, atrás de países como a Índia, a Indonésia e a Rússia. O mais grave é que caminhamos a passos largos para o segundo lugar da lista.

Desde que assumiu o Governo, FHC fez crescer acentuadamente a massa de desempregados, deixando os trabalhadores ainda mais pobres. Mesmo os dados oficiais não conseguem esconder essa realidade. Segundo levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego, nos últimos cinco anos, cerca de 1,5 milhão de trabalhadores perderam seus empregos. A maioria das vagas - 52% - foi fechada entre setembro de 1998 e fevereiro último.

No entanto, o Governo, irresponsavelmente, encara o desemprego como uma fatalidade, sem maiores explicações, querendo fazer crer que a política econômica adotada não tem nada a ver com questão tão séria. Freqüentemente, diz-se que o avanço tecnológico exige novas qualificações que os trabalhadores não têm. O problema, então, não seria de desemprego, mas de baixa “empregabilidade” do trabalhador brasileiro. Assim, a culpa é jogada sobre os ombros do próprios trabalhadores.

Outro fenômeno assustador é a informalização do mercado de trabalho. Estatísticas da Unicamp revelam que os trabalhadores informais representam hoje a metade do mercado brasileiro. São 25,2 milhões de pessoas, ou 48,4% do total de trabalhadores. Estão distribuídos no mercado informal tradicional (20,4 milhões) e no setor subcontratador - conceito desenvolvido para abrigar empresas que se dedicam à terceirização, prestação de serviços para o grande setor econômico (indústrias, serviço público), que também apresentam alarmantes índices de precariedade. São 4,8 milhões de trabalhadores nesta última categoria.

Entre 1990 e 1997, foram despejados no mercado 7,4 milhões de trabalhadores, sem qualquer proteção legal. Para se ter uma idéia, é mais do que o saldo de geração de postos de trabalho do setor não-agrícola da economia no período entre 1989 e 1996 (6,58 milhões de vagas). Neste ano, até agosto, o País já perdeu 38.644 postos de trabalho com carteira assinada, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho.

O número de empregados informais saltou de 14,9 milhões para 20,4 milhões entre 1990 e 1997 e o de subcontratados, de 3 milhões para 4,8 milhões.

O setor emprega hoje a metade do que empregava no início da década. O Brasil exportou empregos para os países-sede das multinacionais instaladas aqui, à medida que empresas passaram a fabricar cada uma das partes de um bem em continentes diferentes, aproveitando-se das diferenças entre os pisos salariais, carga tributária, isenções fiscais, entre outros fatores.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse ato de protesto que dá seqüência à Marcha dos Cem Mil, ao Ato em Defesa da Educação, à Marcha em Defesa da Saúde e à Marcha Popular pelo Brasil expressa a virada efetiva da conjuntura política.

Vou apresentar alguns números do protesto de hoje. Os petroleiros fizeram uma paralisação nacional das 6h às 9h. Em São Paulo, metrô e ônibus ficaram paralisados durante duas horas. Bancários e servidores públicos estaduais fizeram manifestações localizadas. Em Campinas, mais de 5.000 pessoas foram à praça pedir a saída do prefeito. O ato público em São Bernardo do Campo foi cancelado em função da chuva. No Rio de Janeiro, houve uma passeata pela Avenida Rio Branco, considerada razoável pelos organizadores. Em Minas Gerais, houve também uma manifestação no centro da cidade. Em Alagoas, houve duas rodovias paralisadas por trabalhadores sem-terra, ônibus urbanos parados e grande mobilização popular. Em Goiânia, houve paralisação dos trabalhadores da saúde e da educação. Em Pernambuco, paralisação da Caixa Econômica Federal e passeata com manifestação de 15 mil pessoas. No Rio Grande do Sul, paralisação dos ônibus em Porto Alegre, num ato massivo no centro da cidade, e pedágios franqueados à população. Várias cidades pararam no Estado, constituindo uma excelente manifestação. Em Florianópolis, houve passeata com mais de quatro mil pessoas pela manhã e à tarde. Esse é um relatório parcial das atividades do dia de hoje.

O Governo, que desde o início do mandato continuísta havia entrado na defensiva, hoje começa a deparar com um processo crescente de questionamento dotado de iniciativa, de ofensividade e de presença de massas. É nesse sentido que aponta tal evento de nítida oposição ao projeto neoliberal, às suas medidas e às forças conservadoras que o sustentam. O movimento foi realizado por uma multidão de militantes e setores avançados dos movimentos populares, em grande parte ligados direta ou indiretamente a entidades sociais e partidos políticos de esquerda; portanto, agentes de uma iniciativa orgânica.

O protesto caracteriza-se como um episódio de disputa global, sendo que alguns pontos programáticos de mudanças são realçados, tais como a suspensão do pagamento da dívida externa, a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais, o aumento de 10% dos salários para todos os trabalhadores e o fato de ser contra o projeto do Governo Federal para a Previdência Social, entre outras reivindicações.

As atuais mobilizações sociais marcam o início de um processo de ascensão das lutas econômicas e das políticas de massas.

As determinações do período que se abriu e da mudança na conjuntura possuem uma dimensão internacional. Na esfera econômica, a crise de longo curso do capitalismo, instalada nos anos 70, vem recrudescendo por meio de uma sucessão de abalos financeiros, cambiais e recessivos mais ou menos abrangentes. Concomitantemente, o ciclo neoliberal entrou em sua fase de esgotamento. As políticas que inspirou mostraram-se incapazes de resolver os grandes problemas do mundo contemporâneo, deixaram como saldo uma tragédia social raras vezes ocorrida na humanidade e sofrem contestações multilaterais, como atos massivos, abalos de governos, pronunciamentos eleitorais e até episódios mais ou menos duradouros de resistência armada, como na Colômbia.

O Brasil é um País em crise cercado por crises. A bancarrota local do neoliberalismo traduz-se na insistente desestabilização econômico-social em nome da estabilização monetária denominada Plano Real e no fracasso de uma administração paralisada durante todo o ano, diante de uma avalanche de críticas e manifestações multilaterais, que vão dos descontentamentos internos à sua própria base política e social de sustentação à atividade oposicionista dos Partidos de esquerda, de setores burgueses e sobretudo de mobilizações populares em fase de recrudescimento e ascenso. A tendência predominante é o aprofundamento da crise e do desgaste governamental.

Nesse sentido, o protesto representa o ensaio potente de unificação das ações oposicionistas do campo democrático-popular e seus aliados. Significa sobretudo a retomada da iniciativa autônoma de massas, especialmente proletárias, que recuperaram, pelo menos momentaneamente, a primazia do oposicionismo e das mobilizações, deixando claro o caminho para superar a fragmentação das lutas, as disputas menores e demais obstáculos à construção da unidade dos setores democráticos e populares para combater o Governo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/1999 - Página 30529