Discurso no Senado Federal

ABORDAGEM SOBRE FUTURO DO ABASTECIMENTO DE AGUA POTAVEL NO BRASIL E NO MUNDO, POR OCASIÃO DO ENCAMINHAMENTO AO CONGRESSO NACIONAL DO PROJETO DE LEI QUE CRIA A AGENCIA NACIONAL DE AGUAS - ANA.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • ABORDAGEM SOBRE FUTURO DO ABASTECIMENTO DE AGUA POTAVEL NO BRASIL E NO MUNDO, POR OCASIÃO DO ENCAMINHAMENTO AO CONGRESSO NACIONAL DO PROJETO DE LEI QUE CRIA A AGENCIA NACIONAL DE AGUAS - ANA.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/1999 - Página 30533
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • APOIO, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, AGUA, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, APREENSÃO, RISCOS, FALTA, RECURSOS HIDRICOS, MUNDO, PROVOCAÇÃO, CONFLITO, FUTURO.
  • NECESSIDADE, EDUCAÇÃO, UTILIZAÇÃO, AGUA, PRESERVAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, COMBATE, POLUIÇÃO, CONTAMINAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, PERDA.

O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, Durante os últimos três meses, particularmente em face do encaminhamento ao Congresso do projeto de lei destinado a criar a Agência Nacional de Águas - ANA, importantes jornais do País abordaram a questão da água potável no contexto do presente e do futuro, tanto em relação ao Brasil quanto aos demais países do mundo.  

Parece inacreditável, mas todas as matérias tonificaram as abordagens com significativo grau de preocupação. Preocupação diante da possibilidade real de o mundo encontrar-se às vésperas da escassez de água para utilização e consumo humanos. As apreensões sintetizam-se na afirmação de que a água será um dos principais pontos de conflito político e econômico do próximo milênio. Segundo especialistas e estudiosos do problema, "A escassez de água poderá representar, para o fim dos anos 90, o que os preços do petróleo representaram na década de 70: fonte de conflitos e um sério problema na economia global" (Sandra Postel, diretora do projeto global Política de Água, in Jornal do Brasil, de 17 de outubro de 1999). Para a Organização Meteorológica Mundial, hoje, trinta países no mundo já sofrem de escassez de água.  

No século vindouro, pelo menos dois terços da humanidade disporão de pouca água potável.  

Afirmações desse gênero soam inacreditáveis entre nós, porque, tanto na cultura popular quanto no âmbito da visão geral da sociedade, há uma arraigada tendência a considerar a água um bem inesgotável. A água seria infinita, até por força das chuvas que repõem os estoques constantemente.  

Atenção mais acurada sobre o problema, porém, revela-nos uma realidade diferente, contrária até: a água é um bem apenas renovável e, mais grave, sua disponibilidade no mundo vem diminuindo rapidamente, por força do aumento da população total do planeta, pela contaminação, pelo desperdício, pela devastação da natureza, pela redução do volume de nascentes, rios e lagos.  

De acordo com estudos feitos, em comparação aos anos setenta, a disponibilidade de água para cada habitante do planeta diminuiu um terço. Pelos anos cinqüenta deste século, cerca de vinte e três países no mundo já experimentavam uma situação crítica no que diz respeito à disponibilidade de água. A maioria desses países localizavam-se no Oriente Médio e na África, mas também em países da Europa, bem como em algumas regiões dos Estados Unidos e da América Latina. No Brasil, o Nordeste tem situação prototípica.  

A China, hoje com vinte e dois por cento dos habitantes da terra, dispõe de apenas oito por cento das reservas mundiais de água doce.  

Na Índia, o problema projeta-se com a mesma dramaticidade, pois seus recursos hídricos são escassos para satisfazer uma população em crescimento vertiginoso. O problema agrava-se quando à escassez de água se aliam pobreza e miséria, realidades que tornam mais difícil um trabalho coletivo de amadurecimento para a necessidade do uso racional desse bem fundamental à vida humana.  

No Brasil, e fora dos limites do Nordeste que há décadas padece do problema, a questão do uso racional e da preservação desse produto da natureza está apenas começando, mas já se prefigura preocupante se não forem revertidas as atitudes tradicionais da população quanto ao trato que deve ser dispensado à água.  

No contexto mundial, nosso País ocupa lugar privilegiado quanto à quantidade de água disponível. No Brasil, encontram-se aproximadamente doze por cento, um terço, das reservas de água doce da terra. Somente o rio Amazonas joga no oceano, anualmente, vinte por cento da água de todos os rios do mundo e detém cerca de trinta por cento de todas as reservas acessíveis de água doce.  

No entanto, pela fartura e conseqüente facilidade de acesso à água, sedimentou-se entre nós a mentalidade de que a água pode ser usada à vontade, sem preocupação quanto à quantidade. Além disso, com baixo ou sem nenhum custo para o usuário. Em razão dessa mentalidade, os brasileiros não se preocupam com o desperdício e inexiste uma consciência generalizada que se interrogue sobre as causas da deterioração e do esgotamento dos mananciais.  

A destruição indiscriminada das matas ciliares e das que circundam as nascentes, o assoreamento provocado transformaram rios outrora caudalosos em rios diminuídos, amargando a perspectiva de uma caminhada para o desaparecimento. O Paraíba do Sul, por exemplo, no passado, foi em grande parte navegável. E o São Francisco atualmente tem uma vazão consideravelmente menor do que a vazão de cinqüenta anos atrás.  

Outro fator extremamente grave: tornou-se difícil ver rio ou córrego que não tenha sido transformado em canal de esgoto e de lixo de todos os tipos. Entulho de construções, rejeitos domésticos, efluentes industriais, herbicidas, plásticos e garrafas de toda ordem, poluindo águas, tornando-as imprestáveis para utilização primária pelos seres vivos.  

Os resultados de uma situação assim se manifestam não somente na degradação do meio ambiente, mas também na saúde humana, de modo particular nas congestionadas e desestruturadas periferias urbanas. São milhões de pessoas em contato direto com água contaminada. Essa verdade mostra-se trágica quando se considera que apenas dez por cento da população brasileira são beneficiados por água adequadamente tratada.  

O mesmo estudo revela também que apenas dez por cento do esgoto urbano são tratados. Noventa por cento têm o destino que se vê nas ruas, nas praças, nos rios, nos terrenos baldios, longe e às portas das moradias.  

Tal situação, segundo dados de estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada - IPEA e divulgados pela imprensa nacional, causa ao Sistema de Único de Saúde - SUS um custo de 390 milhões de dólares anuais para tratar das doenças provocadas por veiculação hídrica.  

Os rios da Amazônia também não escapam do desgaste produzido pelo uso indevido de suas águas, leitos e margens. Garimpos, regulares e irregulares, poluem com metais pesados, desfazem margens e matam a fauna aquática, sem nenhum critério quanto à conservação e à necessidade de uso racional e sustentado dos bens naturais.  

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, um comportamento pautado apenas pelo hoje é um comportamento triste, porque predatório, porque movido tão somente pelo imediatismo determinado por uma existência sem solidariedade e sem futuro.  

Urge uma sólida tomada de consciência de toda a população para esse bem fundamental à humanidade materializado na água. Hoje, com a crise de água apenas no começo, dos seis bilhões de seres humanos, apenas um bilhão e seiscentos milhões de pessoas têm acesso a água potável.  

Se algo estratégico e fundamental para o bem-estar do mundo existe, esse bem é a água. É hora de a questão ser discutida seriamente em nosso País. A persistir o atual comportamento relativamente ao tratamento dispensado à água, o Brasil será dono e dilapidador de um tesouro que, no futuro, poderá ter mais valor do que as atuais reservas petrolíferas dos países produtores desse combustível. Oxalá a criação da Agência Nacional de Águas produza soluções competentes para o encaminhamento adequado e duradouro do problema relacionado com a disponibilidade, conservação e uso da água doce. Sem dúvida nenhuma, cabe ao Congresso Nacional um papel fundamental no correto equacionamento desse assunto, equacionamento que está a exigir ação imediata.  

Era o que tinha a dizer!  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/1999 - Página 30533