Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE MAIOR DOTAÇÃO ORÇAMENTARIA PARA O PROGRAMA CALHA NORTE. DEFESA DAS COMUNIDADES INDIGENAS.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA INDIGENISTA.:
  • NECESSIDADE DE MAIOR DOTAÇÃO ORÇAMENTARIA PARA O PROGRAMA CALHA NORTE. DEFESA DAS COMUNIDADES INDIGENAS.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/1999 - Página 30802
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ANALISE, PROJETO DE LEI ORÇAMENTARIA, PLANO PLURIANUAL (PPA), AMBITO, INFERIORIDADE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, PROGRAMA, PROTEÇÃO, FRONTEIRA, REGIÃO NORTE, EXCESSO, DIVISÃO, RECURSOS, INSUFICIENCIA, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, REGIÃO.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, COMISSÃO MISTA ESPECIAL, AVALIAÇÃO, PROGRAMA, PROTEÇÃO, FRONTEIRA, REGIÃO NORTE, COMENTARIO, ATUALIDADE, CONCLUSÃO, ABANDONO, FALTA, VONTADE, CLASSE POLITICA, CUMPRIMENTO, OBJETIVO, OCUPAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DO EXERCITO (ME), ESFORÇO, MANUTENÇÃO, PROGRAMA, FRONTEIRA, REGIÃO NORTE.
  • DEFESA, URGENCIA, AUMENTO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, PROGRAMA, GARANTIA, SOBERANIA NACIONAL, REGIÃO NORTE, SOLICITAÇÃO, MEMBROS, COMISSÃO, ORÇAMENTO, APROVAÇÃO, EMENDA, BANCADA, REGIÃO AMAZONICA.
  • QUESTIONAMENTO, SUPERIORIDADE, DIMENSÃO, RESERVA INDIGENA, INCAPACIDADE, VIDA, INDIO, ESPECIFICAÇÃO, SITUAÇÃO, MISERIA, TRIBO YANOMAMI.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente Srªs e Srs. Senadores, no início do mês de setembro, uma semana após a manifestação do Presidente Fernando Henrique Cardoso de que faria dotação orçamentária para a continuidade do Programa Calha Norte, chegou às nossas mãos o Projeto de Lei Orçamentária para o próximo ano 2000. Sem dúvida, lá estão inseridas dotações ao Calha Norte. A bem da verdade, não no montante que esperávamos, mas, pelo menos, bem melhor do que a dotação zero que, ano passado, simplesmente varreu do orçamento um programa do alcance do Calha Norte. No PLN, para o orçamento do ano 2000, da forma que veio do Executivo, constam exatos R$3,763 milhões, diluídos em 11 programas distintos, assim resumidos: atendimento com material didático e equipamento escolar às comunidades carentes, indígenas e isoladas na região; manutenção de embarcações, aeródromos e pequenas centrais elétricas; manutenção da infra-estrutura instalada nos pelotões especiais de fronteira; conservação de rodovias e estudos dos problemas e das demandas da região.  

Em princípio, considerada como positiva a iniciativa do Presidente Fernando Henrique, se nos aprofundarmos na questão iremos perceber que tais recursos foram atomizados a tal ponto que muito pouco servirão às reais e urgentes necessidades do Programa Calha Norte.  

Mais preocupante ainda é a previsão orçamentária do PPA, nosso Plano Plurianual para os próximos quatro anos, onde é ínfima a previsão orçamentária para o Calha Norte. Na primeira versão apresentada pelo Executivo, foram inseridos exatos R$15.881.800,00, ou seja, uma previsão antecipada de pouco mais de R$3 milhões anuais para o Calha Norte, atomizados em 15 programas distintos.  

Uma lástima, para dizer o mínimo.  

Diante do potencial amazônico e pelo que significa aquela região para nosso País, tais recursos se comparam a um copo d’água no oceano de nossas reais necessidades.  

Conheço de perto a região desde os anos 80, antes mesmo de ser eleita Deputada constituinte. Desde aquele tempo, retirados os dois primeiros anos de sua criação, o Programa Calha Norte já se deteriorava e sofria as primeiras corrosões do abandono, cujo processo foi continuado a ponto de chegarmos onde chegamos: ao seu quase completo e total abandono.  

Em 1993, também preocupada com a situação a que fora relegado o programa, tomei uma iniciativa e assinei um requerimento pedindo a instalação de uma comissão especial mista para reavaliar o Calha Norte. Aprovamos o requerimento e, naquele mesmo ano, em 23 de maio, instalamos a comissão. Com muita honra, durante os quase três anos de funcionamento da Comissão, participei como Presidente numa primeira etapa e como Relatora até o encerramento dos trabalhos em dezembro de 1996.  

Essas lembranças, apenas as faço para dizer que, ainda hoje, caso V. Exªs tenham a curiosidade de ler o relatório final, perceberão que continuam atualíssimas as conclusões a que chegamos.  

Sr. Presidente, meus nobres Pares, o Programa Calha Norte, a rigor um programa que nasceu pela necessidade de se promover a ocupação racional de nossa Amazônia e buscar alternativas para minimizar as desigualdades regionais sucumbe por absoluta falta de recursos. Por quê? Muitas podem ser e são as respostas. Mas a pior delas é aquela que sobre nós recai e não temos como justificar: pela falta de vontade e decisão políticas.  

Com recursos iniciais de 629 milhões de cruzados, a moeda da época - hoje em torno de R$20 milhões -, o programa cumpriu rigorosamente seus objetivos de primeira etapa: construiu, ampliou e asfaltou 22 pistas de pouso distribuídas nos Estados do Amapá, Roraima, Amazonas e Pará. Construiu bases navais, quartéis, conjuntos habitacionais, postos de saúde, escolas e hospitais; reequipou instalações militares; adquiriu barcos para transporte; recuperou e abriu estradas... enfim, implementou os instrumentos necessários para a presença humana e condições de trabalho.  

O projeto-piloto, o marco do início do Calha Norte, aconteceu em Tabatinga, no Amazonas. Lá se construiu um moderno centro administrativo, um entreposto pesqueiro, um auditório comunitário e uma avenida de 3,5 Km, de dupla via, com canteiro central, ligando Tabatinga à cidade de Letícia, na Colômbia. Foram construídos e reformados prédios onde até hoje estão funcionando postos de serviço da Previdência Social, Receita Federal e Polícias Federal e Militar. Foi elaborado um plano-diretor para a cidade e foram implantados os sistemas de limpeza urbana, captação e distribuição de água. Tabatinga, graças ao Programa Calha-Norte, possui água tratada e esgoto sanitário em 70% da área urbana, além de um amplo hospital com modernas instalações, mantido pelo Exército.  

Infelizmente, o declínio nos investimentos do Programa Calha Norte começou três anos após sua criação, quando caiu para 40% da dotação inicial. Em 1988, essa redução veio a 12,4%; em 1989 e 1990 ficaram mantidos em 6%, para, finalmente, a partir de 1991 e anos subseqüentes, estagnar em torno de 3% dos valores iniciais. A partir de então, os recursos destinados ao Calha Norte nunca mais foram suficientes sequer para a manutenção das unidades e equipamentos instalados. Em conseqüência disso, ocorreu o inevitável abandono e sucateamento de tantos bens e serviços.  

É com tristeza que observo - e acredito que todos os colegas da Região Norte comigo compartilham desse pensamento - que a persistir essa ausência de recursos orçamentários, o Calha Norte não sobreviverá à virada do milênio.  

Por longo tempo, infeliz e erroneamente, o programa foi estigmatizado como um projeto militar. Nunca o foi e continua não sendo.  

Criado em 1985, envolveu os Ministérios do Planejamento, Relações Exteriores, Fazenda, Educação, Saúde, os Ministérios militares e o extinto Ministério do Interior. Sobre os militares, talvez, recaia a maior responsabilidade, em virtude da presença pontual dos pelotões de fronteiras, disseminados ao longo das linhas de limite entre os países vizinhos e o nosso.  

Não acho demais dizer aqui que só não ocorreu ainda a paralisação desse importante programa devido ao estoicismo daqueles poucos brasileiros civis e fardados que lá permanecem, acredito, movidos pela fé na realização de um sonho.  

Muito ainda falta fazer e recursos são exigidos urgentemente para uma imediata aplicação em infra-estrutura viária; implantação de centrais de energia elétrica; centros de telecomunicações e outras necessidades básicas à permanência do homem na hostilidade natural da floresta.  

Também urgentes são as verbas que permitam os trabalhos de inspeção, recuperação e adensamento de marcos demarcatórios nos quase 6 mil quilômetros da linha de fronteira norte, além dos recursos indispensáveis para a construção de aeródromos; a recuperação e pavimentação de pistas de pouso; a construção de navios, ampliação de cais flutuantes e aquisição de helicópteros.  

Mais urgente ainda são as verbas para a reforma, conclusão e construção de novos postos avançados e para a manutenção da saúde, educação, proteção e assistência não só às comunidades indígenas, mas extensivas aos núcleos populacionais ribeirinhos, urbanos e rurais, localizados ao longo da faixa de fronteira. Esses valorosos e humildes brasileiros se habituaram a benefícios sociais tais como as campanhas de vacinação, o acesso à educação e as vantagens de uma assistência médico-sanitária-odontológica.  

Precisamos, para o próximo orçamento, mais do que R$3,7 milhões. Precisamos, no mínimo, de R$11,5 milhões para reiniciarmos os passos estancados em 1988. Precisamos, sim, chegar aos 20 milhões anuais, destinados durante os anos de 85, 86 e 87, para que esse programa continue a trilhar os caminhos corretos do desenvolvimento ordenado e racional da Amazônia, numa região onde a iniciativa privada não fará investimentos por falta de infra-estrutura e de um mercado consumidor.  

Essa preocupação com o Programa Calha Norte, pela sua característica dominante de elemento vivificador de nossas fronteiras, sobreleva em importância e atualidade, diante das arremetidas dos países ricos, contestando a soberania brasileira sobre a Amazônia, hoje, segundo eles, um patrimônio da humanidade.  

Em julho de 1997, desta mesma tribuna, fiz longo relato sobre as inúmeras manifestações infelizes de líderes mundiais em respeito a nossa Amazônia. Lincoln, presidente norte-americano, em 1862, sugeriu a criação do Estado Soberano da Amazônia. Al Gore, Vice-Presidente dos Estados Unidos, em 1989, afirmou literalmente que "ao contrário do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é deles, mas de todos nós". Outro americano, o todo-poderoso Secretário de Estado Henry Kissinger, em 1994, incitou os países industrializados a pressionar no sentido de que os recursos naturais não renováveis do Planeta fossem colocados à sua disposição.  

Será que devemos esquecer as palavras de Margareth Tatcher, a Dama de Ferro inglesa, que, em 1983, sugeriu aos países endividados - entre eles o Brasil - que pagassem seus débitos com parte de seus territórios? Como também esquecer o que disse o Presidente François Miterrand, em 1989, que nosso País deveria aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia?  

Em 1992, duas outras infelizes manifestações o mundo inteiro ouviu. A primeira, dita pelo Presidente russo, Gorbachev, que, alto e bom som, afirmou que o Brasil deveria delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia a organismos internacionais competentes. A segunda frase veio de Jonh Major, primeiro-ministro inglês, que, literalmente, afirmou: "As soberanias dos países amazônicos sobre a região deve ser limitada, inclusive ensejando a força militar, se necessário for".  

Mais recentemente, ouvimos do atual Presidente norte-americano, Bill Cliton, a afirmativa de que "os países desenvolvidos precisam cuidar das florestas do mundo e do ar que todos respiram".  

Essas, Sr. Presidente e meus nobre Pares, são apenas algumas dentre incontáveis outras manifestações gravíssimas. Merecem maior destaque em virtude das pessoas que as disseram. Devagar, mas inexoravelmente, tais palavras, aos poucos, vão materializando ações. Com a globalização da economia e o novo conceito de soberania relativa, uma ameaça grave paira sobre a nossa Amazônia

 

Hoje, não é mais segredo nenhum, os Estados Unidos têm uma base militar na República da Guiana, negociam uma outra com a Venezuela e mobilizam-se para o combate à guerrilha e ao narcotráfico na Colômbia. Existe, portanto, um discreto posicionamento de efetivos estrangeiros no entorno da porção setentrional brasileira. Não podemos desdenhar esses perigos, nem tampouco mergulhar a cabeça na areia como fazem os avestruzes diante das tempestades.  

O Calha Norte é, induvidosamente, um notável instrumento para contrapor-se a esses desafios. Ele vivifica, humaniza e fortalece nossas fronteiras. Por tudo isso, confio na continuidade do programa, confio no espírito de justiça desta Casa e confio na união de todos os colegas no sentido de que o próximo Orçamento da União, inserido das emendas que sobrelevam as dotações do Calha Norte, atenda às suas reais necessidades.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - V. Exª me permite um aparte?  

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Com prazer, ouço V. Exª.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - Inicialmente, parabenizo V. Exª por este pronunciamento que, sei, é mais um que reiteradamente V. Exª faz nesta Casa - assim como nós todos da Bancada Amazônica -, alertando e mostrando à Nação o abandono em que se encontra essa imensa Região Amazônica, que responde por quase dois terços do País. Lamentavelmente, a elite política, econômica e cultural deste País tem olhos apenas para o litoral, para a beleza do mar, esquecendo-se desse imenso continente que é a Amazônia. Ao longo dessas décadas, nós que lá vivemos, labutamos e brigamos por mudanças nessa situação geopolítica do País, não temos feito outra coisa senão denunciar e mostrar com clareza - como V. Exª faz hoje - a necessidade que tem a Nação brasileira de, efetivamente, ocupar a Amazônia no sentido verdadeiro. Hoje, não se fala mais na cobiça internacional, como V. Exª frisou em determinado ponto do seu pronunciamento. Na verdade, hoje, já se faz uma operação de internacionalização da Amazônia sob várias vertentes: a vertente ambientalista, que coloca para a opinião pública que nós que lá vivemos, 20 milhões de habitantes, não sabemos dela cuidar; a vertente indigenista, segundo a qual os índios precisam de vastas áreas para viverem, além de não serem dadas a eles condições de melhoria na questão da saúde e da educação. É preciso, realmente - mesmo que haja, às vezes, uma desesperança em função de tanto se falar e pouco se ver de resultado -, que continuemos, nesta Casa, fazendo a nossa parte. Também parabenizo V. Exª por citar a importância do Programa Calha Norte, que, diria, começou a ressuscitar com este Orçamento, embora ainda seja uma pálida contribuição a um programa de tanta importância.  

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Agradeço o aparte do nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, pois, além de sermos colegas nesta Casa, pertencemos ao mesmo Estado, portanto, à mesma Região. S. Exª, tão logo aqui chegou, também levantou essa bandeira com a finalidade de salvarmos a nossa Amazônia.  

Portanto, mais uma vez, desta tribuna, apelo não apenas aos Senadores da Região Amazônica, mas a todos os 81 Senadores da República, porque a Amazônia é brasileira, ela não pertence apenas à Região Norte. Ela é o que de mais rico temos, de mais sólido, de mais abundante. Trata-se de uma região ainda não explorada, onde se poderia, com uma infra-estrutura, salvar milhares de brasileiros que vivem por este País afora sem emprego, sem um lugar ao sol, brigando por um pedaço de terra. Sabemos que na Amazônia há terra sobrando. Temos apenas 20 milhões de habitantes, o que é pouco em relação à extensão de nossas terras.  

Sr. Presidente, apesar de todo o respeito que tenho pela ex-Ministra Margareth Thatcher, causaram-me grande indignação suas palavras sobre a nossa Amazônia, que ela deveria ser entregue para que países competentes a administrassem. Ou seja, nós não temos competência para administrar a Amazônia, segundo a ex-primeira-ministra inglesa. E por que a nossa competência é falha? Porque não há investimentos. Com poucos investimentos que tivéssemos o retorno seria muito rápido. Quantos países, incluindo os sete do Primeiro Mundo, não ambicionam ter em seu território uma Amazônia?. E nós, que recebemos de Deus aquela Região tão importante, estamos a negligenciá-la. Realmente, estamos corroborando para que aconteça o que os dirigentes dos outros países estão a desejar, simplesmente por omissão. E não é que faltem recursos ao Brasil para investir naquela região. Quantos créditos são votados nesta Casa e no Congresso Naciona? Precisaríamos de apenas 5% para investir na Amazônia!  

Como disse no início do meu pronunciamento, o Orçamento do ano passado destinou dotação zero ao Programa Calha Norte. Ele só não se extinguiu porque consegui aprovar R$3 milhões por intermédio de uma emenda da Bancada do Norte. Este ano, apresentaram emendas os Senadores Mozarildo Cavalcanti, Gilberto Mestrinho, Romeu Tuma e esta Senadora que vos fala. Fez-se, então, uma fusão, e hoje temos uma emenda de R$25 milhões para ser aprovada.  

Sr. Presidente, aproveito o momento para solicitar aos nobres Pares que fazem parte da Comissão de Orçamento que aprovem, na íntegra, os R$25 milhões, a fim de darmos continuidade ao Programa Calha Norte, que é tão importante. Aquelas fronteiras não podem continuar abandonadas indefinidamente, sem fiscalização.  

Como disse o Senador Mozarildo Cavalcanti, querem dar tanta terra para os índios! Não sou contra. Mesmo porque foi exatamente na administração de Ottomar de Souza Pinto, nos idos de 1979/83, que várias áreas foram demarcadas sem a necessidade de toda essa extensão de terra. Inclusive os governadores davam sempre a oportunidade de os índios trabalharem. Porém, o que não é lícito é fazer o que fizeram com os ianomâmis: deram-lhes uma área tão extensa, para satisfazer os estrangeiros, e lá deixam os pobres índios à mercê da fome e da miséria total.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - V. Exª me permite um outro aparte?  

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Pois não, após concluir o meu pensamento, concederei o aparte a V. Exª, com muito prazer.  

Sr. Presidente, se não existisse, na área dos surucucus, um pelotão de fronteira do Exército, tenho certeza de que não mais existiria aquela comunidade indígena, já que eles não teriam condições de sobrevivência sem o apoio daquele pelotão. Refiro-me não só à alimentação, mas à saúde daquela comunidade. Os médicos prestam ali seus serviços, como também as esposas dos oficiais, ainda tão jovens, que acompanham as índias gestantes para que, no momento de darem à luz, não deixem seus filhos na floresta. Tenho conhecimento disso pois já fui muitas e muitas vezes àquela região. Muitas vezes são encontradas crianças já mortas em razão do ataque de formigas e insetos.  

O SR. PRESIDENTE (Agnelo Alves) - Aviso à nobre oradora que o seu tempo está findo.  

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Obrigada, Sr. Presidente.  

Solicito alguns minutos mais para ouvir um novo aparte do Senador Mozarildo e para concluir o meu discurso.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - Senadora Marluce Pinto, apenas para complementar o que V. Exª dizia e deixar clara a questão de muita terra para pouco índio. Na verdade, não é bem um pensamento geral, nem eu penso exatamente assim. O que acho é que não foram os índios que reivindicaram essas extensões de terra; foram organizações não-governamentais, falando, sem procuração, em nome dos índios, que reivindicaram e conseguiram essas extensões indevidas para, num futuro próximo, reivindicar não a proteção aos índios, mas a exploração mineral dos recursos que lá existem e impedir a biopirataria, que já está ocorrendo. Vemos, por exemplo, que, na Raposa Serra do Sol, mais de 60% dos índios que lá vivem não querem a demarcação contínua. Entretanto, Organizações Não-Governamentais, manobrando algumas lideranças indígenas, que são minoritárias, reivindicam uma extensão enorme, contrariando, inclusive, o pensamento da maioria dos índios. É preciso deixar claro para a Nação brasileira que, quando protestamos contra a forma da demarcação, nós o fazemos não porque sejamos contra a concessão de terra para os índios, mas porque, na verdade, por trás disso está o interesse internacional de organizações que querem explorar as riquezas que lá existem e não proteger os índios.  

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Mais uma vez, agradeço a V. Exª pelo aparte, que foi muito oportuno. Mas quero fazer um esclarecimento à Nação: quando eu disse que há muita terra para pouco índio, usei de uma força de expressão, porque são 20 milhões de hectares de terra! O que foi reservado para os ianomâmis é bem maior do que a área de muitos países ou de muitos Estados do nosso País.  

Eu assim falo - e V. Exª sabe disso - porque mantemos contato não apenas com os Tuxauas, mas com os índios de cada região, com cada comunidade indígena do nosso Estado. São eles que nos perguntam: "De que adianta tanta terra se não temos nem a semente para plantar, se não temos sequer condições de sobrevivência?".  

Então, é isso que quero que a Nação, aqueles que estão me ouvindo, entendam. Os índios precisam realmente de muito mais terra do que os que não são índios para viverem, até por causa dos seus costumes, das suas culturas. Eles são nômades, embora, na nossa região e em todo o Brasil, os verdadeiros silvícolas sejam os ianomâmis. Até mesmo os habitantes daquela região, Raposa Serra do Sol - e V. Exª sabe tão bem quanto eu -, são civilizados; é a maior comunidade indígena daquela região. O Vice-Prefeito é um índio; o diretor da escola de 2º grau, que é uma escola pública, é índio; os professores, em sua grande maioria, são índios, como também o são os atendentes de enfermagem e os motoristas. Enfim, são pessoas que vivem praticamente como vivemos. Eles precisam de igualdade de condições, especialmente no trabalho, para que possam realmente contribuir para o desenvolvimento não só daquele Estado como de toda a Nação brasileira.

 

Como meu tempo já se esgotou, Sr. Presidente, darei por encerrado o meu discurso. E digo a V. Exªs que jamais ficarei omissa tanto na defesa do Programa Calha Norte quanto na defesa dos nossos índios. Digo, com convicção, sem temer que qualquer índio possa dizer o contrário, que, desde os idos de 1979, quando lá chegamos, nunca nos voltamos tanto para uma comunidade como para as comunidades indígenas do Estado de Roraima.  

Muito obrigada, Sr. Presidente e meus nobres Colegas.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/1999 - Página 30802