Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AO ARTIGO DO JORNALISTA CARLOS CHAGAS, PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, EDIÇÃO DE HOJE, INTITULADO 'O NOVO BOTE DOS SETE RICOS', SOBRE O INTERESSE DOS PAISES RICOS EM ESTABELECER PARCERIAS RELATIVAS A FLORESTA AMAZONICA. CONSIDERAÇÕES SOBRE A FUNAI.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. POLITICA INDIGENISTA.:
  • COMENTARIOS AO ARTIGO DO JORNALISTA CARLOS CHAGAS, PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, EDIÇÃO DE HOJE, INTITULADO 'O NOVO BOTE DOS SETE RICOS', SOBRE O INTERESSE DOS PAISES RICOS EM ESTABELECER PARCERIAS RELATIVAS A FLORESTA AMAZONICA. CONSIDERAÇÕES SOBRE A FUNAI.
Aparteantes
Edison Lobão, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/1999 - Página 30818
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, CARLOS CHAGAS (MG), JORNALISTA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), ASSUNTO, REUNIÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CHEFE DE ESTADO, PAIS ESTRANGEIRO, PRIMEIRO MUNDO, DEBATE, PROPOSTA, ABATIMENTO, DIVIDA EXTERNA, TROCA, PARCERIA, PRESERVAÇÃO, FLORESTA AMAZONICA.
  • APREENSÃO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), IMPRENSA, AMBITO INTERNACIONAL, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, REGIÃO AMAZONICA, MOTIVO, INTERESSE, PAIS ESTRANGEIRO, CONTROLE, RECURSOS HIDRICOS, RECURSOS NATURAIS, MINERIO.
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, DEBATE, ASSUNTO, REGIÃO AMAZONICA, PROMOÇÃO, ESTADO-MAIOR, FORÇAS ARMADAS, SEMINARIO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REGISTRO, REUNIÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, SENADO.
  • REGISTRO, POSSE, CARLOS MARES, PRESIDENCIA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), SOLICITAÇÃO, ATENÇÃO, ATENDIMENTO, LIDERANÇA, TRIBO, DEFESA, INDEPENDENCIA, INDIO, RELAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Marluce Pinto, Srªs e Srs. Senadores, no meu pronunciamento de hoje, quero começar lendo alguns trechos de um artigo publicado pelo jornalista Carlos Chagas, no jornal Correio Braziliense , intitulado "O Novo Bote dos Sete Ricos". Comenta ele:  

O presidente Fernando Henrique sentiu-se honrado com o convite e estará viajando para Florença, na Itália, para, no próximo dia 16, debater com os chefes de governo dos sete países mais ricos do mundo o estabelecimento de "parcerias" relativas à floresta amazônica. A isca que eles oferecem é o abatimento de parte de nossa dívida externa em troca de compromissos e, mesmo sem explicitar, de uma espécie de cessão parcial de nossa soberania, em nome da preservação do que chamam de pulmão do mundo.  

Devastaram suas florestas, há séculos, e agora pretendem que nenhum projeto de desenvolvimento agrícola ou industrial seja implantado nas nossas, pelo menos sem sua concordância ou licença. Argumentam que aquele imensurável monte de árvores produz oxigênio para a humanidade respirar, esquecidos de que isso acontece durante o dia, porque à noite a produção é mesmo de dióxido de carbono, altamente tóxico.  

Não é de hoje que os ricos intentam internacionalizar a Amazônia. Repetem que ela pertence ao mundo, tornando-se imprescindível sua preservação integral para o que resta do equilíbrio ecológico não sair pelo ralo. Não aceitam as queimadas. Nós também não, exceto aquelas que, feitas ordenada e cientificamente, servem para ampliar as faixas de produção agrícola. Até porque tudo o que o fogo consome na região, a natureza repõe em pouco tempo. Basta olhar para o leito da defunta rodovia Transamazônica.  

Na verdade, o oxigênio é chamariz, porque o tesouro verdadeiro, aquele que de verdade cobiçam, está na flora, no subsolo e, em especial, nas bacias hidrográficas. Vai faltar água potável no planeta no próximo milênio, tendo revistas especializadas do Hemisfério Norte, entre elas a Science, publicado que os 25 milhões de habitantes da bacia amazônica "não merecem deter um terço da água doce disponível nos cinco continentes". Boa parte do restante está no Pólo Norte. Para ser utilizada seria preciso dissolver o gelo, ou seja, arriscar-se a ver inundadas quase todas as cidades litorâneas do Atlântico e, quem sabe, do Pacífico.  

Por conta disso inúmeras organizações não-governamentais, umas ingênuas, outras malandras, são subsidiadas pelos governos e pelas multinacionais dos países ricos para defender a formação de nações indígenas independentes nas fronteiras do Brasil com a Guiana, a Venezuela, a Colômbia e o Peru. Onde existirem tribos nômades, que passam daqui para lá e de lá para cá, a estratégia será considerá-las desligadas da soberania brasileira, colocando-as sob a proteção das Nações Unidas. Ou da Organização dos Estados Americanos. De preferência onde existirem grandes reservas de minerais nobres, como o nióbio utilizado na fabricação de mísseis e foguetes, do qual a Amazônia brasileira detém 90% do total mundial.  

De tabela, ainda incentivarão "pesquisas científicas", eufemismo para abrir a floresta aos laboratórios internacionais e tirar lucro e proveito econômico de vasta e desconhecida riqueza vegetal, capaz de substituir com vantagem boa parte dos medicamentos ortodoxos, dado que a medicina natural sempre será mais barata e mais eficaz. Sem nenhum direito devido ao Brasil, é claro.  

Só não vê quem não quer. Faz anos que os principais líderes mundiais vêm preparando o espírito da comunidade internacional para o assalto final. De Bill Clinton a Al Gore, do falecido François Mitterrand a Mikail Gorbachev, sem esquecer a bruxa transformada em baronesa, Margaret Thatcher, e até o ex-socialista Felipe Gonzalez – todos sustentam a "soberania relativa".  

Mas tem mais. A televisão a cabo, que atinge os cinco continentes, continua inundada de documentários e de publicidade institucional apresentando-nos como país irresponsável e a Amazônia como região povoada por incompetentes depredadores da natureza. Ainda esses dias a CNN mostrou queimadas em Rondônia, como se ocorressem na Amazônia inteira, entre chocantes imagens de crianças barrigudas e desdentadas. O filme conclui com o apelo de um desses japoneses energúmenos a serviço dos americanos, clamando por uma ação internacional conjunta em condições de evitar tamanha desgraça. Até o Robocop, esse abominável assassino de metal, foi visto retornando da "guerrilha da Amazônia", sem falar no Homem-Aranha ou nos milhares de adesivos colados em carros ingleses, belgas e holandeses, indagando do transeunte desavisado se "ele já matou o seu brasileiro esta manhã?"  

Deve o presidente Fernando Henrique preparar-se para repelir cada uma dessas investidas, por certo incrustradas nas entrelinhas das melosas propostas que receberá do chamado G-7.  

Agora, uma coincidência: no mesmo dia em que o presidente estiver voando para a Itália, será inaugurado, no Rio, um seminário sobre a Amazônia, promovido pelo Estado-Maior das Forças Armadas. O objetivo é discutir a estratégia de desenvolvimento e os meios de preservação de nossa soberania na região. Os maiores estudiosos do assunto estarão presentes. Pena não haver, no governo, ninguém com coragem para propor a inclusão, na comitiva de Fernando Henrique, de alguns oficiais do Emfa. Quem sabe eles pudessem assessorá-lo no diálogo sobre a "parceria" nas florestas amazônicas, deixando claro ser a questão, também, de caráter militar..."  

Esse artigo foi escrito por um jornalista de renome nacional e internacional, o Sr. Carlos Chagas. Coincide plenamente, Srª Presidente, com o discurso que V. Exª acabou de fazer, com o discurso que todos nós, da Bancada Amazônica, temos feito reiteradamente deste plenário. No entanto, parece que estamos falando para um Governo e uma sociedade mouca, surda, que teima em não ver o que está acontecendo. Talvez, só se conscientize quando a Amazônia não for mais brasileira. Isso não é novidade no mundo, está a acontecer na Europa e na África.  

Srª Presidente, até como uma conseqüência deste artigo, quero falar também sobre o seminário que vem sendo desenvolvido pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado sobre a Amazônia. Já ouvimos algumas personalidades e, na semana que vem, deverão comparecer àquela Comissão o Ministro da Defesa, o Superintendente da Sudam e outras personalidades ligadas ao desenvolvimento da região e à sua soberania.  

Na última reunião, fiquei indignado ao constatar que o Greenpeace tinha sido convidado para opinar sobre a Amazônia. Antes que o representante daquela organização começasse a falar, pedi licença ao Presidente José Sarney para me retirar da reunião, porque, como homem da Amazônia, eu não poderia convalidar, com a minha presença, que um representante de uma instituição internacional duvidosa desse palpite sobre a Amazônia. E assim ele o fez, afirmando, inclusive, que o Brasil precisa ser pago para preservar a região como está.  

Ora, os componentes do G-7, que são aqueles mesmos que descobriram o Brasil, que o exploraram, que retiraram o pau-brasil, escravizaram e mataram os índios, roubaram nossos minerais, e assim o fizeram em todos os países da América Latina espanhóis, portugueses, franceses, holandeses, querem agora proteger a nossa floresta amazônica!? É muita bondade. E, como diz o adágio popular, quando a esmola é grande o santo desconfia.  

Quero, ainda, registrar a posse, hoje, do vigésimo quinto Presidente da Funai, entidade cuja extinção defendi num projeto apresentado por mim quando assumi o meu mandato, já que o órgão não atende às finalidades para as quais foi criado. Oriunda do antigo SPI – Serviço de Proteção ao Índio –, a Funai, não por inépcia ou despreparo dos seus funcionários, na sua grande maioria pessoas de bem, realmente preocupadas com a causa legítima dos índios, mas pela atuação das ONGs, foi paulatinamente sendo esvaziada e corrompida, passando a ser uma figurante de terceira categoria no cenário da assistência ao índio brasileiro.  

Quando assume um novo presidente, há sempre a idéia de que há um novo alento. Não conheço o Dr. Carlos Marés, cuja indicação, segundo as informações de que disponho, foi fruto de articulação de algumas entidades não-governamentais. Já solicitei uma audiência com o S. Sª, para levar-lhe não só minhas preocupações como também minhas convicções sobre a questão indígena. Tal questão é uma das vertentes da problemática da atual dominação da Amazônia, que, casada com a questão ambientalista, faz exatamente o que os grandes grupos internacionais representados pelo G-7 querem: manter a Amazônia intocada para explorar seus minerais e sua grande potencialidade de água. Está sabido e comprovadamente dito e repetido, no Brasil e no mundo, que eles querem nos colocar como irresponsáveis e incapazes de gerir a Amazônia e de ter soberania sobre a região.  

Ora, quem fez esse julgamento? Foram eles, os europeus, os elementos que compõem o G-7. No entanto, foram eles também que fizeram, em todo o continente americano, a devastação que hoje ainda constatamos.  

Quero aproveitar, já que registro a posse do novo presidente da Funai, para pedir-lhe que ouça os índios diretamente, que ouça suas lideranças, porque elas são muito capazes. Existem advogados, antropólogos, enfim, existem inúmeros indígenas com curso superior e outros que não têm curso superior mas que têm a faculdade da vida, da aldeia, que têm conhecimento de como é que o índio vive. É preciso que esses índios sejam ouvidos diretamente. A Funai existe para ouvir e atender o índio e não para ouvir e atender falsos procuradores dos índios. Há muita gente ganhando dinheiro à custa da questão indígena.  

Tenho, inclusive, em mãos, uma carta de um grupo de comunidades indígenas dirigida ao Presidente da Funai, que a fará chegar até S. Sª. No entanto, quero exigir, neste momento, do Dr. Carlos Marés, que casse a procuração dessas entidades que se dizem procuradoras dos índios, porque os nossos índios, repito, estão num estágio em que podem dizer o que querem – e eles sabem o querem, como, aliás, sempre souberam. Hoje, nós temos, de acordo com a necessidade do mundo atual, índios preparados inclusive para serem presidentes da Funai. O Presidente Fernando Henrique Cardoso faria uma grande homenagem ao índio brasileiro no ano em que o Brasil vai completar 500 anos do Descobrimento, dando aos índios, pelo menos, o direito de conduzir o órgão que cuida dos seus interesses, a Funai. Existem inúmeros índios, repito, com curso superior e com capacidade e conhecimento para dirigir a Funai.

 

Espero que essa sugestão coincida com a data do aniversário do Descobrimento do Brasil, num gesto simbólico de que a nação brasileira reconhece que quem tem que cuidar dos índios são os próprios índios, mesmo que com a nossa ajuda. Ninguém melhor que eles. Não são "procuradores" de índios que podem falar por eles.  

Só para ilustrar, Srª Presidente, Srs. Senadores, tenho aqui uma relação que me foi fornecida pela própria Funai das "Autorizações das ONGs em Terras Indígenas nos Anos de 1997 a 1999." Sabem quantas entidades autorizadas pela Funai estão atuando em áreas indígenas? Quarenta e uma entidades! Vou ler somente a nacionalidade dessas entidades: cinco britânicas, três canadenses, cinco espanholas, três brasileiras, oito francesas, três americanas, uma norueguesa, sete holandesas, uma alemã, uma peruana, uma guatemalteca, uma austríaca e duas inglesas. Vejam bem, são apenas três ONGs brasileiras num total de quarenta e uma com autorização da Funai - porque inúmeras outras estão agindo sem autorização alguma, como está provado e divulgado pelos meios de comunicação, inclusive fazendo biopirataria. O caso mais recente é o de contrabando de aranhas, mas temos notícias de casos de sapos e de outros insetos contrabandeados principalmente das áreas indígenas, sob pagamento de uma quantia irrisória ou, às vezes, sem pagamento. E são entidades brasileiras, mas pode ser que sejam subsidiárias de estrangeiras.  

A questão, repito, é muito mais ampla. Trata-se de uma questão de defesa e de soberania nacional. Espero que isso seja corrigido.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Senador Mozarildo Cavalcanti, permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Ouço com muito prazer o Senador Lauro Campos.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Senador Mozarildo Cavalcanti, congratulo-me com V. Exª porque os três segmentos do seu discurso, todos incidentes sobre a Amazônia, foram muito bem colocados e demonstraram a sua preocupação e consciência com os problemas que cada vez mais se abatem sobre a Região. Gostaria de tecer alguns comentários a respeito da parte inicial, quando V. Exª leu um artigo recentemente publicado pelo professor e jornalista Carlos Chagas. Eu já tive a oportunidade de ler esse artigo e de vê-lo estampado não apenas no Correio Braziliense , mas também na Tribuna , jornal onde esse eminente jornalista escreve diariamente e com o qual aprendo muito. É de salientar e ser louvada essa preocupação que todos temos há muito tempo, mesmo alguns que não são amazônidas e que não tiveram o privilégio de nascer naquele espaço fantástico, com a cobiça, o desrespeito e a destruição que a civilização capitalista aplica em todas as suas vítimas. Sabemos muito bem como 200 mil maias, por exemplo, foram destruídos no espaço da Nicarágua. Sabemos muito bem como cinco milhões de negros, escravizados na África, foram trazidos para o trabalho vil neste nosso Continente. Existe um sociólogo norte-americano, aliás citado pelo grande Professor e pequeno Presidente Fernando Henrique Cardoso, que afirma que a riqueza da América foi produzida pelo seqüestro dos negros africanos e pela exploração e espoliação que sobre eles exerceram os colonizados brancos - trecho citado pelo Professor Fernando Henrique Cardoso, no tempo em que Sua Excelência tinha uma palavra acreditável. Já conhecia esse importante pronunciamento do jornalista Carlos Chagas, que nos adverte a respeito daquilo que será tratado nesse reunião do G-7 e que, naturalmente, representará para nós um perigo, porque o Brasil está muito mal representado nessa reunião. O Senhor Presidente da República não tem credibilidade, depois que admitiu a invasão monetária e financeira, os ditames do G-7 ou do FMI - afinal de contas o FMI é uma outra configuração do G-7, desses instrumentos e desses órgãos de dominação internacional, de espoliação. Tornou-se o Presidente um representante suspeito dos interesses fundamentais do Brasil. Congratulo-me com V.Exª pela maneira como tratou esse tema tão importante. Muito obrigado.  

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Agradeço imensamente a V. Exª o aparte, porque a palavra de V. Exª, um homem sábio, um homem que pertence ao Partido dos Trabalhadores, vem realmente demonstrar que é fundamental a questão da nossa soberania e da defesa da Amazônia, a preocupação em manter a questão indígena e ambiental sob o viés nacionalista.  

Dia desses, ouvi, se não me engano, o Senador Jefferson Péres dizer que, se ser de esquerda, como dizia um pensador francês, é ter a capacidade de se indignar sempre com as injustiças, considero-me também um homem de extrema esquerda, porque sou altamente indignado com a injustiça que se comete sobre a Amazônia e principalmente com o descaso que existe com as populações indígenas e não-índias da imensa Amazônia, que se compõe de 20 milhões de brasileiros.  

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Com prazer, ouço V. Exª.  

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Provém V. Exª, Senador Mozarildo Cavalcanti, da Amazônia, que aqui representa com toda legitimidade. As suas preocupações quanto à Amazônia brasileira devem assaltar a todos os brasileiros. V. Exª aborda esses temas, e nós - eu sou também da Amazônia, mas aqueles que não o são e que seguramente têm preocupações com ela - vemos aumentadas essas preocupações com o relato de V. Exª na manhã de hoje. No que diz respeito aos nossos índios, em verdade, são preocupantes as informações de que, das quarenta e uma ONGs que operam em reservas indígenas, trinta e oito delas são do exterior. Nesse caso, de duas, uma: ou o Governo, autorizando a presença dessas ONGs, declara a sua incapacidade de gerir os interesses indígenas - e por isso o entrega às ONGS -, ou, então, algo de errado está acontecendo, sobretudo em se tratando de ONGs estrangeiras. Temos tido preocupações, no passado e no presente, exatamente com a presença de estrangeiros nas reservas indígenas. E o que se percebe é que essa presença é cada vez maior, sufocando até a presença brasileira. Em outro ponto do discurso de V. Exª, verifico a sugestão de se entregar a direção da Funai a um brasileiro de origem indígena, de origem de uma tribo. Já há muitos até com curso superior - informo-o a V. Exª porque é verdadeiro. Há dez, doze anos, já houve tentativa dessa natureza, que também não deu certo. Mas creio que a sugestão é boa. Vamos insistir na mesma. Quem sabe possamos encontrar uma boa solução. Não se pode dizer que o Governo brasileiro, que os brasileiros não têm preocupações com os índios. Têm! Basta dizer que cerca de 12% do Território Nacional, atualmente, estão entregues aos índios. E quantos são os índios no Brasil? Apenas 250 mil, o equivalente à Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Ou seja, a referida favela detém hoje algo em torno de 12% do Território Nacional. Portanto, se de um lado o Governo brasileiro cede o território em tal dimensão a apenas 250 mil índios, por outro, temos esses problemas de ONGs e de outras naturezas também. Ocorreu recentemente um episódio no meu Estado, o Maranhão, que deixou mal os índios. Há uma rodovia que passa por uma reserva indígena. A estrada já existia quando a reserva se localizou ali; isto é, a estrada não atravessou a reserva indígena. A reserva é que ocupou uma área cortada por uma rodovia federal. Há dez dias, um veículo, passando pelo local, atropelou uma criança, um índio. E o que aconteceu? Os índios se aproximaram do carro anterior e assassinaram barbaramente quatro maranhenses. Ora, esses episódios não podem ficar pura e simplesmente relegados ao esquecimento; têm que ser vistos pela Funai. Houve até revolta de uma outra tribo contra aquela que praticou o assassinato. Senador Mozarildo, permita-me fazer uma referência ligeira ao aparte do Senador Lauro Campos, que tem também o meu respeito e a minha admiração. Tenho feito referências seguidas desta tribuna ao Senador Lauro Campos, porque admiro muito a sua cultura, a sua competência e o seu patriotismo. Mas há certos fatos com os quais não posso concordar. S. Exª disse, por exemplo, que o Presidente Fernando Henrique Cardoso não pode representar os interesses brasileiros em uma reunião do G-7. Ora, no instante em que o Presidente da República, seja ele quem for, não puder mais representar os interesses nacionais no exterior ou onde quer que seja, então não teremos mais ordem democrática, não teremos mais representação política neste País. Ou seja, isso seria a decretação da desordem interna nacional, com o que não podemos estar de acordo. Não temos clima para uma desordem desse porte. O Governo está governando normalmente. O Presidente da República cumpre o seu papel e o seu dever. Creio que uma declaração dessa natureza não ajuda em nada as instituições nacionais. Portanto, a despeito da minha admiração, que mantenho, pelo Senador Lauro Campos, lastimo esse tipo de declaração. Muito obrigado.  

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Agradeço-lhe, Senador Edison Lobão, o aparte, que muito enriquece o meu pronunciamento.  

V. Exª também é da Região Amazônica. Aliás, o seu Estado é privilegiado, porque metade pertence à Região Amazônica e metade, à Região Nordeste. V. Exª é um homem conhecedor dos problemas da Região Amazônica e dos problemas brasileiros.  

Como foi bem dito também pelo Senador Lauro Campos, creio que a região em questão não pode se circunscrever aos representantes da Amazônia nesta Casa; tem que ir muito além e acordar inclusive com as elites políticas, empresariais e intelectuais do Sul e Sudeste, porque também eles vão pagar o preço pela perda da Amazônia.  

Vou concluir, Srª Presidente, fazendo um apelo ao Presidente da República, para que Sua Excelência, no ano que vem, quando completaremos 500 anos do Descobrimento da República, nomeie um índio para presidir a Funai; e ao 25º Presidente, que assumiu hoje, que ouça diretamente os nossos índios, e não os seus prepostos, os seus intermediários, que não foram credenciados por eles.

 

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/1999 - Página 30818