Discurso no Senado Federal

COMENTARIO AO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR LAURO CAMPOS DE CRITICA A ATUAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL. INCOERENCIA DOS PARTIDOS DE ESQUERDA NO BRASIL. ESFORÇO DO GOVERNO PARA SOLUCIONAR OS GRANDES PROBLEMAS NACIONAIS.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • COMENTARIO AO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR LAURO CAMPOS DE CRITICA A ATUAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL. INCOERENCIA DOS PARTIDOS DE ESQUERDA NO BRASIL. ESFORÇO DO GOVERNO PARA SOLUCIONAR OS GRANDES PROBLEMAS NACIONAIS.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/1999 - Página 30838
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • DISCORDANCIA, DISCURSO, LAURO CAMPOS, SENADOR, OPINIÃO, ORADOR, INJUSTIÇA, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
  • CRITICA, POLITICA PARTIDARIA, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, GOVERNO.
  • DEFESA, DEMOCRACIA, BRASIL, CONSTITUCIONALIDADE, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • DEFESA, ATUAÇÃO, GOVERNO, TENTATIVA, SOLUÇÃO, DESEMPREGO, AMBITO, CRISE, ECONOMIA, MUNDO.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª. Presidente, Srs. Senadores, o que me traz hoje à tribuna é o desejo de falar, de dizer algumas palavras sobre a política de comércio exterior. Todavia, não posso deixar de referir-me ao discurso que acaba de proferir o eminente Senador Lauro Campos, em que, com uma voz, na verdade, civilizada, produz uma peça que eu não diria igualmente civilizada.

As críticas do Senador Lauro Campos não vêm de hoje. S. Exª é coerente nisso. Trata-se, no entanto, de críticas de tal modo injustas que não posso deixar de dizer uma palavra em defesa de pessoas, mais do que do Governo, que me parecem extremamente injustiçadas por S. Exª.

Havia os governos militares, que a esquerda chamava de governos ditatoriais e da direita. Veio depois o Governo do Presidente Sarney, que também foi classificado de direita. E classificado por quem? Pela atual esquerda e também pelo Senador Fernando Henrique Cardoso, que era de esquerda. Agora, o Senador Lauro Campos refere-se também ao Dr. Andrea Calabi*, Presidente do BNDS, como sendo nacionalista e de esquerda, ou tendo sido, fazendo críticas a ele porque está no Governo.

Fernando Henrique ascende à Presidência da República como representante das esquerdas e logo é classificado como de extrema direita pela esquerda remanescente. Não consigo entender essa incoerência universal das esquerdas brasileiras. Ou alguém é da esquerda ou é da direita.

Eu gostaria de ver, não por muito tempo, senão iriam destruir o País, mas por algum tempo, estes que hoje criticam o Governo, no Governo. Gostaria de ver o Lula, por alguns meses, no Governo; o Senador Lauro Campos como Ministro da Fazenda; Senadora Heloisa Helena, como Ministra do Planejamento. Não poderia ser por muito tempo, porque destruiriam o Brasil, mas apenas para que tomassem conhecimento e ciência de que o governo não é o que supõem, o governo não é um sonho. O governo é uma realidade, e não se governa senão com realidade.

Há um sociólogo que nos adverte que as revoluções não se fazem sem os radicais, mas com os radicais é impossível governar. É inteiramente procedente: é impossível governar com os radicais, que só servem para fazer revoluções, para tumultuar, e não para construir, para governar.

O Senador Lauro Campos - não diria na sua ingenuidade, porque S. Exª não é ingênuo e, aliás, é até, muito inteligente - usa o nome do ex-Ministro Sérgio Motta, de quem nunca gostou, ora para prejudicar o Presidente Fernando Henrique, ora para elogiá-lo. Pinça uma frase do Ministro Sérgio Motta, que, antes de morrer, mandou uma carta ao Presidente da República dizendo: “Fernando, não te apequenes”. O que ele queria dizer com isso? O Senador Lauro Campos pinça essa frase para falar mal do Presidente Fernando Henrique Cardoso, como se o Ministro Sérgio Motta estivesse a fazer o mesmo. Essa é a Oposição que temos.

Lembro-me de um episódio muito interessante, que a Senadora Heloisa Helena certamente não conhece, mas que o Senador Lauro Campos seguramente lembra, ocorrido no Governo João Goulart, que era um governo do trabalhismo, portanto, de esquerda. João Goulart nomeou o Professor San Thiago* Dantas, figura extraordinária, notável - homem de esquerda por quem sempre tive a mais profunda admiração - Ministro das Relações Exteriores.

Houve, então, uma reunião dos chanceleres da América Latina juntamente com o Secretário de Estado Americano em Punta Del Leste. Nessa reunião, o professor San Thiago Dantas, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, fez dura crítica aos Estados Unidos, ao sistema monetário internacional, às relações econômicas entre os países. Os jornais do mundo inteiro divulgaram a palavra tonitruante do professor San Thiago Dantas.

Enquanto ele falava em Punta Del Leste, o Ministro da Fazenda estava se exonerando. Para substituí-lo, foi nomeado San Thiago Dantas. Retornando ao Brasil no dia seguinte, o novo Ministro deu uma declaração a favor dos Estados Unidos.

A conversa era outra, ele não era mais o Ministro encarregado da política exterior; era o Ministro que cuidava das finanças do Brasil e, nesse caso, teria de governar com a realidade.

Observe-se, portanto, que quem está no governo governa com a realidade; quem está na oposição lida com a utopia, a quimera, a crítica fácil, e nada mais do que isso.

Senador Lauro Campos, fico numa torcida intensa, no desejo monumental de que V. Exª possa vir a ser Ministro da Fazenda. Desejo olhar o seu desempenho nesse cargo. Quero ver o que vai acontecer com os bancos quando estiverem quebrando e V. Exª no Ministério da Fazenda. Ah, como gostaria de ver isso!

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Nunca darei esse desprazer a V. Exª. Pode estar seguro.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sei que não dará, porque fará o certo, que é o que está sendo feito neste Governo. V .Exª vai fazer tudo igual ao que está sendo feito hoje; portanto, não me dará nenhum desprazer, nenhuma decepção. A decepção acontece hoje porque V. Exª - que é inteligente, é professor - não pode estar pensando da maneira como fala. Eu não consigo entender isso. Para mim, V. Exª pensa uma coisa, mas, por ser oposição, por dever de ofício, diz outra.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Pois não; com todo prazer.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Em relação apenas a essa última assertiva de V. Exª, seu discurso é totalmente incongruente, porque, no principio dele, se é que os meus velhos ouvidos ainda estão escutando alguma coisa...

O SR. EDISON LOBÃO - Perfeitamente prestáveis.

O Sr. Lauro Campos - ... V. Exª se referiu à minha coerência.

O SR. EDISON LOBÃO - Sim.

O Sr. Lauro Campos - Agora V. Exª está dizendo que eu penso uma coisa e digo outra, que eu penso bem desse Governo que aí está e que falo mal dele. Isso significa dizer que eu seria a pessoa mais incoerente possível, teria uma cabeça que nega e trai os passos que eu dou em minha realidade cotidiana. Esse é apenas um reparo que eu gostaria de fazer por ter sido alvo dessa e de outras injustiças e incompreensões por parte de V. Exª. Eu agradeço muito algumas referências elogiosas que foram feitas, mas, obviamente, não poderia silenciar-me. Aquele material que eu trouxe e que consegui ler, e que constitui, talvez, 20% do discurso que elaborei, na realidade é baseado em citações, entre aspas, das pessoas envolvidas. Alguém pode duvidar de que deram a Sua Excelência o Presidente da República o apelido de “bomba atômica”? Isso foi declarado, está nas fitas gravadas. Para que ninguém percebesse que Sua Excelência estava envolvido ou tinha dado a sua aquiescência ao processo de alienação da Telebrás, tiveram de chamar o Presidente de “bomba atômica”. Para mim, isso é um desrespeito total, é um sintoma de um desgoverno completo, de uma falta de autoridade. Referi-me, por exemplo, ao caso da Raytheon e lembrei que o Eximbank emprestou US$1,3 bilhão, que hoje já são mais de US$2 bilhões, para que o Brasil comprasse equipamentos e implementos para o Sivam apenas de uma empresa pré-determinada: a Raytheon. Se o Brasil não comprasse da Raytheon, aquele empréstimo seria retirado. E nós nos submetemos a isso. Deixamos de empregar 60 mil brasileiros para empregar 20 mil nos Estados Unidos. Para quem está sendo esse governo? Se analisarmos outras medidas tomadas por este Governo, veremos que esse não é um acaso; isso é um programa de desgoverno, isso é um programa de entrega das riquezas nacionais ao capital estrangeiro, de subsídio, de doação, de empréstimos feitos pelo BNDES para que empresas estrangeiras, estatais, viessem aqui comprar, ou melhor, ganhar as nossas riquezas. Eu gostaria de ver desmentidas não as minhas afirmações, mas os fatos a que elas se referem. Para terminar, quero dizer a V. Exª que um dia, na minha modesta atividade de professor, comecei a receber alguns presentes: ameaças de morte. Então um amigo comum me aconselhou procurar o Professor Fernando Henrique Cardoso. Fui a São Paulo e levei as cartas que me ameaçavam e as mostrei a ele. Uma semana antes, haviam colocado uma bomba lá no Cebrap, onde ele trabalhava. Então ele me disse: “Olha, Lauro, nunca vi ninguém tão ameaçado quanto você. Estou indo lá para os Estados Unidos. Se puder, vou providenciar para que você possa ir para lá também”. Ele não o fez. Deve ter me esquecido. As preocupações com ele próprio são muito grandes para que ele se preocupe com outrem. Ele não fez nada, mas tomou conhecimento daquilo. Depois passei um ano e pouco na Inglaterra e voltei, para lecionar as mesmas matérias, com o mesmo conteúdo. Tive muito medo de morrer, a minha pressão foi a 20, mas, quando eu voltei, eu não mudei de posição, não mudei o modo de pensar. Para mim, é impossível mudar o modo de pensar, porque esse modo de pensar é o resultado de uma lenta, segura e gradual evolução crítica da minha própria estrutura, da minha entificação como ser pensante, que tem de ser crítico nessa sociedade. Para terminar, quero lembrar aqui uma frase que tenho de atribuir ao seu autor e àquele que a editou, mas eu também já a usei muito: “os otimistas são mal-informados”. Se soubéssemos há três anos que essas CPIs iriam levantar a tampa, a capa, a maquiagem que recobria essa podridão que se revela agora, esses criminosos empoleirados, obviamente não teríamos levado o susto que levamos quando esses fatos vieram à tona, quando essas organizações mafiosas foram visualizadas. De modo que acredito na boa-fé das palavras de V. Exª. V. Exª, ao contrário de mim, não tem interesse político ao fazer seus pronunciamentos. V. Exª não almeja cargos políticos, ao contrário de mim, que sou um ambicioso, que sou um exaltado político no sentido da realização da tomada do poder. Se alguém um dia, aqueles que me conhecem sabem, me convidasse para ministro de qualquer pasta, V. Exª pode ter certeza de que jamais eu aceitaria. Tenho a consciência das contradições, tenho consciência da perversidade que este Governo, governado por fora, pela tradição e pelas suas raízes deletérias, tem de conseguir para a frente: tratorar a cidadania e liquidar a dignidade humana em nome de um governo cada vez mais autoritário e despótico. E o meu medo é esse. O neonazismo pode ser a próxima etapa a que vai nos condenar o neoliberalismo insano. Lawrence Klein, prêmio Nobel de economia, já escreveu isso a respeito dos anos 30. Foi o neoliberalismo lá, naquela ocasião, que levou o mundo para o neonazismo, e o preço é muito grande. Roosevelt disse: “O que eu estou fazendo aqui agora é a mesma coisa que Hitler faz na Alemanha.” Hitler perdeu a guerra e ganhou a paz. A nossa moeda é nazista, as nossas instituições são nazistas, os nossos legislativos são nazistas, as nossas relações e os nossos poderes são despóticos e autoritários. Hitler ganhou a paz e perdeu a guerra. Portanto, jamais, nem um dia, incorreria no ato insano de aceitar um convite como esse que a gentileza de V. Exª imagina.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Senador Lauro Campos, V. Exª faz vaticínios dramáticos para o nosso País: estamos a caminho do neonazismo...

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Quase nele.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Quase nele, diz V. Exª. Mais do que a caminho, já estamos quase nele. Ainda há pouco, li uma entrevista do ex-Ministro Celso Furtado, também da Esquerda, não é?

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Não da minha.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Não da de V. Exª, porque a Esquerda, no Brasil, divide-se, na verdade, em 300 pedaços. É como se fosse uma granada que explode em muitos fragmentos. Mas é da Esquerda.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Já ouvi dele, várias vezes, que não é socialista. Jarbas Passarinho escreveu três artigos dizendo isso. E estou com Jarbas Passarinho.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Não quero passar um atestado ao Prof. Celso Furtado, mas sempre soube que ele é um homem inscrito nas esquerdas, tanto assim que foi Ministro do Sr. João Goulart e sempre foi tido como um homem de Esquerda. Mas ele nos disse, há uma semana, e tomei um susto, que estamos à beira de uma convulsão social e que os militares vão tomar o poder, colocar a casa em ordem, o que ele lamenta porque o ideal seria uma solução democrática.

Ouvindo isso agora de V. Exª, vou sair desta tribuna preocupadíssimo, porque estamos caminhando para um sistema de força, para um neonazismo. Meu Deus! A consciência nacional repele isso, não deseja isso! O brasileiro gosta de viver em um regime democrático, em um regime de liberdade. Todos nós desejamos isso para o País. Quando ouço as críticas fortíssimas de V. Exª ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, chego à conclusão de que V. Exª estava correto quando votou contra a reeleição. Votei a favor do princípio da reeleição dos prefeitos, dos governadores e do Presidente da República e hoje me arrependo.

O Presidente Fernando Henrique, no primeiro mandato, foi consagrado. Era a própria glória nacional, durante quatro anos. Tanto era que foi reeleito, no primeiro turno, pelos brasileiros e não por uma eleição indireta, com interesses políticos manobrados. Foi reeleito pelo povo, com uma votação consagradora, já no primeiro turno. Reconheço que ele hoje está sendo criticado por dois terços da opinião pública nacional. Isso, a meu ver, é um defeito da reeleição. Deveríamos ter preservado a imagem gloriosa do Presidente Fernando Henrique do primeiro mandato. O Presidente mudou? Não, o Presidente não mudou, mas os problemas que surgiram são imensos.

O que quero dizer é que qualquer que fosse o Presidente da República, hoje, estaria enfrentando os mesmos problemas que o Presidente atual enfrenta. O Presidente é o mesmo, o político é o mesmo, o homem é o mesmo, os seus auxiliares são os mesmos. Os problemas é que mudaram e são dramáticos, no Brasil e no mundo. Ou reconhecemos isso ou vamos ficar neste augusto plenário a fazer injustiça aos homens públicos brasileiros, quaisquer que eles sejam.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - V. Exª me permite mais um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Vou concluir a análise do que dizia e, em seguida, concedo o aparte a V. Exª.

V. Exª nos fala também da exaltação. É um exaltado. Lembro-me de ter lido em Joaquim Nabuco essa expressão extraordinária, essa sentença admirável. Ele nos dizia que dos prudentes não se deve esperar solução extrema. Mas dos exaltados nunca se pode esperar soluções sensatas.

Portanto, o exaltado é bom para fazer revolução, não é bom para governar. Governo se faz com os prudentes, com a sensatez, com o equilíbrio, com o bom senso, com a ordem, e não com desordem.

Mas ouço outra vez V. Exª.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Não poderia deixar de me pronunciar diante da exegese de V. Exª sobre a minha fala, porque realmente não concordo absolutamente com aquilo que V. Exª interpretou, talvez por incapacidade ou dificuldade de expressão do meu pensamento.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Não é correto. V. Exª se expressa muito bem e com muita clareza.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Referi-me já uma vez aqui hoje ao Presidente Roosevelt, e parece que V. Exª não o considera nem fascista, nem marxista, nem extremista. O Presidente Roosevelt disse no livro chamado Os Mil Primeiros Dias, em discurso: “O que eu estou fazendo aqui é a mesma coisa que Hitler está fazendo na Alemanha”. Do meu ponto de vista, Roosevelt estava certo; se ele estava fazendo lá o que Hitler estava fazendo na Alemanha, o governo dele era neofascista, não era democrático. Há pessoas que, obviamente, acostumadas... Nascemos em um sistema, um ambiente, uma atmosfera autoritária, despótica, desrespeitadora do próximo, concentradora de poder, de riqueza, de saber e de tudo o mais. Neste ambiente, com a moeda autoritária, com medidas autoritárias, com medidas provisórias, com desrespeito aos poderes e tudo o mais, acostumamo-nos com essa atmosfera mal cheirosa e contaminada. Desculpe-me a analogia, mas vou ter que usá-la, apesar de não gostar: é como se entrássemos no toalete, pois quando excretamos as nossas necessidades, não sentimos o nosso próprio mau cheiro, o mau cheiro que se exala de nós; acostumamo-nos com ele. Mas quando alguém vem lá de fora e penetra naquele ambiente que contaminamos com as nossas fezes, obviamente, sofre um impacto com aquele mau cheiro. Estamos imersos no mau cheiro da humanidade capitalista e não o sentimos, porque nascemos nessa sociedade e acostumamo-nos com ela. Chamamos isso que praticamos aqui de democracia: uma democracia sem cidadão, uma democracia sem dinheiro, uma democracia faminta, uma democracia com um Judiciário como esse que se revela agora, uma democracia autoritária, que se utiliza de atos e medidas provisórias. Isso só é democracia para aqueles que estão no ambiente governamental, que não sentem o mau cheiro. Porém, nós, que nunca subimos os degraus daquelas escadas, que nunca convivemos com o Governo, sentimos o mau cheiro e percebemos os atos governamentais - que o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso disse, não fui só eu, e escreveu - “tangenciando o fascismo”. Nós, brasileiros, o Governo brasileiro “tangenciando o fascismo” - é uma expressão de Sua Excelência. Em seu livro Autoritarismo e Acumulação, o Presidente diz que todos os governo brasileiros têm sido - e o dele principalmente - altamente autoritários, despóticos, tangenciando o fascismo. De modo que, felizmente, ou infelizmente, ainda tenho um pouco de memória para relembrar essas expressões que vêm em auxílio à minha modesta participação no discurso de V. Exª. Estou quase plagiando o Senhor Presidente da Repúbica, ao afirmar que, obviamente, se o neoliberalismo fracassa de novo, se o desemprego chega a 44%, como na Alemanha, em 1934, e a 25%, nos Estados Unidos, em 1933, quem salva o capitalismo é sua expressão mais forte, mais autoritária e mais eficiente: o neonazismo. Hitler não veio para liqüidar o capitalismo, mas para salvá-lo e para destruir a tentativa de construção do socialismo no Leste Asiático. Desta vez, minhas palavras não serão interpretadas e a exegese de V. Exª....

O SR. EDISON LOBÃO ( PFL - MA) - Não será defeituosa. Tenho que fazer exegese das palavras de V. Exª, porque V. Exª tem sido mais sócio do meu discurso do que eu próprio, o que vem em meu favor e não em meu desfavor. V. Exª homenageia meu discurso, dando a ele a grandiosidade que eu não daria. Portanto, o fato de ser majoritário no meu discurso, só serve a mim e não a V. Exª. Por isso, tenho que fazer a exegese.

Se o que ocorre nos Estados Unidos hoje e ocorreu na época de Roosevelt não era democracia, se o que temos no Brasil não é uma democracia, então, chego a imaginar que democracia para V. Exª é o que ocorria, por exemplo, na Rússia, de Stálin, ou na China, de Mao-Tsé-Tung. Não é possível!

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Exegese de V. Exª, nunca falei isso na minha vida.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Eu é que estou falando, pois estou tentando traduzir as palavras de V. Exª. Se o que temos não é uma democracia, então democracia é o que havia na Rússia, de Stálin, que assassinou 30 milhões de soviéticos, ou na China, de Mao-Tsé-Tung, que levou à morte violenta 40 milhões de chineses. Não sei mais o que é democracia. Para mim, há democracia hoje nos Estados Unidos e havia naquela época, assim como há democracia no Brasil.

Será que o Presidente Fernando Henrique Cardoso é responsável pela existência das medidas provisórias? Não. Os responsáveis somos nós, que votamos uma Constituição, em 1988, criando o instituto das medidas provisórias. Foi o Congresso Nacional, a Constituinte brasileira, que representava o povo, que introduziu na Constituição a figura das medidas provisórias. O Presidente Fernando Henrique não é o responsável por ela. Como constituinte, Sua Excelência deve ter votado a favor da medida provisória, assim como quase que a unanimidade dos constituintes.

No entanto, pode-se dizer que Sua Excelência usa as medidas provisórias com desenvoltura. Não estou longe de concordar com isso, se V. Exª deseja dizer tal coisa. O Presidente usa freqüentemente as medidas provisórias. Mas por quê? Porque, no mundo moderno - todos sabemos - o Poder Legislativo mais fiscaliza do que legisla. O Poder Executivo também legisla. Como temos tido dificuldades em votar as mensagens governamentais, porque elas demoram em seu procedimento, o Governo vai emitindo as medidas provisórias que lhe permitem a Constituição da República. Sua Excelência não está cometendo ato algum de excesso legislativo, apenas está legislando de acordo com a Constituição.

Concordo que, de fato, há momentos em que se edita maior número de medidas provisórias do que se deveria editar. Para isso, existe um projeto, em tramitação no Congresso Nacional, limitando o poder presidencial de editar medidas provisórias.

Mas da maneira como V. Exª fala, o que vão pensar as pessoas que estão assistindo à sessão pela televisão? Que a medida provisória não é legal, que ela está sendo usada de maneira ilegal pelo Presidente da República. É inconstitucional? Não, é perfeitamente constitucional. Sua Excelência não é responsável pela existência dela. Responsáveis somos todos nós, constituintes, que, no Congresso Nacional, votamos a Constituição, permitindo a edição de medida provisória. Entretanto, anteriormente, já havia o decreto-lei, que é muito parecido.

Senador Lauro Campos, assomei a esta tribuna para fazer outro discurso e não vou sequer conseguir fazê-lo. E quem me tirou da rota? V. Exª. Era um discurso ameno sobre comércio exterior. Mas V. Exª, pelo brilhantismo que tem, convoca-me para esse debate.

No entanto, talvez eu tenha ficado devendo uma satisfação a V. Exª, quando reclama de eu ter dito que o eminente Senador Lauro Campos era incoerente. A incoerência não está exatamente na cabeça do Senador Lauro Campos, mas naquilo que S. Exª representa: as esquerdas são incoerentes. Elas calcinam todos os governos, mas quando chegam ao poder, atuam de maneira semelhante a eles. Aí está a incoerência.

Se a Esquerda ascender ao poder - ela chegará lá um dia e até torcemos por isso, pois teremos o governo de volta mais rapidamente -, ela governará mal, pois não sabe governar. A Esquerda sabe falar; não sabe governar. Governar é um ofício difícil. Não se governa com palavras fáceis e bonitas.

A SRª. PRESIDENTE (Heloísa Helena. Fazendo soar a campainha.)

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Eu vou concluir, Srª Presidente.

Senador Lauro Campos, estou fazendo justiça ao Governo. Sei que não é isso que este Plenário quer ouvir nas vozes da Oposição e também não é isso que a maioria do povo deseja ouvir.

O povo está sofrendo em nosso País. Sei disso. Estou me exibindo de corpo inteiro às críticas da opinião pública, na medida em que defendo o Governo. E por que o faço? Porque acredito que o Governo está fazendo um esforço muito grande para solucionar os problemas nacionais. Estou convencido disso. O povo sofre? Sofre, sim. Não há sofrimento maior do que o desemprego. Sei o que é um chefe de família chegar em casa sem ter uma solução para os seus problemas.

Então, é indispensável que todos nós reunamos forças para contornar o grave problema nacional do desemprego. Várias nações passaram e estão passando por isso. Na grande crise do petróleo - e isso não faz muito tempo - os Estados Unidos tinham 12% de desempregados; Portugal tinha 50% da sua mão-de-obra desempregada. Hoje, a Argentina exibe maior número de desempregados que o Brasil.

A citação desses fatos resolve o nosso problema? Não, mas o que quero dizer é que esse não é um fenômeno apenas brasileiro; essa é uma infelicidade pela qual estamos passando. E precisamos sair dela; precisamos vencer essas dificuldades. O Presidente da República se esforça nessa direção e todos aqueles que o apóiam também reclamam dele uma solução mais rápida. Precisamos retomar o desenvolvimento nacional para podermos chegar a esse desiderato positivo que todos nós desejamos.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - V. Exª me permite somente um minuto de aparte?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Eu não negaria nunca a V. Exª.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Parece-me que há um defeito nesse silogismo montado por V. Exª no sentido de que, se a esquerda é que não sabe governar e o Brasil chegou a esse atoleiro em que se encontra hoje, será que a esquerda é que está no Governo?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Mas tudo o que eu digo aqui da tribuna é defeituoso para V. Exª!

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Será que foi a esquerda que sempre esteve no governo neste País?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Se não fosse defeituoso, pensaríamos igual, mas não pensamos.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - O que V. Exª está fazendo é, com uma bola de cristal, prever uma catástrofe ainda maior do que essa a que V. Exª se refere.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Não, a catástrofe quem previu foi V. Exª, com o neofascismo para o Brasil. Eu não chego a esse ponto de prever uma catástrofe desse tamanho, uma bomba atômica seria o que V. Exª está prevendo para o Brasil e para muito breve. Eu me recuso a acreditar nessa possibilidade.

Concluo, Srª Presidente, agradecendo a tolerância de V. Exª e agradecendo ao Senador Lauro Campos os apartes até esclarecedores. O Senador, repito, tem a minha admiração, é um professor ilustre, que eu já admirava antes de ser Senador da República e por quem sempre tive o maior respeito. Apenas me dissocio, me desvinculo do pensamento político de V. Exª, que, no caso do Brasil, a meu ver, é um pensamento cético. Vou usar expressões mais doces para que V. Exª não se sinta atingido, o que eu não desejo nunca fazer.

É um pensamento político cético - não é o meu - imaginar que o Brasil está em marcha batida e muito próximo do neofascismo, seria supor que o Brasil está a caminho do despenhadeiro político de grandes proporções. Eu não quero chegar a esse ponto e não desejo que nenhum brasileiro acredite nisso. Nós estamos vivendo uma democracia e o que precisamos é aperfeiçoá-la cada vez mais, e a Oposição tem uma contribuição significativa a dar nesse setor, estou convencido disso.

Eu sempre propugnei, desta tribuna, pela presença de uma Oposição forte, coerente e até aguerrida, não agressiva, que é o que temos. Porque, sem oposição, o Governo não pode, realmente, colocar-se no melhor caminho, nos devidos parâmetros. Entendo que a Oposição tem que ser vigilante, sem o que a democracia não se exerce por inteiro.

Agradeço a V. Exª a tolerância.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/1999 - Página 30838