Discurso no Senado Federal

ANALISE DA SITUAÇÃO ECONOMICA, POLITICA E SOCIAL BRASILEIRA, DESTACANDO A INFLUENCIA DE ORGANISMOS INTERNACIONAIS NOS DESTINOS DO PAIS.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • ANALISE DA SITUAÇÃO ECONOMICA, POLITICA E SOCIAL BRASILEIRA, DESTACANDO A INFLUENCIA DE ORGANISMOS INTERNACIONAIS NOS DESTINOS DO PAIS.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/1999 - Página 30843
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, DISCURSO, LAURO CAMPOS, EDISON LOBÃO, SENADOR, DEFESA, ORADOR, SOCIALISMO, MOTIVO, FALENCIA, CAPITALISMO, EXPECTATIVA, JUSTIÇA SOCIAL, BRASIL.
  • REPUDIO, SUBORDINAÇÃO, BRASIL, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), CRIME DE RESPONSABILIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CORRUPÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ESPECIFICAÇÃO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, meu querido companheiro Lauro Campos, Deputado Federal Regis, eu, de fato, não estava inscrita para falar hoje. Sinto-me profundamente contemplada pela maravilhosa declaração de amor à humanidade feita pelo Senador Lauro Campos em seu pronunciamento.

Entretanto, estimulada pelo discurso do Senador Edison Lobão, fiz questão de vir à tribuna, até por amor ao Brasil, Senador Lauro Campos.

Sou uma pessoa que ama muito este País. Aprendi a observar as suas belezas naturais e a dignidade da sua gente; as maravilhas da Amazônia, com suas flores exóticas, com seu potencial de águas, um verdadeiro patrimônio da humanidade. Olho o meu querido Nordeste e suas coisas belas, como o rio São Francisco, um verdadeiro abraço de Deus. E também a situação de fome e de miséria, da qual tive a terrível oportunidade de participar na minha infância, a dureza da vida do povo nordestino. Mas são tantas as coisas maravilhosas que há no nosso sertão, Senador Lauro Campos: as mais diversas flores dos cactos, que suavizam os espinhos; o cheiro que aparece com qualquer chuva, vindo de plantas como a catingueira, que é muito famosa ali e dá umas florzinhas amarelas que perfumam o sertão; a quixabeira, que dá uma frutinha bem pequena, preta, com uma florzinha minúscula, branca, que perfuma o entardecer e seu belíssimo pôr-do-sol.

Temos o nosso Centro-Oeste, o nosso pantanal, temos tantas coisas maravilhosas no Brasil, o potencial de recursos naturais, o potencial de áreas agricultáveis e de recursos hídricos, a possibilidade deste País, ainda neste século, ser uma grande potência mundial.

Não há lógica que explique um país com tantas áreas agricultáveis ser o País da fome, ser o País que tem a sua população dividida entre os que comem e os que não comem! Então, tenho que me sentir feliz por Deus ter me dado a graça de viver neste Brasil.

Tenho muita esperança também, primeiramente como pessoa. Estar aqui no Senado tem que me dar muita esperança, é evidente. Já contei a V. Exª e a esta Casa que, por mais que esse cotidiano de trabalho, por mais que as hienas que estão no Governo Federal, possam me provocar desestímulo, existem muitas coisas que me estimulam.

Certa vez, estava eu no meio de uma praça, em Maceió, Senador Edison Lobão, e uma criança de rua, daquelas miseráveis, que cheiram cola, maltrapilhas, abraçou-me e disse: “Heloisa, você está morando em Brasília? Você mora perto do Presidente da República?” Para não ser agressiva com o Presidente, brinquei e respondi: “Mais ou menos”. Então a criança falou: “Peça ao Presidente da República para mandar comida para o povo do sertão, porque eu vi na televisão da esquina que lá estão morrendo de fome.”

Essa solidariedade de uma criança, que nem pedia para ela, faminta, maltrapilha, sem teto, deu-me ainda mais esperança.

No dia da eleição, eu estava muito preocupada, não sabia se tinha condições de vencer, porque estava competindo com um grande cacique do PFL do meu Estado, que tinha como primeiro suplente um dos maiores usineiros do Brasil, João Lyra. Tive o cuidado também de não dormir na minha casa, porque na eleição anterior ela havia sido metralhada, e fui dormir na casa de uma prima, onde havia uma Bíblia ao lado da cama. Quando acordei, abri a Bíblia, na intenção de ler um salmo de que gosto muito. Mas abri em uma outra página, que mostrava o dia da vitória. Vejam que coisa maravilhosa! Abri em Mateus, que falava no dia da vitória, justamente o dia em que Deus apresenta Jesus Cristo, no alto de uma montanha, para alguns dos apóstolos, como o seu filho eleito, o seu filho preferido.

Então, tenho de ser uma mulher cheia de esperança. Nascer onde nasci, enfrentar o que enfrentei na vida e estar, hoje, aqui no Senado, que sempre foi considerado por essa medíocre elite política e econômica como uma pérola a ser tocada apenas pelos seus filhos! É claro que tenho que ser uma mulher de muita esperança, mesmo sendo difícil ter muita esperança.

E aí volto um pouco ao discurso que foi proferido pelo Senador Edison Lobão.

Embora S. Exª critique a exaltação, a minha turma é outra. É a turma do João Batista. É a turma daquele que dizia que é melhor ser um trovão para tentar ser ouvido em algum lugar. A minha turma não é a dos que ficam omissos, caladinhos, cúmplices com a desgraça. Talvez a minha turma seja igual a de Jesus Cristo, que, quando viu os fariseus, os sicofantas dentro do seu templo, simplesmente vendendo mercadorias sem render louvores a Deus, expulsou-os a chicotadas do local, diante da belíssima, da gloriosa, da risonha algazarra das crianças que estavam no templo.

Portanto, Senador Lauro Campos, não podemos nem cobrar que todas as pessoas tenham o mesmo comportamento, porque nem no reino animal existe o mesmo comportamento, o mesmo temperamento. Se pararmos para observar os animais, veremos que as onças têm um comportamento; o leopardo tem um outro; os leões e os ratos, outro. Os ratos são silenciosos, educados; chegam, roubam a nossa comida, deixam uma doença e saem educadamente, como se não tivessem nenhum estímulo relacionado à exaltação.

Quero dizer também que acredito no socialismo, Srs. Senadores, mas não por nenhuma questão de romantismo com o passado. Acredito no socialismo porque a maior demonstração da sua atualidade é o fracasso do capitalismo. Fracassou! Fracassou na incompetência, fracassou na insensibilidade, fracassou na mais profunda e perversa destruição da humanidade. Fracassou! O capitalismo fracassou. Até porque seria no mínimo uma mediocridade teórica atribuir a queda do Muro de Berlim ao fim do socialismo, porque existe um outro muro muito mais perverso, muito mais cruel, silencioso, que já matou muito mais trabalhadores do que o muro de Berlim numa ditadura; já matou muito mais numa suposta democracia, que é o muro da travessia México/Estados Unidos. Um muro de concreto, que invade o mar e que mata trabalhadores da América Latina se quiserem entrar nos Estados Unidos.

Portanto, a mais profunda convicção que tenho da construção de uma sociedade justa, igualitária, fraterna, socialista quem me fornece não é apenas o passado; quem me dá essa convicção é o presente de fome, de miséria, de subserviência do Governo Federal ao Fundo Monetário Internacional.

Nunca vi uma coisa dessas! Um País desse tamanho, um País com um gigantesco potencial para o seu desenvolvimento econômico, para o seu desenvolvimento social e ser completamente subserviente, covardemente subordinado aos interesses do capital especulativo internacional do Fundo Monetário Internacional. Senador Lauro Campos, o Fundo Monetário Internacional é festejado, é louvado, nesta Casa; como se fosse um sócio benemérito do Brasil.

O Fundo Monetário Internacional, em várias nações do mundo, tem espalhado a destruição da humanidade. Por onde ele passa fica a marca da fome, da perversidade. Em todos os países onde o Fundo Monetário Internacional implantou o seu pacote, atualmente qual é a principal causa da morte de mulheres, em primeiro lugar, e de homens em segundo? Tuberculose.

Onde ele passa há uma elite fracassada, demagógica, incompetente e insensível. Ele destrói completamente o Brasil. E é isso o que, infelizmente para todos nós, está acontecendo hoje.

Portanto, cheia de esperança, como sou, espero inclusive que a Esquerda, um dia, possa chegar efetivamente à conquista ao menos de instâncias de decisão políticas. Talvez eu não veja necessariamente a conquista do poder, claro, porque nem aqui a Esquerda está! Somos a minoria da minoria da minoria em todo o Congresso Nacional.

O Congresso Nacional, Deus do Céu, Senador, se cumprisse suas simplórias obrigações constitucionais, o Presidente não seria mais Presidente. E não pelas concepções ideológicas que tenho. Se cumprisse pelo menos o art. 85 da Constituição, Sua Excelência já estaria enquadrado em crime de responsabilidade; já estaria fora da Presidência da República. Não tenho dúvida. E não seria pela minha identidade ideológica; mas simplesmente por respeito à ordem jurídica vigente, à corrupção monstruosa, vergonhosa do processo de privatização deste País.

A abertura desvairada promovida pelo Governo Federal destruiu parques produtivos inteiros, destruiu a indústria, destruiu a agricultura, destruiu postos de trabalho.

As palavras relacionadas ao desemprego podem ser verbalizadas da mesma forma. Por isso a população não acredita em político. É exatamente por isso! Na hora de verbalizar, todos verbalizam as mesmas palavras. Todos se apresentam como se estivessem com os seus corações machucados em relação à fome, à miséria, à pobreza e ao sofrimento de milhares de pessoas. Alguns se indignam, alguns vão à luta para tentar transformar essa realidade, e outros se omitem. Não são omissos e otimistas, Senador Lauro Campos. O otimismo não se dá simplesmente porque não conhecem a realidade; é porque conhecem a realidade perversa, é porque usufruem das benesses dessa realidade perversa.

O otimista pobre, a criança de rua, que me pede, num gesto de esperança, para proteger outros tão miseráveis quanto ele é uma coisa. Mas muitos dos outros que discursam o otimismo não é porque não conhecem a realidade de fome, de dor, de destruição e de corrupção vergonhosa neste País. Não é por isso. É porque usufruem dela; usufruem de toda essa situação terrível em que o País se encontra, dessa destruição do patrimônio nacional, dessa destruição da nossa Pátria.

Fico mais indignada sabe por quê? Porque o País não é do Fernando Henrique, o País não é do PFL, nem do PMDB, nem do PT. O País é a Pátria de milhões de brasileiros, é o futuro dos nossos filhos, é o futuro dos nossos netos. É o futuro das crianças miseráveis, é o futuro dos sem-terra que perambulam pelas estradas, porque o Governo Federal é covarde, não tem condição de ocupar mais de um milhão de hectares improdutivos, porque não enfrenta a covardia das cercas do latifúndio.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Eu não teria palavras para traduzir a minha admiração, o meu respeito e quase inveja de V. Exª - não gosto de dizer que sou invejoso, porque eu não estaria sendo fiel a mim mesmo. Essa inveja que sentimos quando sabemos que não poderemos chegar lá; lá onde a sua exaltação sagrada a conduz. Em relação à sugestão feita sobre a minha modesta pessoa no pronunciamento do ilustre Senador Edison Lobão - S. Exª sugeriu que eu fosse Ministro de qualquer Pasta e que V. Exª fosse Ministra do Planejamento -, não acredito em pessoas. Temos que individualizar. Em um mundo individualista, temos que individualizar as culpas e as responsabilidades. Em um governo despótico e autoritário, obviamente a figura emblemática é aquela que assume o poder total, aquela que colhe as conquistas suspeitas desse governo; tem de ser, então, o Presidente da República. Sua Excelência é que tem de ser o objeto de nossa crítica. Creio que pode haver melhores e piores presidentes da República. E que, hoje, no Brasil, compartilho não apenas da exaltação de V. Exª, mas vejo na sua pessoa, na sua coragem, no seu brilho, na sua capacidade de perceber a realidade e traduzi-la sem temor, no seu desrespeito para com esta ditadura encravada nas instituições. É uma ditadura muda. Outro dia o Presidente da República disse que não é com grito que se faz a democracia. Mas é com o silêncio que se faz a ditadura, sim senhor! Assim, para terminar e sintetizar, já que meu aparte não deve ser longo, eu gostaria que V. Exª fosse não Ministra do Planejamento mas Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Iríamos mostrar que a outra parte, esta parte que foi tão desdenhada e desprezada, a feminina, tem muito mais dignidade, capacidade e sensibilidade humana do que os homens embrutecidos deste País.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - É evidente que eu jamais poderia sê-lo, Senador Lauro Campos,. Mas quero que V. Exª saiba da admiração que tenho por V. Exª como companheira. Sempre digo, quando em alguns momentos V. Exª não se encontra presente, por motivo de doença, que falta uma parcela de oxigênio nesta sala. Até porque quando vejo os seus cabelos brancos, a sua dignidade, a sua coragem, a sua juventude, isso me inspira, cada vez mais, a lutar para conseguir chegar aos seus belíssimos e jovens setenta anos sem me dobrar, sem me curvar, sem me ajoelhar covardemente diante daqueles que pensam que são tudo, que podem tudo - mas a vida se encarrega, efetivamente, de destruir essa arrogância.

Espero que um dia um projeto democrático e popular chegue ao poder neste País. Eu acredito nisso. Tenho a convicção de que, mesmo que eu não possa vê-lo, os bisnetos dos meus bisnetos poderão compartilhar de uma sociedade rica de pão e de felicidade para todos, uma sociedade justa, igualitária, fraterna e socialista. A Esquerda tem projetos para isso. Às vezes, eu acho muito interessante - sei que é mediocridade e falta de informação - ouço alguns representantes do Governo ou o próprio Governo Federal dizer que a Esquerda não tem projetos nem propostas. Há centenas de projetos e de propostas. É evidente que não se trata de projetos políticos que se adeqüem ao entreguismo estabelecido pelo Governo Federal, à luz, evidente, do parasitoidismo do Fundo Monetário Internacional.

Agradeço a V. Exª pela tolerância, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/1999 - Página 30843