Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE A VIOLENCIA NO BRASIL, DESTACANDO ARTIGOS RECENTEMENTE PUBLICADOS NA REVISTA VEJA E NO JORNAL DO BRASIL.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. TELECOMUNICAÇÃO.:
  • COMENTARIOS SOBRE A VIOLENCIA NO BRASIL, DESTACANDO ARTIGOS RECENTEMENTE PUBLICADOS NA REVISTA VEJA E NO JORNAL DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/1999 - Página 31263
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, BRASIL, FACILIDADE, TRAFICO, DROGA, ARMA, PRECARIEDADE, SISTEMA PENITENCIARIO, IMPUNIDADE, CRIMINOSO.
  • DECLARAÇÃO, VOTO FAVORAVEL, PROJETO DE LEI, RESTRIÇÃO, COMERCIO, ARMA, MUNIÇÃO, NECESSIDADE, COMBATE, CONTRABANDO, AMBITO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, ENTREVISTA, ESPECIALISTA, DEBATE, SEGURANÇA PUBLICA, CRIME, VIOLENCIA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, CARLOS ZARUR, PRESIDENTE, EMPRESA BRASILEIRA DE COMUNICAÇÃO S/A (RADIOBRAS), DEFESA, ETICA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, REDUÇÃO, VIOLENCIA, PROGRAMAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, RESPONSABILIDADE, TELEVISÃO.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil continua acompanhando, entre atônito e indignado, a cobertura jornalística dos episódios de violência e criminalidade que explodem a cada momento, principalmente nos grandes centros urbanos, mas que também já atingem cidades do Interior ou núcleos que apresentavam, até pouco tempo atrás, índices toleráveis no tocante a esse quadro.  

No episódio da chacina do Shopping Morumbi, algumas coisas são emblemáticas e merecem análise mais responsável e minuciosa – a começar pelo fato de que o traficante que vendeu a arma exerce também a maldita profissão de comerciante de tóxicos, abastecendo jovens paulistanos de crack, maconha e cocaína. E, o pior de tudo, ele estava em liberdade condicional, beneficiado por uma das inúmeras brechas legais que permitem aos bandidos saírem das cadeias pela porta da frente, com cobertura judicial, antes de cumprirem as penas a que foram condenados.  

Na situação desse criminoso encontramos dois aspectos que podemos enquadrar naqueles dignos de atenção especial: em primeiro lugar, a facilidade com que as armas e as drogas circulam pela sociedade brasileira; em segundo lugar, a precariedade do sistema penal e carcerário nacional, que não consegue manter atrás das grades indivíduos notoriamente nocivos à sociedade.  

Apóio e votarei a favor do projeto que restringe a comercialização regular de armas e munições no País. Mas não posso deixar de entender um argumento expendido pelos lobistas da indústria bélica: o arsenal em poder dos grandes grupos criminosos não foi adquirido – com nota fiscal e pagamento de impostos – nas lojas que têm alvará para essa atividade mercantil.  

Todos sabemos que as armas pesadas, como fuzis usados pelos principais exércitos do mundo, granadas de última geração, bazucas e munições sofisticadas, tudo isso entra ilegalmente no País, através de fronteiras mal-policiadas e um poderoso esquema de contrabando por terra, mar e ar.  

Ignorar esse pressuposto terá apenas um sentido: o de iludir a sociedade, fazendo-a acreditar que, ao evitar que o cidadão compre um revólver, em busca de segurança pessoal, o Estado terá cumprido seu dever.  

Nada mais falso!  

O verdadeiro manancial de armas e munições, como disse há pouco e ninguém desconhece, está no contrabando especializado, que, para agir com tal desenvoltura, terá, seguramente, um poderoso esquema operacional e a cobertura de vultos que, agindo nas sombras, impedem qualquer repressão efetiva àquela atividade que propicia rendimentos fabulosos aos meliantes, muito superiores aos de qualquer atividade lícita.  

Quanto ao segundo ponto, a impunidade que, na prática, beneficia os criminosos, merece a reiteração da palavra de alerta quanto às medidas que, a pretexto de reduzir os problemas de superpopulação dos presídios e cadeias, pretendem devolver às ruas infratores que respondam por delitos considerados "menos graves". Ora, o traficante que vendeu aquela submetralhadora ao jovem assassino do Shopping Morumbi tem exatamente esse perfil e, por isso, já gozava de liberdade pretensamente vigiada.  

Se ele estivesse no lugar devido – a cadeia – o jovem homicida não teria adquirido em suas mãos, com tanta facilidade, a poderosa arma que usou para cometer o múltiplo atentado, dentro de um cinema freqüentado pela alta classe média da maior metrópole do Continente.  

"Ah, se não tivesse comprado desse traficante, teria comprado de outro" – sempre haverá alguém para alegar.  

É um argumento irresponsável e deletério, porque estabelece premissa abominável: "não adianta prender um bandido, porque sempre haverá outro para fazer seu papel sujo". Ora, dizer isso é admitir a incompetência da sociedade para defender-se; significa aceitar a soberania do crime e dos criminosos sobre a cidadania ordeira e produtiva.  

Na semana que chega ao fim, duas matérias estampadas na nossa melhor imprensa chamaram a minha atenção, pela seriedade, pela correção e pela simplicidade com que denunciaram aspectos estruturais da criminalidade, bem como sua prevenção e sua repressão.  

Na revista Veja, as páginas amarelas trazem importante entrevista com o norte-americano James Wygand, um dos mais respeitados especialistas em segurança do Mundo. Ele alerta para o risco concreto de que o episódio do Shopping Morumbi seja apenas o início de uma onda de chacinas, ao afirmar: "se a sociedade não se cuidar, outros criminosos podem se inspirar no assassino do cinema". E tem a preocupação de explicar seu ponto de vista: "se o Brasil não se cuidar, a moda pega, porque outros desequilibrados podem usar o ‘sucesso’ desse caso como inspiração".  

Mais adiante, a entrevista estampada em Veja atinge, com coragem e transparência, a questão do crime como projeto de vida – sim, porque muitos bandidos o são por opção consciente, fascinados com a lucratividade propiciada pelo tráfico de entorpecentes, de armas e de outros produtos cuja circulação à luz do dia é proibida pelas leis. Para o Sr. Wygand, decerto muitos ingressam na marginalidade por falta de alternativas, mas isso não é tudo. Vejamos seus argumentos:  

"Pode ser que existam criminosos por necessidade, mas esses são ladrões de pequenos crimes, que roubam para sobreviver. A maioria dos bandidos escolhe essa vida porque é um negócio em que se ganha mais do que sendo honesto, não paga impostos, tem uma série de vantagens. É uma questão econômica: os riscos são menores que os lucros; o criminoso pode ganhar mais do que sendo honesto".  

E lembrou algo que poucos têm a coragem de aceitar, que o crime funciona como uma empresa: "o criminoso faz análise de mercado, determina onde vai investir tempo, recursos e trabalho; pesquisa, procura novos métodos para fazer melhor. Ninguém faz isso por necessidade básica de sobrevivência, porque a barriga está roncando de fome – são empreitadas comerciais".  

Essa, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, é a violência fria, perversamente empresarial, na qual as vidas e os bens das pessoas não passam de meros detalhes contábeis e, como tal, são manipuláveis ou até mesmo descartáveis ao sabor de um mercado submisso à vontade dos seus chefões.  

Mas não podemos esquecer o quadro explosivo de violências individuais, de chacinas em regiões miseráveis, de guerras de gangs – e, da mesma forma, o assustador precedente aberto pelo jovem estudante no Shopping de São Paulo. Esse aspecto foi enfocado, na edição de segunda-feira, 15 de novembro, pelo Jornal do Brasil, em artigo assinado pelo jornalista Carlos Zarur, Presidente da Radiobrás.  

Com a objetividade, a argúcia e a linguagem direta que sempre caracterizaram sua atuação como repórter, o Sr. Zarur condena a violência desenfreada na programação da maior parte das emissoras de televisão, atribuindo-lhes uma grande parcela de culpa na explosão de agressões irracionais que assustam a sociedade. Vale a pena reproduzir, textualmente, o trecho central de seu artigo:  

"O que mais salta à atenção é o descontrole das grades das emissoras comerciais. Enquanto seu jornalismo clama por menos violência e mostra as cenas de horror que vivemos ultimamente, a programação de entretenimento, principalmente os filmes, fomenta a violência que nos agride dentro de casa". E, mais especificamente, citou um episódio que ainda nos desperta horror e que se tornou um símbolo dos males que a sociedade não mais consegue digerir: a chacina do Shopping.  

Carlos Zarur retratou, em sua coluna, um momento expressivo do problema que denuncia: o indignado tom da cobertura do atentado múltiplo no cinema e outras atrocidades da vida real, num telejornal da semana passada – seguido da veiculação, na mesma emissora, pouco depois, de chamadas para um filme em que uma mulher psicopata assassinava friamente suas vítimas e delas assumia a personalidade.  

"Prato cheio para os malucos de plantão", exclamou o jornalista, servindo-se das palavras da sociedade atônita e refletindo o seu desespero.  

É preciso fazer alguma coisa para deter essa exploração comercial da violência desenfreada, estímulo maior àquelas pessoas aparentemente tranqüilas, cuja periculosidade letárgica se torna explosiva quando submetida a incentivos externos. Ainda citando como exemplo o jovem assassino do Morumbi, notemos que ele optou pelo uso de uma arma leve e poderosa por saber que, desta forma, alcançaria divulgação muito maior para seu desvairado comportamento.  

O mais importante nas palavras de Carlos Zarur é a postura de rechaçar a abjeção da censura, praga que ambos sempre combatemos, embora em trincheiras distintas: o jornalista com seu microfone e sua máquina de escrever, o congressista com seus pronunciamentos e suas articulações políticas e institucionais.  

Como afirma o citado artigo, "há que se buscar, com a maior urgência, um comitê de ética que tenha amparo legal para intervir no que tange à programação que possa levar à violência. Não vamos vestir a capa do cinismo e dizer que se trata de uma forma de censura. Não propomos qualquer censura – tencionamos, sim, impedir que continuemos, irresponsavelmente, a inocular em nossas crianças o vírus que as levará mais tarde para os depósitos de jovens marginais, como os campos de concentração chamados Febem".  

Indo além das palavras, Carlos Zarur mostra um caminho, o que ele escolheu para a programação das emissoras componentes da Rede Radiobrás, liderada pelas TVs Educativa, do Rio de Janeiro, e Cultura, de São Paulo: "não podemos aceitar que um jornalismo atuante e cada vez mais preocupado com as mazelas da sociedade coexista com programas de "entretenimento", com destaque para os enlatados, completamente alheios aos anseios éticos da população".  

E conclui: "necessário se faz que cada condutor social – a televisão é um dos mais persuasivos – assuma a responsabilidade que lhe cabe. Não podemos conviver com a hipocrisia de ter, em um mesmo veículo, os dois lados da moeda: a causa do crime e a sua denúncia".  

O artigo escrito pelo jornalista Carlos Zarur, publicado na edição de segunda-feira última pelo Jornal do Brasil, é digno de figurar nos anais do Congresso Nacional, como um brado de alerta à consciência nacional, hoje entorpecida pela maciça carga de erotismo insano e violência destruidora.

 

Rogo à Mesa que seja transcrito e publicado, na íntegra, em adendo ao discurso que estou pronunciando neste momento.  

Antes de concluir, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, quero citar mais um exemplo concreto, material, instantâneo, dessa contradição entre os editoriais indignados das redes de TV e suas próprias programações: nos últimos dias, as mazelas dos grandes centros urbanos estão concentradas no desfile de jovens nuas, nos galpões da periferia onde se realizam os chamados "bailes funk".  

Ora, o que é isso, senão uma conseqüência da erotização precoce da infância, principalmente das meninas, nos programas ditos "infantis"? Não é preciso muito; basta sintonizar qualquer canal, qualquer emissora comercial, em qualquer hora do dia, que isso pode ser visto.  

Não vemos, freqüentemente, jovens modelos que, despidas nas chamadas "revistas masculinas", proclamam seu sonho de comandar um programa voltado para as crianças, na TV?  

As meninas nesses programas, aos 8, 7 anos e até menos idade, requebram e fazem trejeitos pseudo-eróticos, seminuas, em coisas sórdidas como a "dança da garrafa", sob o aplauso e o incentivo de "estrelas" ricamente remuneradas – como evitar que, poucos anos depois, já adolescentes, inteiramente despidas, elas repitam essa coreografia grotesca?  

Repito o que sempre foi um lema de minha vida, como cidadão e como representante da sociedade: repudio qualquer forma de censura imposta pelo Estado; não admito a ingerência do Governo no livre arbítrio e na livre escolha dos cidadãos, quando buscam lazer e entretenimento. Mas, ao mesmo tempo, há que se cobrar dos concessionários do Poder Público uma responsabilidade mais concreta quanto à programação que mandam ao ar, ao longo de todo o dia.  

É hora de buscar-se um código que estabeleça princípios verdadeiramente éticos para as emissões de TV, hoje captadas em todo o País, até mesmo por antenas domésticas rastreadoras de satélites.  

Sem essa consciência, calcada na liberdade de expressão e na necessidade de preservarem-se valores essenciais à formação da juventude e à pacificação social, o Brasil jamais conseguirá alcançar o tão sonhado progresso cultural, econômico e político que é a razão de nossa luta.  

Muito obrigado.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SENADOR NABOR JÚNIOR EM SEU PRONUNCIAMENTO.  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/1999 - Página 31263